Há semanas, “tropecei” num livro de Mário Cláudio que me tinha, não sei como, escapado – A Quinta das Virtudes. Descrição fabulosa, vocabulário riquíssimo, pormenores deliciosos. Horas e horas de puro prazer! E há quem não goste, ou não sabe que pode gostar, de ler!
Enquanto lia, fui pensando no que se passa com a nossa Língua. O que se tem vindo a perder. O que é feito das palavras “difíceis”? (Há muitos, muitos anos, um dos trabalhos de preparação de um texto era a procura dessas palavras.)
Em relação ao vocabulário, cada vez mais reduzido, dei comigo a pensar nos modernismos que por aí pululam. Há uma cabeça mais pensante, lê uns artigos em “estrangeiro”, adapta-o ao português, debitam-no na televisão, e cá temos novos, ou adaptados, conceitos, que criam eventos, que são, certamente, impactantes. É necessária muita resiliência para lhes escapar…
E acontecem coisas verdadeiramente desconcertantes. Não é que se fazem unhas (agora nails, que, curiosamente, também podem ser … pregos), faz-se um antibiótico quando se tem uma infecção, ou faz-se um injectável. O INFARMED permite? É legal? Podemos utilizar o verbo fazer neste contexto? A sério?
E os tiquês? Nem sei como escrever esta palavra inexistente. Se é um ticket, não se lê desta forma. Onde andam o talão, o bilhete, o cartão? Foram descontinuados?
Estou esgotada de upgrade, cashless, fashion nights, drinks, prime time, startups, vouchers, parties, happy hours, open spaces, fitness, coffee breaks, sunsets, deliveries, beer fests, kids, styles, staff, burnout, top.
Fico flabbergasted. Também tenho direito, e é chic!
Mas temos grandes defensores da língua e dos bons costumes que ficam chocados quando ouvem a palavra bicha, que uso sempre, se calhar por não ver telenovelas. Se forem ao dicionário Houaiss, ou ao Priberam Online, ficam a conhecer os inúmeros exemplos de uso da palavra. Permito-me transcrever algumas passagens de autores portugueses:
“… mas quando ia buscar carne ao talho, onde tinha de se pôr na bicha, não gostava…”
O mundo em que vivi, Ilse Losa
“… onde a família formava bicha nos patamares da acanhada escada.”
O mundo à minha procura, Ruben A.
“… veríamos bichas sentadas, e, nelas, pessoas a ler ou a tricotar…”
Já não está cá quem falou, Alexandre O’ Neill
“Eis que, já perto do Cávado, me vejo no meio de uma bicha sem fim.”
Passaporte, Maria Filomena Mónica
Mas esses mesmo defensores utilizam as palavras rapariga e curva. As duas têm um significado muito pejorativo no Brasil e na Polónia, por exemplo… Também as vamos eliminar?
SUGESTÕES:
Ler – A Quinta das Virtudes, Mário Cláudio
Ouvir – A Ronda da Noite, Antena 2
Consultar – https://ciberduvidas.iscte-iul.pt/
Recordar – El condor pasa, Simon and Garfunkel
**(Escrito de acordo com a ortografia antiga)
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