Realidades

Nuno de Matos
19 Jun. 2024 4 mins
Nuno Matos

Tive o privilégio de ainda viver num tempo em que havia um pároco para cada paróquia. Durante mais de 30 anos, foi meu pároco o senhor padre Miranda, um homem sábio, preocupado com a comunidade e com tempo, esse tesouro da nossa atualidade, que podia dedicar à comunidade que servia. Tive a graça de crescer com os seus conselhos, nem sempre seguidos, confesso, mas sempre ouvidos com respeito por saber que vinham não só de alguém sábio, mas que genuinamente nos queria bem. Hoje vivemos outra realidade. Por falta de quem abrace a vocação sacerdotal, emergem as unidades paroquiais, onde várias paróquias se sujeitam à escassez de sacerdotes. Melhor ou pior? Apenas sei que as circunstâncias e a realidade se alteraram e a ela nos temos de adaptar.

Adaptação

Seja na natureza, seja em sociedade, eis uma das características que dita a sobrevivência, a capacidade de adaptação. Politicamente também vivemos tempos diferentes, onde partidos que defendem o retrocesso dos nossos valores começam a ter eco nos eleitores.

A única forma de combater ideias contrárias às que fundaram a nossa sociedade é a formação. É o esclarecimento que qualquer espírito livre procura. Mas como obtemos espíritos livres? Não será, certamente, pela proibição ou ostracização, mas, sim, pela razão. Pela capacidade de induzir nos nossos mais novos a vontade de procurar a verdade e o esclarecimento. Um desafio ainda maior quando as redes sociais e a inteligência artificial, ocupam quase todo o espectro da sua busca pelo conhecimento. Como poderemos nós, enquanto comunidade, ajudar na sua formação? Será que o caminho que em França se começa a trilhar, de legislar sobre o acesso às redes sociais, é o correcto?

A dureza da realidade tende a esmagar a utopia, mas a capacidade de procurar é, no fundo, a capacidade de ter fé, e esta dá-nos esperança. Manter viva a curiosidade pela verdade, pelo conhecimento é a melhor forma de combater a brutalidade e a ignorância.

No alto da montanha

O monte de Santo Ovídio, na vila de Arcozelo, concelho de Ponte de Lima é, desde imemoráveis tempos, um ponto estratégico, um miradouro com uma perspectiva única e imperdível do vale do Lima.

Em meados dos anos 80 do século passado, foi o local estratégico para a Câmara Municipal instalar um complexo que funcionava como um género de “televisão por cabo”, porém sem cabo. Foram colocadas umas antenas que captavam o sinal de satélite de vários canais estrangeiros, do desporto à música, passando por vários canais generalistas. Na altura, em Portugal, só existiam 2 canais, mas não nos lares limianos.

A decisão da Câmara Municipal, discutida em várias reuniões municipais, teve um impacto social enorme. Foi completamente revolucionário. Hoje, numa época em que “tudo” está na palma da mão, num telemóvel, é difícil perceber o que significava ter a possibilidade de assistir, sem hiato de anos, ao que se passava no mundo da música, ver eventos desportivos com modalidades nunca antes vistas nos canais portugueses (BMX, skate, surf, desportos de inverno…) ou, mesmo, aceder a um canal apenas de notícias. Nos telhados, para desagrado dos mais puristas dos centros históricos imaculados, começaram a florescer umas antenas retangulares para captar o sinal emitido de Santo Ovídio.

Mais tarde, já no início da década de 90, talvez por questões legais, o complexo foi descontinuado. Mas a marca ficou. Eis como, por uma simples decisão, uma geração cresceu com uma janela aberta para o mundo.

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