Riba de Mouro é uma freguesia situada no Arciprestado de Monção que fica a quase 90 quilómetros de Viana do Castelo. O percurso mais curto, indicado no GPS, são curvas e contracurvas engolidas por paisagens verdes e um céu bem azul. Para os mais apressados, os cães, os cavalos e as vacas, atravessam as ruas sem olhar para a direita e para a esquerda e, de vez em quando, há tratores em serviço, uma vez que a agricultura é o “ganha pão” da população.
Com cerca de 800 residentes, maioritariamente idosos, Riba de Mouro destaca-se pela simplicidade e, segundo o Pároco, Pe. Joel Rodrigues, a “maior riqueza” daquele “cantinho muito bonito” são as pessoas. “Nestes 17 anos, sinto-me um padre feliz e realizado, apesar de muito trabalho”, disse, contando que veio para Riba de Mouro em 2005, logo após a sua ordenação sacerdotal.
“As pessoas são acolhedoras e muito preocupadas”
A S. Pedro de Riba de Mouro, juntam-se as Paróquias de Divino Salvador de Ceivães, Divino Salvador de Tangil, Sta. Eulália de Valadares, S. João Baptista de Sá, S. Julião de Badim, S. Miguel de Messegães e S. Paio de Segude. Para além de Pároco, é ainda membro da Equipa da Vigararia do Clero, responsável da Pastoral Familiar do Arciprestado e professor no polo de Monção do Colégio do Minho. “Só posso fazer um balanço muito positivo. Estas Paróquias estão distantes, mas estão num cantinho muito bonito, onde as pessoas são acolhedoras e muito preocupadas com o Pároco”, assegurou, lamentando a redução da população. “Nesta Paróquia (Riba de Mouro), a população é muito envelhecida. Não chega aos 800 residentes. Quando cá cheguei, eram mais de mil”, referiu, especificando: “Ao nível da catequese, quando cheguei em 2015, do 1º ao 10º ano, tinha 97 crianças. Hoje, são 26.”
Ainda sobre Riba de Mouro, o Pe. Joel enaltece a “linguagem própria” ou como lhe chamam: o riba-mourês. “Embora seja de Melgaço, onde também existem alguns dialetos, apercebi-me que aqui também havia algumas diferenças”, mencionou, exemplificando: “Eles aqui não usam os artigos definidos ‘o’ e ‘a’. Eles não dizem ‘o Pe. Joel’; dizem ‘Pe. Joel’.”
Já há 17 anos a conviver com estes dialetos, o Pároco confessa que, por vezes, também usa certas palavras. “O Papa Francisco refere-se, muitas bezes, ‘ao cheiro das ovelhas’ e aqui, cheguei lá”, disse, entre risos, salientando que o riba-mourês é uma “riqueza muito própria”. “Não existe nenhuma relação com a linguagem da Igreja, mas sinto que, por vezes, as pessoas transferem-na para a própria religião. A própria relação com Deus é como eles vivem uns com os outros”, acrescentou, reiterando: “Eles têm uma cultura muito própria e vivem, fundamentalmente, da agricultura que se espelha na sua simplicidade e na forma de ser simples, próxima e amiga.”
O Pe. Joel confidenciou ainda que não estranhou a forma como falavam uns com os outros, mas desconhecia algumas palavras, entre elas, “pão leve” ou como todos lhe chamam: o “pão-de-ló”. “Estranhei algumas coisas, mas outras não, porque venho daqui de perto (Melgaço)”, garantiu, recordando que, antigamente, as pessoas de Riba de Mouro viviam “isoladas”. “Hoje, já existem mais acessos à vila. Antigamente, as pessoas raramente saíam daqui para ir à vila. É claro que este fechamento os levou a criar esta linguagem muito própria”, acrescentou, atirando: “Talvez também a proximidade com Espanha/Galiza faça com que a acentuação seja diferente, até porque, antigamente, apanhávamos mais canais de televisão espanhóis do que portugueses.”
O “mais bonito e agradável” deste dialeto é que é igualmente falado entre os mais pequenos. “Os mais novos procuram ter mais cuidado, mas quando estão distraídos sai-lhes porque eles ouvem os avós e os pais a falar em casa”, contou, garantindo que“não têm vergonha” das suas raízes. “Penso que, antigamente, eram mais receosos, mas agora afirmam-se. Aliás, até os catequistas a quem, por vezes, saem algumas palavras próprias da linguagem deles”, acrescentou.
“É fundamental que os nossos jovens tenham orgulho na sua herança cultural”
Recentemente, o orgulho no riba-mourês passou para o papel. Alda Barreiros, de 46 anos, professora de Português, e Maria Alves, de 44, contabilista, ambas nascidas na montanha, em Riba de Mouro, lançaram um livro que carrega memórias e histórias.
Notícias de Viana (NdV): O que há de tão especial em “Os de lá de Riba”? Que traços e caraterísticas destacam? Qual a sua origem?
Por se tratar de uma freguesia de montanha e distante da sede do concelho, Riba de Mouro manteve-se isolada por um longo período, o que ajudou a conservar aquilo que em muitos outros locais foi desaparecendo: alguns hábitos e costumes, mas acima de tudo o linguajar, associado à tradição oral, que está ainda hoje muito presente no quotidiano das pessoas.
O livro “Os de lá de Riba” procura mostrar exatamente aquilo que, no fundo, distingue quem é de lá de Riba de quem não o é, ou de outras pessoas que não tiveram as mesmas vivências.
(NdV): Quais as vossas primeiras memórias relacionadas com esta realidade?
O nosso contacto com o modo de vida e, em particular, com o linguajar da freguesia aconteceu desde que nos conhecemos como gente, uma vez que ambas nascemos e fomos criadas em Riba de Mouro. A maioria do vocabulário, assim como a maneira de falar são-nos totalmente familiares, mesmo porque foi a única linguagem que falámos até entrar para a escola primária. À parte do que ouvíamos na televisão ou na rádio, não tínhamos qualquer outro contacto com o português padrão. Apesar disto, há muitas palavras e expressões que não conhecíamos ou nunca tínhamos ouvido falar, porque, entretanto, deixaram de ser usadas, e só após alguma pesquisa chegámos a elas. Ora, isto é também a prova de que muita informação já se perdeu porque não foi registada.
(NdV): O que distingue a nossa vida mais globalizada daquela que têm estudado? Que sugestões e exemplos podemos tirar para a nossa vida?
Em primeiro lugar, um estilo de vida muito mais sustentável, desde a alimentação, em que cada prato era pensado de maneira a utilizar de forma criativa o que cada estação do ano ia oferecendo, passando pela própria criação dos animais e da sua utilização para os mais diversos fins e, claro, pelo aproveitamento dos restos de comida e de materiais, reduzindo consideravelmente ou anulando qualquer desperdício.
Depois, o espírito de comunidade que sempre existiu. Não havia praticamente trabalho do campo que não envolvesse cooperação entre vizinhos. O espírito de entreajuda estava sempre muito presente, quer fosse por troca de favores, como era o caso da juntança, ou apenas por solidariedade, em caso de doença, por exemplo.
Por último, e inevitavelmente ligado ao anterior, o facto de as pessoas se sentirem constantemente acompanhadas e amparadas, o que ajudava a afastar significativamente a solidão, que hoje tanto preocupa a nossa sociedade, em particular na velhice.
Os tempos mudaram e, se por um lado, não devemos continuar presos ao passado nem com a ideia de que antes é que era bom – porque não era, em imensos aspetos – por outro, não temos a menor dúvida de que deveríamos tomar como exemplo, destas gerações anteriores, ensinamentos intemporais de humanismo, de respeito pelo outro e pelo natural curso da natureza.
(NdV): Como nasceu o projeto? Como se desenvolveu? Existem ideias de futuro? De que modo este universo se liga com a religião?
O projeto nasceu em 2012, numa página de Facebook, e começou por ter como objetivo a recolha de algumas curiosidades ligadas à freguesia que, por ser tão distante e isolada, apresenta características muito próprias. Aliado a isto, pretendíamos também quebrar aquele preconceito, que infelizmente ainda existe em relação às pessoas que vivem nas aldeias: que são “parolas”, incultas e não sabem falar. O preconceito está muitas vezes nos próprios habitantes ou em pessoas com origem na freguesia. Isto ainda acontece – não só em Riba de Mouro, claro – e é importante mudar essa mentalidade, mostrar que a maneira como se fala por cá é resultado de uma determinada herança linguística, que este linguajar não tem nada de inculto ou de parolo, antes pelo contrário, que as pessoas são o património mais valioso e que todos os saberes ligados à tradição oral são de uma importância incalculável e que é preciso registá-los.
Com o passar do tempo, a página foi ganhando seguidores, um pouco por todo o lado e começou a ter bastante visibilidade. Fomos recebendo solicitações para participar nos mais diversos projetos de diferentes organismos públicos ou particulares e demos também algumas entrevistas para jornais e para a televisão. Ora, de certa forma tudo isto contribuiu para que começássemos a ter uma maior consciência do trabalho que tínhamos em mãos, apesar de nunca termos duvidado da sua real importância.
Apesar de recolhermos memórias e de o nosso projeto ter como base o passado, é nosso desejo, porque é cada vez mais necessário, que este passado se torne presente e se estenda para o futuro. Mesmo já tendo apresentado o livro, resultado de cerca de dez anos de recolha, continuamos em busca do que importa registar, mas temos também consciência de que, mais do que registar, é necessário dinamizar e dar vida a estas memórias, a este património. As formas de o fazer são infindáveis, desde a promoção de encontros entre linguistas portugueses e galegos, onde seja possível abordar a questão da influência do galaico-português nas freguesias do concelho, passando pela sensibilização, junto dos mais novos, para o linguajar e para as diversas manifestações da tradição oral ainda muito presentes no dia a dia das nossas gentes.
A vida nas aldeias sempre se desenrolou muito em torno da Igreja e das suas datas festivas. Estas eram praticamente as únicas oportunidades de convívio e/ou divertimento; daí muitos dos hábitos e costumes por nós recolhidos terem uma estrita relação com a questão religiosa, dada a importância que esta assumia na vida da pequena comunidade. O próprio calendário agrícola regia-se, não raras vezes, pelo dia deste ou daquele santo.
Depois, temos o universo das mezinhas e da crendice popular em torno dos diferentes costumes, sendo que a cada uma destas manifestações está associada, por norma, uma reza, prova da fé inabalável das pessoas na cura de uma doença, numa boa colheita ou até numa boa fornada de pão.
(NdV): Porque é que “casa que tivesse uma criança sem batizar não devia emprestar nada a ninguém”?
Quando perguntamos às pessoas mais velhas a origem da crença, o que nos respondem é que “habia coujas que nun xe podia fazer porque nun era bô”. Neste caso, seguiam a regra à risca por acreditarem que uma criança sem Batismo poderia trazer má sorte.
(NdV): Como têm visto o passar do tempo? Como tem este lugar evoluído? Quais os principais desafios que se sentem?
À semelhança de outras aldeias, Riba de Mouro tem sofrido com o peso do isolamento no que toca, em particular, à perda de população. Esta é uma das questões com que todos nos deparamos hoje em dia: como fazer com que os jovens dos locais mais rurais não sintam que apenas se poderão realizar pessoal e profissionalmente nos centros urbanos, em especial no litoral? Pensamos que é precisamente com esta valorização do rural que poderemos atrair pessoas, seja através do turismo, da gastronomia ou da criação de empresas e empregos. Por cá, temos equilíbrio entre vida e trabalho, preservação da tradição, e isso são fatores que, devidamente aproveitados por quem tenha essa competência, podem tornar-nos mais atrativos para viver. Para isso é fundamental que os nossos jovens tenham orgulho na sua herança cultural para que, quando tiverem de sair para se qualificar noutros lugares, possam voltar a este e criar, eles próprios, um maior progresso, mas à nossa maneira.
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