«Eis-me aqui» Após a resignação de D. António Ferreira Gomes (1906-1989) na Diocese do Porto, o nome do Bispo de Viana do Castelo, eleito presidente da Comissão Episcopal de Liturgia em Junho de 1981, passou a estar na berlinda, entre as vozes da hierarquia, como um dos seus prováveis sucessores. D. Júlio confessaria, mais tarde, […]
«Eis-me aqui»
Após a resignação de D. António Ferreira Gomes (1906-1989) na Diocese do Porto, o nome do Bispo de Viana do Castelo, eleito presidente da Comissão Episcopal de Liturgia em Junho de 1981, passou a estar na berlinda, entre as vozes da hierarquia, como um dos seus prováveis sucessores.
D. Júlio confessaria, mais tarde, que começou a suspeitar do que poderia vir a acontecer quando o cardeal Giuseppe Maria Sensi (1907-2001), núncio apostólico em Portugal entre 1967 e 1976, lhe fez uma visita, sob o pretexto de estar interessado em conhecer o Minho.
Sem certezas, o prelado vianense continuou empenhado na causa do Seminário Diocesano e, na «Mensagem à Diocese de Viana do Castelo», assinada em 13 de Dezembro de 1981, prometeu dar notícias acerca do seminário no dia do encerramento da IV Semana da Diocese, adiantando apenas que o sonho da primeira hora de construir o seminário, o grande empreendimento da Igreja vianense, «já nasceu nos trabalhos e canseiras, que irão continuar, e nascerá nas suas fundações».
No termo da mensagem lançou também um apelo à contribuição para a obra com a apresentação de ofertas e pediu «a todos os sacerdotes, especialmente aos Párocos, que sejam os principais animadores das comunidades paroquiais e de outras, em ordem ao nosso seminário, de forma a podermos edificar, em partilha fraterna e comunhão eclesial, uma casa apontada para o futuro, que será lareira acesa de toda a Diocese. Só assim o nosso seminário será o vosso seminário».
Entretanto, a certeza de que iria ser nomeado como o futuro bispo do Porto surgiu, em 1 de Janeiro de 1982, quando D. Júlio foi a Aveiro cumprimentar o bispo D. Manuel de Almeida Trindade.
Ainda como bispo da Igreja vianense, poderia não estar a tempo de concretizar o sonho da primeira hora, mas iria certamente a tempo de deixar à Diocese e ao seu sucessor o memorial de tudo quanto havia sido feito ao longo de quatro anos de episcopado.
Memória descritiva
Tal como havia anunciado, a homilia da celebração do encerramento da IV Semana da Diocese, em 10 de Janeiro de 1982, foi em grande medida inteiramente dedicada a reflectir sobre o estatuto e as componentes necessárias do seminário que se pretendia construir na Diocese de Viana do Castelo, bem como as dificuldades encontradas desde que o sonho ocupou o pensamento do seu primeiro bispo.
De acordo com D. Júlio, «quem quis ser Diocese, não a pode querer sem coração», razão por que «pertence-nos fazer a casa do NOSSO SEMINÁRIO», mais propriamente o Seminário Menor, «comunidade já instituída de direito e existente provisoriamente em Braga, para o discernimento e formação inicial das vocações sacerdotais, destinadas primariamente à acção pastoral no Alto Minho».
Em prol da identidade própria da Igreja vianense, ter a construção de um Seminário Menor como prioridade, não era apenas uma necessidade ou um sinal de independência, era fundamentalmente uma prova de fogo dirigida aos diocesanos, àqueles que verdadeiramente queriam integrar o «NÓS» com o bispo, estar à volta da «lareira acesa» com ele, àqueles para quem «construir um seminário não é um fardo, não é uma aventura inútil, não é um esforço desnecessário», porque era «a casa de todos».
Duas razões sustentavam o objectivo prioritário. Primeiramente, os jovens seminaristas provenientes das comunidades paroquiais diocesanas «devem deixar de ir para Braga», uma vez que «os seus seminários» não eram o «NOSSO». Em segundo lugar, os três seminários das congregações religosas existentes na área de circunscrição diocesana – carmelitas, espiritanos e passionistas – não só estavam vazios ou desativados, como também não eram propriedade da Diocese.
Ainda houve conversações, por iniciativa dos padres do Espírito Santo, a respeito do seminário das Ursulinas, mas sem grandes resultados. Por sua vez, o seminário carmelita, também na cidade de Viana do Castelo, à data com alguns alunos, e o seminário passionista, em Barroselas, deixaram logo à partida de ser hipótese.
É certo que não deixava de ser arriscado decidir pela construção de um seminário de raiz para ficar, mais tarde, também vazio ou desactivado. No entanto, D. Júlio assegurava que «o futuro só a Deus pertence. A nós, pertence-nos o presente, estamos na hora de construir O NOSSO SEMINÁRIO. Aos que vierem depois de nós, às próximas gerações, e às gerações do presente também pertence tê-lo cheio. Tê-lo vazio é negativo e produto das fraquezas humanas e de circunstâncias adversas».
Convicto da decisão de construir um edifício de raiz para seminário, confessou publicamente que os dois últimos anos do seu episcopado foram vividos como um verdadeiro caminho de penitência em busca do local ideal para a sua implantação, de que resultou «a amargura de ficar sem o era ali».
Uma propriedade existente no lugar de Povoença, na Areosa, a meia encosta do monte de Santa Luzia, tinha enchido as medidas de todos quantos visitaram a casa e quinta, que outrora pertenceu a um tal Paulo Ferreira, e que os subsequentes proprietários estavam dispostos a vender.
Porque era aí, longos e demorados empenhos foram investidos em «encontros e desencontros, pedidos, negociações, hipótese de trocas, ofertas, gente a rezar e a fazer sacrifícios». Inclusivamente, na sétima reunião do Colégio de Consultores, realidada em 7 de Julho de 1981, a referida propriedade tinha sido apresentada como «o melhor local para a instalação do nosso Seminário».
Como se não houvesse amanhã, para trás tinha ficado a hipótese de implantar o seminário na Quinta de São Lourenço, em Darque, o que foi considerada por várias instâncias diocesanas como inadequada, sendo rejeitada «porque o sítio climatericamente não era famoso, porque o porto de mar ficaria muito perto, porque a urbanização prejudicaria, etc., etc., etc.»
Visitaram-se também outros locais, não só na margem norte do Lima, num raio máximo de oito quilómetros de distância da cidade de Viana do Castelo, como também o convento de São Romão de Neiva, lugar que se revelou não ser «aconselhável nem possível, por exiguidade dos terrenos e por ficar no extremo sul da diocese». Até surgir a alternativa de Povoença, ainda se andou por outras localidades como Mazarefes, Meadela, Âncora e São Salvador da Torre.
Depois de muitos «encontros e desencontros, pedidos, negociações, hipótese de trocas, ofertas, gente a rezar e a fazer sacrifícios», a Diocese de Viana do Castelo não chegou a acordo com a Mesa da Venerável Ordem Terceira do Carmo, da cidade do Porto, e as negociações para a aquisição da propriedade do lugar de Povoença, na Areosa, concluídas em 21 de Dezembro de 1981, ficaram por aqui.
Frustradas as expectativas, D. Júlio foi forçado a limitar a amplitude da sua perspectiva às imediações do paço episcopal e a sugerir de novo a Quinta de São Lourenço para terreno da construção do seminário.
Por fim, acrescentou que «águas passadas não moem moinhos. Vamos para a frente. Vamos fazer O NOSSO SEMINÁRIO onde podemos, na Quinta de São Lourenço, no Cais Novo, em Darque, donde se calhar, nunca devíamos ter pensado em sair. Ou noutro lugar».
Por certo, o Espírito Santo daria um sinal, razão por que, na oitava e última reunião do Colégio de Consultores, realizada em 28 de Janeiro de 1982, o terá invocado a pedir o auxílio na remoção dos «obstáculos que têm surgido à volta desta nossa carência».
A predição
Até à entrada do novo bispo de Viana do Castelo, D. Júlio permaneceu à frente dos destinos da Diocese como administrador apostólico, com poderes de bispo residencial, mesmo depois de ter tomado posse do episcopado portuense, em 2 de Maio de 1982.
Durante a administração apostólica, a questão da localização do Seminário Diocesano foi debatida na nona reunião do Conselho Presbiteral, realizada em 1 de Março, e retomada, em 27 de Maio, na reunião do Colégio de Consultores.
Na missa crismal de Quinta-feira Santa, em 8 de Abril, D. Júlio dirigiu-se aos sacerdotes para lhes dizer que «não queria senão que a minha melhor herança para o meu sucessor fôsseis vós. Nem obras, nem nada. Vós! Amai a vossa diocese-menina. Mais que qualquer outra ela necessita da vossa unidade, da vossa espiritualidade sacerdotal, da vossa doação».
Presente na tomada de posse do seu sucessor D. Armindo Lopes Coelho, em 8 de Dezembro de 1982, o primeiro bispo de Viana do Castelo vaticinou que, «mais tarde, quando tudo puder ser visto à distância das medidas exactas e a história tiver tempo de se fazer, creio bem que há-de apontar-se o segundo Bispo de Viana como o que pontificou a Diocese com as estruturas, os investimentos e os quadros necessários para a renovação da Igreja, com o Seminário, a Cultura Católica e o planeamento mais aprofundado e melhor sistematizado da acção pastoral».
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