Novos ventos

Carlos Costa
14 Out. 2024 4 mins
Carlos Costa

Ao longo de 400 anos, apenas 1 instrumento musical foi admitido nas liturgias da Igreja Católica: o Órgão de Tubos. Com efeito, desde o Concílio de Milão (1565) que autorizou o uso de Órgão nas Igrejas, até ao Concílio Vaticano II (1962) que admitiu o uso de outros instrumentos nas celebrações, o Órgão de Tubos ocupou lugar singular e de destaque na Liturgia Cristã. Era, e é, tão fundamental que, tal como refere o Padre José Aldazábal, mesmo “silenciado, ele realiza uma das suas funções: no Advento, pede-se que o seu uso seja moderado, e na Quaresma, (…) que só soem enquanto se prestem para acompanhar ou sustentar o canto. O silêncio do seu som festivo sublinha assim o carácter de recolhimento que estes tempos têm como preparação de uma grande festividade.”

Fatalidade do destino, a larga maioria dos Órgãos construídos em Portugal desde 1565, permanece atualmente no silêncio. Não como forma de convite ao recolhimento e preparação de uma grande festividade, mas porque, de facto, a complexidade da sua manutenção e a banalização de outros instrumentos de teclas, fizeram com que não fosse possível a sua manutenção, conservação e uso.

Na Diocese de Viana do Castelo, existem cerca de 50 Órgãos de Tubos, sendo que mais de 80% permanecem mudos e/ou mesmo esventrados. Pelas várias paróquias por onde vou passando, são comuns os relatos de tempos não muito distantes, em que as crianças, no final das eucaristias, brincavam nos adros das Igrejas, apitando e assobiando com os tubos destes instrumentos, então obsoletos. A valorização comercial do metal e o seu saque em determinados períodos de carência, completou o trabalho de destruição e do seu desaparecimento. Sem certezas, arriscaria mesmo afirmar que, no final do século XX nenhum dos Órgãos de Tubos da nossa Diocese estava em funcionamento.

Felizmente, o século XXI trouxe, literalmente, ventos de mudança. Pouco a pouco – pois os elevados encargos associados a tal o obrigam – começaram os antigos foles e os novos motores agora introduzidos, a emanar novos ventos que fazem renascer alguns destes instrumentos. O Órgão ganhou uma nova dinâmica – deixou de ser apenas instrumento de apoio à liturgia e passou a ser elemento essencial à dinâmica da fé e à fruição cultural. Pasme-se, a título de exemplo, a Igreja dos Clérigos, no Porto, celebrou este ano o concerto de Órgão número 3.500 desde 2014, ano do restauro dos seus 2 Órgãos, concretizando praticamente 1 concerto por dia, sempre repleto de fiéis, mais ou menos praticantes. A família Cristã, mas também a população em geral, valorizam e anseiam pela refuncionalização e reutilização deste tipo de instrumentos.

De facto, depois de recuperado, um órgão de tubos necessita de ser utilizado frequentemente. Os materiais com que são construídos necessitam de movimento. Parados e arrumados, quase que como por desgosto, acabam por sucumbir e silenciar. É, pois, neste contexto, que quero destacar o Ciclo de Órgão de Viana do Castelo, que celebra este ano a sua 4ª edição. Este evento reveste-se de enorme importância, por vários motivos: é, possivelmente, o maior evento cultural promovido pela Diocese de Viana do Castelo; promove e valoriza um património que urge ser preservado; confere a tal dinâmica de uso, fulcral à regular conservação dos instrumentos já restaurados; e é essencial para a sensibilização daqueles que podem e devem ter poder de decisão na recuperação deste tipo de património histórico-artístico. Entre 20 de outubro e 24 de novembro, teremos a oportunidade de apreciar a sonoridade dos Órgãos de Tubos de Viana do Castelo, sendo que nesta edição se valorizará o confronto com instrumentos de sonoridades aparentemente distantes, como sejam o acordeão, o bandolim ou as gaitas de foles.

O Órgão de Tubos é o instrumento de teclado mais antigo (remonta ao século III a.C) e é considerado o instrumento musical mais complexo de todos. Foi, durante séculos, a máquina mais avançada, inventada pelo Homem. Elogio pois, o Secretariado de Liturgia da nossa Diocese, por valorizar, ajudar a recuperar e dar uso a este nosso património histórico e artístico.

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