A reunião extraordinária do executivo municipal de Viana do Castelo ficou marcada pela discussão da declaração de reconhecimento de interesse municipal de um projeto de produção de hidrogénio verde que, a concretizar-se, será “único no país”. A proposta foi aprovada pela maioria, à exceção do CDS-PP, que votou contra, por considerar a localização “inaceitável”.
Em causa, está o pedido de reconhecimento de interesse municipal, requerido pelo grupo JAF H2 VERDE, de Guimarães, para a instalação de uma unidade de produção de hidrogénio verde no lugar de Entre-Valos, na União de freguesias de Subportela, Deocriste e Portela Susã, nas proximidades da empresa britânica de produção de papel e embalagens DS Smith.
O presidente da Câmara de Viana do Castelo, Luís Nobre, explicou que este reconhecimento de interesse público vai permitir ao investidor iniciar o projeto e submetê-lo à apreciação da Reserva Agrícola Nacional (RAN) pelo facto de o terreno ser abrangido por aquele instrumento de gestão do espaço agrícola.
Segundo o autarca, a unidade de produção de hidrogénio será financiada pelo Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), ao abrigo da Agenda Mobilizadora, que, “no limite, tem de ser executado até ao final do segundo semestre de 2026”.
O local, “com pouco mais de dois mil metros quadrados”, foi identificado pela autarquia, face à proximidade do terminal construído pela empresa para a distribuição de gás natural, em alta, e desse terminal distribuir em baixa. “Era impossível encontrar, no concelho, um local com mais condições, que permite otimizar e agregar outras infraestruturas que já existem, quer de receção, de produção, quer para a sua distribuição para consumo”, justificou, acrescentando: “Tecnicamente é apontada a possibilidade de haver incorporação gradual de hidrogénio na infraestrutura de gás natural. Faz sentido estar junto a uma infraestrutura dessas (…) A DS Smith é produtora de energia através das instalações de cogeração. Há um processo de otimização, num princípio absolutamente vantajoso ao nível ambiental.”
A estrutura “vai colidir e perturbar a atividade agrícola”
O vereador do PSD, Paulo Vale, considerou o projeto “inovador”, uma vez que “ajuda na redução da pegada carbónica”. No entanto, lamentou ficar “longe das matérias-primas, nomeadamente, dos fornecedores de energia qualificada como verde”.
Já a vereadora do CDS-PP, Ilda Novo, criticou a entrega “tardia” e “fora de prazo” da documentação e defendeu que a proposta “necessita de estudo e reflexão para uma decisão sustentada” porque “a legislação sobre este tema é vasta e complexa, e “as condicionantes são muitas e variadas”. “O projeto é, em si mesmo, complexo, não propriamente o seu conceito e objetivo, mas a sua operacionalização, a sua concretização e tudo o que implica: a localização, a área de implantação, a arquitetura, o impacto paisagístico, os riscos ambientais, e a sustentação e viabilidade financeira, a vida útil do projeto”, referiu, atirando que “tampouco são apresentadas quaisquer razões que concorram para a verificação da condição legal cumulativamente exigida, de que inexiste localização alternativa viável”. “De entre os documentos recebidos, a planta de localização que contém um extrato do ORTOFOTOMAPA permite verificar que a área de terreno, que se pretende ocupar com este projeto, se localiza no meio de terrenos agrícolas que estão cultivados”, argumentou, sublinhando que a estrutura “vai colidir e perturbar de forma ostensiva, inquestionável, a atividade agrícola dos campos adjacentes”.
Quanto à possibilidade de edificabilidade, Ilda Novo afirmou que, “segundo o PDM, não são permitidas em espaços agrícolas inseridos na RAN, quaisquer construções de carácter definitivo ou precário”, reconhecendo “algumas exceções”. “A proposta, a par da informação técnica, limita-se a reproduzir disposições legais aplicáveis, sendo absolutamente omissa no tocante às razões factuais e circunstanciais que justificam legalmente a utilização excecional de área da RAN, cujos objetivos e regras são incumpridos e desrespeitados de forma inegável. E, o mesmo vale no que se refere ao PDM”, criticou.
Já sobre o pedido de reconhecimento de interesse público municipal, o CDS-PP considera que “o requerente incorre nas mesma omissões de que enfermam a proposta em apreço e a informação técnica, dado que não se vislumbram na memória descritiva apresentada e referenciada, quaisquer termos que demonstrem a alegada inexistência de «localização alternativa viável»” e “não menciona de forma explícita as áreas de implantação, construção e armazenamento (apenas são referidos 1.000 m2 para estaleiro temporário), a caracterização física da envolvente, quais os acessos à operação urbanística e estacionamento”. “Há responsáveis e investigadores, na área das energias alternativas, que sustentam que a tecnologia de produção de hidrogénio renovável carece ainda de maturidade tecnológica. Daí que a viabilidade de projetos desta natureza seja incerta”, sustentou.
Em resposta, Luís Nobre disse “ser impossível encontrar outra localização”, relembrando que a DS Smith “é dos maiores contribuidores de impostos para o concelho” e tem investido “milhões de euros para melhorar o seu processo produtivo” e “reduzir o seu impacto ambiental”. “Ainda esta semana, fiquei lisonjeado por ouvir dizer que somos um exemplo nacional e internacional mas, quando apresentamos algo de novo e inovador, vocês vêm com o seguro de ontem. Eu quero o futuro de amanhã. Fui eleito não para olhar para trás, mas para a frente”, vincou.
O autarca destacou ainda o caráter inovador do projeto pela sua “perspetiva alargada de poder ser utilizado por uma valência industrial, mas também poder otimizar e melhorar os indicadores ambientais, pela proximidade a essa unidade industrial”. “É exemplar pela possibilidade de criação de sinergias entre o agente industrial e o investidor. Tem também o fator de poder alavancar outros projetos e dar um impulso para que a disponibilidade de hidrogénio no concelho seja uma realidade para todos. Seja para uso doméstico, para veículos ou unidades industriais”, frisou, sublinhando que, a concretizar-se, este projeto transformará Viana do Castelo “num território mais competitivo” e terá um “efeito de arrastamento muito significativo com ganhos ambientais para o concelho que pretende atingir a neutralidade carbónica em 2050.
A decisão vai ser submetida à apreciação da Assembleia Municipal, na sexta-feira, às 21h00.
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