Ver alguém que é próximo a morrer "não é fácil". Está tudo à flor da pele e não há nada mais importante do que a pessoa e, por isso, resta prestar os cuidados necessários para que possa viver os seus últimos de vida com dignidade e, acima de tudo, rodeada de amor. Os dois testemunhos, em anonimato, são exemplo disto mesmo.
Notícias de Viana (NdV): De que forma acompanhou os últimos momentos de vida do seu familiar/amigo?
Anónimo 1 (A1): É difícil exprimir o que vivenciei nos últimos 10 meses de vida da minha mãe. Durante esse período, estava tão concentrado em dar-lhe as melhores condições de vida, mesmo ao nível do apoio psicológico, porque também ela sabia o que ia acontecer, apoio higiénico, etc.. Concentrei-me tanto nela que me desgastei muito física e psicologicamente e, apesar de saber o que ia acabar por acontecer, não me preparei como queria para o fim. No fundo, eu, o meu pai e a minha irmã, estivemos sempre junto dela a dar-lhe todo o apoio que conseguíamos dar e a apoiar-nos uns aos outros, sendo que cada dia tínhamos uma experiência nova, o que nos obrigava a constantes adaptações.
Anónimo 2 (A2): Em primeiro lugar, procurei manter a serenidade e racionalidade necessárias nestes momentos. Depois, procurei estar o mais presente possível dentro daquilo que estava ao meu alcance, claro. Tinha a consciência de que não havia muito a fazer, apenas a presença, em primeiro lugar, junto da doente e, em segundo lugar, junto daqueles que comigo partilhavam esse momento. Às vezes, a presença, mesmo sem grandes gestos e palavras é suficiente. Estou convencido de, que para mim e para a doente, a presença foi fundamental para esses últimos momentos de vida.
(NdV): Em todo o processo, alguma vez colocou em causa a sua fé?
(A1): Como disse, durante este processo praticamente não tive tempo para refletir. Estava ligado à ficha durante 24 horas. Não tinha tempo para mim; era só ela. Mas, a pensar a frio, posso dizer que sim, perdi muita da minha fé.
(A2): Não, muito pelo contrário; a fé pode ajudar muito nessas situações, no meu ponto de vista. Cada um é como é e devemos respeitar isso, mas posso dizer com certeza que, no meu caso, a fé foi fundamental para ajudar a ultrapassar todos esses momentos e, por isso, nunca duvidei nem coloquei em causa a minha fé; foi um bom suporte! (NdV): A eutanásia é um tema que está cada vez mais a ser discutido em Portugal. Alguma vez pensou nessa possibilidade ao ver o seu familiar/amigo às portas da morte? Porquê? (A1): Uma vez que essa opção nem era hipótese, nunca pensámos nesse assunto. Atualmente, com esse assunto a ser muito discutido e perante o que presenciei, mudei a minha opinião. Se antes era contra, agora sou da opinião de ser válida para quem a quiser usar, porque é muito difícil ser “o doente” na fase final da vida. Ele, para além de estar limitado fisicamente e que precisa de todo o apoio físico, ele, psicologicamente, sente tudo. Sente que o fim está próximo, sente-se impotente, sente que está a destruir quem o rodeia, mesmo que quem esteja à volta tente parecer o contrário. No fundo, existe uma autodestruição interior que acaba com o doente muito antes de ele morrer. Quem o cuida, seja família ou enfermeiro, o doente apenas caminha junto a ele até ao precipício, que cada vez vemos mais perto. (A2): Não, nem me ocorreu isso. Talvez, no meu caso, isso não se colocasse pelo estado clínico apresentado pelos profissionais de saúde. Aceitei tudo com serenidade e confiei, simplesmente. Foi um processo muito rápido e, apesar de ser um leigo na matéria, penso que essa hipótese, neste caso em particular, nunca se iria colocar.
(NdV): A Igreja defende os cuidados paliativos como “alternativa” à morte assistida. Qual a sua opinião?
(A1): Os cuidados paliativos são muito importantes, mas para quem está nessa situação, é complicado. Na perspetiva do doente, é quase como a família o abandonar, é tratado por pessoas que não lhe são próximas. Quando sabemos que caminhamos para o fim, é muito mais importante o doente sentir a nossa presença junto dele do que um “estranho” lhe mudar a fralda.
(A2): É um tema muito complexo e que requer de todos uma reflexão profunda. Não tenho, neste momento, conhecimentos científicos que me levem a fundamentar uma opinião sobre a morte assistida. É um assunto muito delicado que esbarra em inúmeras situações particulares. A defesa da vida deveria ser a bandeira de qualquer sociedade e, neste sentido, os cuidados paliativos são a “alternativa” à morte assistida.
(NdV): Após a morte do seu familiar/ amigo, como encarou o luto?
(A1): Após a morte, foi o explodir das emoções. Primeiro pela morte em si, visto que, a partir daquele momento, sabemos que nunca mais vamos ter contacto físico com a pessoa, e depois o acumular das emoções dos 10 meses anteriores à morte. Os primeiros dias foi secar as lágrimas, recuperar fisicamente face ao desgaste que tivemos, e depois foi dar tempo ao tempo para recuperar psicologicamente. Passados dois anos, ainda é uma ferida parcialmente cicatrizada. Sempre que me acontece alguma coisa boa ou má na vida pensamos sempre nela. Somos uma família muito próxima uns dos outros e os três conseguimos apoiar-nos uns aos outros, e depois com os “outsiders” que eram a minha companheira e o meu cunhado que, sem se aperceberem, tiveram um papel muito importante, pois eram eles que olhavam mais por nós do que nós mesmos. (A2): A fé ajudou muito. No meu entender, a dor fica mais amena quando a olhamos com os olhos da fé. Perceber que não acaba ali e que a vida continua, numa outra dimensão, claro, ajuda a ultrapassar os momentos de luto, de dor, de despedida física de um ente querido. Isto não quer dizer que não haja dor, sensação de perda, tristeza pela separação física.
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