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Paridade sim, mas com voz própria. O que dizem as mulheres da política local?

A Lei da Paridade trouxe avanços legislativos visíveis, mas será suficiente para garantir uma participação política feminina autêntica e significativa? Um olhar regional com quem vive a política por dentro.

Micaela Barbosa
7 Nov. 2025 9 mins

Em Viana do Castelo, o Livre desistiu de ir a votos nas eleições autárquicas de 2025. Não por falta de vontade política ou ausência de candidato, mas porque não conseguiu cumprir um dos critérios mínimos exigidos por lei: a paridade de género nas listas. “Houve indisponibilidade das mulheres para integrar a lista”, explicou o cabeça-de-lista, Gonçalo Caseiro Pereira, que estava anunciado, reconhecendo um impasse que está longe de ser isolado.

A Lei da Paridade, em vigor desde 2006 e reforçada em 2019, exige, pelo menos, 40% de cada sexo nas listas eleitorais. Apesar de ser um marco para a democracia portuguesa, a lei revela fragilidades, especialmente a nível local, onde estruturas partidárias frágeis e barreiras sociais dificultam o envolvimento feminino.

Segundo a Comissão para a Cidadania e a Igualdade de Género, nas legislativas de 2025, as mulheres eleitas foram 33,9%, abaixo da meta legal. Em vários círculos eleitorais do interior, nenhuma mulher foi eleita, e mesmo em centros urbanos como Porto e Braga, a representação feminina é insuficiente. Apenas Guarda superou os 60%.

Mas, para quem vive a política de dentro, os números não contam toda a história.

“Há uma sobrecarga invisível”

A ex-vereadora e ex-deputada do PS, Dora Brandão, conhece bem as resistências, internas e externas, que ainda condicionam a participação ativa das mulheres na vida política. Com quatro mandatos autárquicos e um percurso iniciado em 1989, recorda que “a política é uma forma de transformação social”, e que o afastamento de pessoas credíveis e bem preparadas, sobretudo mulheres, é um sintoma de uma democracia ainda pouco consolidada. “Custa-me imenso quando ouço alguém dizer que os políticos são todos ladrões. Isso desvaloriza quem dá o seu tempo ao serviço do coletivo. E há muito desconhecimento: nas escolas, ainda hoje, há jovens e adultos que não distinguem os órgãos autárquicos nem compreendem o que se vota. Como pode haver decisão livre sem literacia política?”, questiona.

Para Dora Brandão, a Lei da Paridade foi “essencial” para mudar o panorama. No entanto, reconhece que a paridade numérica não se traduz automaticamente em paridade de influência. “As listas cumprem a lei, mas continua a ser difícil mobilizar mulheres para os cargos principais. As mulheres ponderam bem antes de aceitar, porque sabem o que lhes vai ser exigido. Há uma sobrecarga invisível como cuidar dos filhos, da casa, dos pais, dos sogros, que ainda recai muito mais sobre elas”, admite.

Além da conciliação familiar, há também o peso da exigência desmedida da política local. “Hoje espera-se que um autarca esteja disponível 24 horas por dia, sete dias por semana. Isso é insustentável. Ninguém tem vida pessoal, nem tempo para estudar os dossiers com profundidade. Isso afasta quem tem consciência da responsabilidade”, considera Dora Brandão, acrescentando: “A política tornou-se muito centrada na figura do líder. Exige-se tudo a quem preside, como se os outros não existissem. Ora, uma Junta de Freguesia é composta por uma equipa, e nas Câmaras e Assembleias há competências distribuídas. Se cada um fizesse o seu papel, tudo funcionaria melhor e mais mulheres poderiam participar, sem que isso implicasse um sacrifício pessoal desproporcional.”

“A presença nas listas evoluiu para uma participação consciente e ativa”

Ilda Novo, antiga vereadora do CDS em Viana do Castelo, reforça essa perspetiva, lembrando que, embora a presença obrigatória nas listas tenha sido o ponto de partida, atualmente “muitas mulheres participam, não apenas porque é obrigatório, mas porque querem exercer influência real e contribuir de forma concreta para a vida da comunidade”. Para ela, a Lei da Paridade abriu portas e ajudou as mulheres a perceber que “podiam ter um papel real e transformador” nos órgãos de proximidade, como as Juntas de Freguesia. “Foi um impulso decisivo, sem dúvida, para que as mulheres, na generalidade, deixassem de se alhear, de não agir, para que passassem a intervir e a abandonar o papel de meras espetadoras ou ‘reclamantes ocasionais’”, refere, frisando: “A presença nas listas evoluiu para uma participação consciente e ativa”.

A ex-vereadora salienta que a política efetiva exige disponibilidade, empenho e sacrifício na conciliação entre vida pessoal, profissional e atividade pública. “Quando se pode fazer ou influenciar alterações na vida das pessoas, estabelecem-se patamares de prioridade. A experiência leva ao conhecimento e à necessidade de fazer acontecer”, afirma, destacando a dimensão prática da política local.  “É uma imensidão de ações, desde reparar caminhos ou solicitar iluminação, até acompanhar processos burocráticos. É mesmo uma obrigação pessoal e cívica, seja de uma mulher ou de

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