Donald Trump venceu em todos os sete swing states, os estados decisivos e imprevisíveis das eleições americanas, provocando um golpe devastador para as aspirações de Kamala Harris e para o Partido Democrata. Agora, a questão que fica no ar é: quem, afinal, é que o Partido Democrata representa?
Kamala Harris, sem tempo para se preparar adequadamente, herdou a máquina partidária e o financiamento de Joe Biden, mas acredito que a sua derrota se deve principalmente a dois fatores: o legado insustentável da atual administração americana e a desconexão do Partido Democrata com os problemas reais da população – a economia e a imigração. Esses foram, de longe, os temas mais urgentes da campanha, enquanto os democratas insistiam em focar-se em questões fraturantes como o aborto e os direitos humanos. Numa altura de crise económica complexa e com as tensões em torno da imigração a crescer, os eleitores queriam soluções práticas e realistas, e não discursos ideológicos.
Joe Biden, com uma popularidade em queda acentuada – menos de 17% de favorabilidade
– tornou-se um peso para Kamala. A sua saída tardia e a falta de preparação do partido para uma candidatura mais competitiva colocaram a ainda vice-presidente numa posição quase impossível. Talvez, há dois anos atrás, fosse mais sensato que Biden tivesse reconhecido que não tinha condições para se recandidatar, dando ao Partido Democrata tempo para encontrar uma alternativa viável e mais robusta que a própria Kamala, que não se conseguiu destacar enquanto vice-presidente da atual administração democrata.
A derrota de Harris também ilustra a desconexão do Partido Democrata com a classe trabalhadora. Trump, que parecia uma ameaça distante em 2016, conseguiu agora penetrar em bastiões históricos dos democratas, como o voto dos negros, dos latinos e das mulheres, apesar destes ainda penderem para o Partido Democrata. Mas essa mudança não foi motivada por um repúdio ideológico, mas sim por questões económicas e pragmáticas. A classe trabalhadora sentiu-se abandonada, bem como os eleitores latinos, optando por apoiar Trump não porque se tornaram mais conservadores, mas porque a promessa de recuperação económica e uma gestão mais rigorosa da imigração falaram mais alto. Ǫuando a crise económica aperta, muitas vezes, a condição social sobrepõe- se à identidade.
Este Trump não é o mesmo de 2016. O Partido Republicano, sob a sua liderança, controla agora a Casa Branca, o Senado, a Câmara dos Representantes e, talvez o mais importante, o Supremo Tribunal. Com o apoio dos bilionários tecnológicos, Trump irá governar com uma elite que poderá moldar o futuro económico e social dos Estados Unidos de acordo com os seus interesses. E, acreditem, esse modelo não será benéfico para a maioria da população.
O impacto mais perigoso do “novo trumpismo” vai mais além das fronteiras dos EUA e pode ser devastador. A sua postura anti-ambiental, já conhecida, poderá atrasar ainda mais os esforços globais para combater as alterações climáticas, com consequências dramáticas para o futuro do planeta.
Globalmente, a vitória de Trump gerou reações mistas. Enquanto líderes da União Europeia e o presidente ucraniano Volodymyr Zelenskyy expressaram preocupação, figuras como Viktor Orbán, da Hungria, e Javier Milei, da Argentina, celebraram o resultado, vendo-o como uma renovação da influência conservadora. A Rússia, por sua vez, reagiu com cautela e interesse.
Em resposta, Emmanuel Macron, na Cimeira da Comunidade Política Europeia em Budapeste, alertou que a Europa precisa de reduzir a sua dependência dos EUA e da China. Defendeu que a Europa deveria passar de “herbívoros” a “omnívoros”, ou seja, tornar-se mais resiliente e autossuficiente, particularmente em questões de defesa e inovação tecnológica. Essa nova postura exigirá mais investimentos na defesa e maior independência do bloco em relação às grandes potências.
O resultado das eleições americanas marca uma viragem nas dinâmicas políticas globais. A ascensão de Trump, agora aliado a uma elite tecnológica, reflete um ambiente cada vez mais polarizado, onde as questões económicas são mais mobilizadoras do que as identitárias. Para a Europa, o momento exige uma afirmação como um bloco independente, pronto para enfrentar as novas realidades globais. O mundo unipolar, dominado pelos EUA, está a dar lugar a novas dinâmicas de poder, que exigem respostas estratégicas e autónomas por parte dos partidos democráticos.
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