Andava eu na primeira classe da Escola Primária (chamava-se assim), quando o meu irmão Carlos (que estava na terceira classe), sofreu um acidente: um camião abalroou-o, partiu-lhe o cérebro, o que fez com que o menino perdesse massa do encéfalo e ficasse semanas em coma. A nossa família sentia-se a mais pobre do mundo, não apenas materialmente – ficámos sem nada (até os bezerros que os meus pais tinham foram vendidos para fazer face às despesas que enfrentámos) – mas, sobretudo, porque os médicos e a medicina retiraram toda a esperança aos meus pais: provavelmente não haveria hipóteses de sobrevivência e, caso sobrevivesse, o menino, outrora cheio de vida, teria a existência de um vegetal… Este acontecimento marcou a minha infância: de um momento para o outro vi-me irmão de um menino que estava vivo… ainda, e de quem não pude despedir-me nem tampouco podia ver, já que agora morava no S. João do Porto, aquela terra tão longe para onde os meus pais iam todos os dias e de onde regressavam quase sempre a chorar.
Foi neste contexto que me fui aproximando dos braços abertos da majestosa imagem do Sagrado Coração de Jesus que está na nossa igreja, na Paróquia de S. Martinho de Friastelas. Os braços carinhosos que acolhiam quem entrava naquela igreja tão grande seriam possivelmente a imagem que eu tantas vezes sentia na minha imaginação de criança: o Carlos a voltar do Porto e a abraçar-nos! Mas eram também o aconchego do Amigo dos pequeninos que me abraçava e dizia, mesmo sem eu perceber: “vinde a Mim, todos os que andais cansados e oprimidos, e eu vos aliviarei”. Creio que foi o início da amizade com o Coração Misericordioso de Jesus, a quem a minha avó suplicava chorando “aquele a quem amais está doente”! Os anos foram passando e, enquanto a minha mãe ornava o altar mor (onde estava a acolhedora imagem do Sagrado Coração) eu fui cimentando a amizade com o “Vizinho”, pois entre a minha casa e a igreja paroquial estava apenas a casa da minha avó e mais outra. Senti-me sempre acolhido por aqueles braços e gostava de ter uma imagem que retratasse esse abraço em minha casa. Já crescido e no Seminário, falei à minha mãe dessa vontade de possuir uma réplica da imagem sagrada, ao que a sapiente mãe respondeu: “um dia serás padre e terás muitas imagens assim!”
No verão passado, no final do “ano diocesano do acolhimento”, a Igreja, por meio de um e-mail de D. Anacleto, nosso Bispo, convidou-me a ser Diretor Diocesano da Rede Mundial de Oração do Papa, com o encargo de dinamizar o Apostolado da Oração na Diocese, promover encontros formativos, visitar os Centros, ajudar os Párocos e suas equipas no que os Centros necessitarem.
Nos dias depois de ter recebido a correspondência eletrónica do Sr. Bispo, fui-me questionando:
– em ano de afastamento provocado pela pandemia, será que Cristo está a dizer que é necessário abraçar, mesmo que seja de um outro modo?
– em tempo de isolamento, será que o Nazareno quer que proclamemos com toda a alma que nunca estamos sós?
– em tempo de trevas e nevoeiro, o Mestre quer fazer-nos discípulos Missionários para levarmos ao mundo a notícia de que “a Deus nada é impossível”?
– em tempo de peste como em 1918, o Coração de Deus quer que proclamemos que a Vida triunfa quando Cristo reina?
– em tempo de crises, será preciso incentivar as intenções de oração do Papa, mostrando que “as alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos homens de hoje, sobretudo dos pobres e de todos aqueles que sofrem, são também as alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos discípulos de Cristo; e não há realidade alguma verdadeiramente humana que não encontre eco no seu coração” (GS 1)?
Certamente que as perguntas têm uma resposta afirmativa! E depois de uma luta inspirada no episódio bíblico de Jacob e o Anjo, também o coração me levou a dar uma resposta afirmativa ao convite do meu Bispo! Tenho consciência de que a missão é imensa e de que não me sinto minimamente preparado nem digno desta missão!
Mas esta é a missão de todos os membros que fazem parte da Rede Mundial de Oração do Papa: ser o abraço de Deus à humanidade que sofre e luta contra a pandemia que se instalou no planeta. O modo mais excelso do abraço é através do apostolado da oração: em cada mês, o Santo Padre convida a que unamos a nossa vida a uma multidão incontável de irmãos. E, neste segundo mês do ano, o Papa Francisco pede que se reze pelos milhões de mulheres que sofrem diariamente “violência psicológica, violência verbal, violência física, violência sexual”. Oremos pelas vítimas, “para que sejam protegidas pela sociedade e o seu sofrimento seja considerado e escutado por todos”.
Encontramo-nos no sítio do costume: o Coração do Misericordioso Jesus.
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