O Santuário de Nossa Senhora da Paz, localizado no lugar do Barral, Paróquia de Vila Chã, S. João Baptista, Arciprestado de Ponte da Barca, é um espaço religioso que nasceu com base nas aparições ali ocorridas e ao pedido que Nossa Senhora fez a 10 e 11 de maio de 1917 a um menino, pastor, de nome Severino Alves, a quem deixou a seguinte mensagem: “Diz aos pastores do monte que rezem sempre o terço; que os homens e mulheres rezem o terço e cantem a Estrela do Céu. E os pais e as mães que têm os filhos lá fora [na guerra] que rezem o Terço, cantem a ‘Estrela do Céu’ na Igreja e se apeguem comigo, que hei-de acudir ao mundo e aplacar a guerra”.
A Capela de Nossa Senhora da Paz foi a primeira edificação deste Santuário, benzida a 15 de setembro de 1969 no local das aparições de 1917 e, desde então, o restante espaço do Santuário foi sendo construído e aumentado, em resposta ao aumento do número de peregrinos. Nesse sentido, seguiu-se a Cripta, benzida e inaugurada a 2 de maio de 1971, cujo ex-libris é o enorme bloco de pedra cristal quartzo sob o altar, único em toda a Península Ibérica e talvez na Europa, com cerca de 3 toneladas, digno de uma visita. Em 1982, no dia da festa a 30 de maio, foi inaugurado o Museu-Biblioteca do Quartzo, que contém uma grande coleção de cristais de quartzo de Portugal e do estrangeiro, em grande variedade e beleza, cristais, esses, que também servem de decoração dos espaços de culto do Santuário; por fim, a 29 de maio de 1988, foi inaugurada e benzida a Igreja do Imaculado Coração de Maria. O Santuário ainda contém um monumento ao Sagrado Coração de Jesus com 4 metros de altura, e um monumento ao Anjo de Portugal, por ser o Anjo da Paz, em granito branco, com 3 metros de altura. De todo este complexo, foi promotor um filho da terra, o ilustre Cón. Dr. Avelino de Jesus da Costa.
O Santuário de Nossa Senhora da Paz é local de peregrinação, espaço de oração, silêncio, meditação, contemplação, escuta da Palavra de Deus, de evangelização e celebração dos Sacramentos, inserido na natureza envolvente, que lhe dá uma beleza natural e ajuda à oração, aliado às atividades lúdicas de bem-estar, bom para toda a família, para o convívio e para a partilha. O acolhimento dos peregrinos e visitantes é também elemento fundamental da missão deste Santuário Mariano, o qual conta com o apoio da Confraria e de diversos voluntários da Paróquia deste mesmo Santuário.
Notícias de Viana (NV): Para quem não conhece, o que aconteceu no Barral entre 10 e 11 de maio de 1917?
Pe. Moisés Correia (PMC): O Santuário de Nossa Senhora da Paz tem a sua génese com base em duas aparições de Nossa Senhora, ocorridas nos dias 10 e 11 de maio de 1917 (precisamente três e dois dias antes das aparições que haveriam de ocorrer na Cova da Iria) a um menino muito pobre, analfabeto (como aliás era a maior parte da população na época), um pastorinho, que se chamava Severino Alves. Esse menino, de apenas 10 anos de idade, tinha acabado de ficar órfão de pai há apenas 6 meses e vivia com a sua mãe e mais seis irmãos. A sua tarefa diária para ajudar a mãe, era ir para os montes com as ovelhas. Durante a sua jornada de trabalho, o menino rezava o Terço, aplicando metade em honra de Nossa Senhora e outra metade pela alma do seu falecido pai, como afirmava nos seus testemunhos.
Ora aconteceu que no dia 10 de maio de 1917, o pequeno pastorinho iniciou o dia com a mesma rotina de sempre e, ao ir a caminho para soltar as ovelhas, pelas 8 horas da manhã, perto da ermida de Santa Marinha (o local onde se situam atualmente a Cripta e a Capelinha do Santuário) foi surpreendido por uma espécie de relâmpago, um clarão forte e brilhante, de tal modo que o menino ficou com medo, assustado, tendo caído até. Quando se levantou, avistou uma Senhora de aspeto brilhante, cheia de luz e esplendor, com um rosto lindo como nenhum outro, sentada numa ramada de videiras, vestida de branco com um manto azul a cobrir-lhe a cabeça, e tendo as mãos postas em cima do colo com o dedo indicador da mão direita destacado em direção de certo lugar.
Nessa primeira aparição não aconteceu nenhum diálogo, pois o menino, assustado e com medo com o que via, apenas exclamou “Jesus Cristo!”. E não voltou a ver a Senhora. O menino, nesse dia, foi falar com o Pároco sobre o que viu, e o Pároco aconselhou-o a, no dia seguinte, ao passar pelo mesmo local, se voltasse a ver a mesma coisa, que dissesse: “Quem não falou ontem, que fale hoje!” E assim foi: no dia seguinte, 11 de maio de 1917, nova jornada de trabalho, e novamente pelas 8 horas da manhã, ao passar no mesmo local, nova visão. O pastorinho Severino Alves cai por terra, de joelhos, e diz-lhe o que o seu Pároco lhe havia aconselhado no dia anterior: “Quem não falou ontem, que fale hoje!”. Então, a aparição diz-lhe aquela que é a grande e principal mensagem de Nossa Senhora da Paz: “Não te assustes! Sou eu, Menino!” E continuou: “Diz aos pastores do monte que rezem sempre o Terço, que os homens e as mulheres rezem o Terço e cantem a ‘Estrela do Céu’. E os pais e as mães que têm os filhos lá fora [na guerra] que rezem o Terço, cantem a ‘Estrela do Céu’ na Igreja e se apeguem Comigo, que hei-de acudir ao mundo e aplacar a guerra”. E o menino respondeu prontamente “Sim senhora!”, como quem diz que vai obedecer cegamente ao que lhe era pedido.
Depois a visão, olhando para o lado, apreciou a beleza da ramada e dos gomos acrescentando: “Que gomos tão lindos! Que cachos tão bonitos!” O menino olhou para o lado para ver, e quando se voltou, a aparição já tinha desaparecido. E naquele mesmo dia, o menino correu feliz a espalhar por toda a aldeia o sucedido, e a divulgar a todos a mensagem/pedido que Nossa Senhora tinha feito.
A notícia espalhou-se, de boca em boca, de tal modo que, dali a uma semana, dia 17 de maio de 1917, quinta-feira da Ascensão, já eram centenas os devotos e peregrinos que acorriam ao local da aparição; levavam dali terra, de maneira que foi preciso construir uma cerca em madeira para impedir que os devotos continuassem a levar terra.
Esse acontecimento atraiu, depois, peregrinos aos milhares: o primeiro grande impulsionador foi o Dr. Sebastião Pereira de Vasconcelos, advogado no Porto, da família Pestana, do Porto, e sobrinho do Bispo de Beja. Ele tinha ligação a Ponte da Barca porque a sua esposa pertencia à família da Casa das Ínsuas, em Vade, S. Tomé. Certo Domingo de maio veio almoçar à casa dos sogros, e logo lhe falaram dos acontecimentos extraordinários que tinham acabado de acontecer no Barral. Interessou-se imediatamente pelo caso e, no dia 2 de junho de 1917, deslocou-se ao Barral para inquirir pessoalmente o pequeno pastor.
Recolhidas informações desse encontro, que ele chamou de sua “primeira peregrinação”, deu corpo a dois artigos sobre o acontecimento que vieram publicados em dois jornais católicos do Porto, no dia 9 de junho de 1917, nos jornais “A Ordem” e “Liberdade”, páginas essas que estão atualmente expostas num painel de azulejos na Cripta do Santuário de Nossa Senhora da Paz. Essa notícia foi citada no dia seguinte pelo jornal bracarense “Echos do Minho”, e grande parte da imprensa católica em Portugal acabou por fazer outro tanto, para além de outros artigos, em julho. Antes mesmo de vir a público a primeira notícia sobre as aparições de Fátima, que só aconteceu a 24 de julho no jornal “O Século”, isto deu uma certa repercussão, na época, às aparições no Barral, e levou até o Arcebispo de Braga, D. Manuel Vieira de Matos, a nomear uma “Comissão de graves e conceituados teólogos”, que foi ao local a 20 de julho de 1917, a fim de recolher elementos para o processo canónico que chegou a abrir.
NV: Qual a principal mensagem das aparições de Nossa Senhora da Paz?
PMC: Da mensagem que Nossa Senhora da Paz nos deixou, e que acabei de expor na pergunta anterior, podemos tirar três mensagens ou conclusões: a primeira é exatamente a mesma que foi pedida por Nossa Senhora aos pastorinhos em Fátima, dali a dois dias, mas por outras palavras: o pedido da oração diária do Terço, como oração privilegiada da Igreja, de todo o povo de Deus, nomeadamente das famílias, como pequenas Igrejas Domésticas que o são; o Terço, como meio de contemplação dos mistérios da Redenção operada por Jesus Cristo e de comunhão com o Seu Evangelho; o Terço, como meio de alcançar graças provenientes de Deus por intermédio e auxílio da Sua Mãe e nossa Mãe. O pedido que Nossa Senhora faz “aos pastores do monte”, “aos homens e às mulheres”, “aos pais e às mães que têm os filhos lá fora”, é elucidativo disso mesmo: o Terço é a oração bela e simples do povo de Deus, a oração recomendada pelos Papas, a oração preferida, como dizia S. João Paulo II, e que deve ser rezado em todas as horas, momentos e lugares.
A segunda conclusão é a confiança total no cuidado maternal de Maria como aquela que não falha como Mãe, e que está sempre ao lado dos que sofrem, solidária com os vários sofrimentos da humanidade (como o atual, da pandemia). No pedido “se apeguem Comigo”, Maria pede a devoção terna a ela, como aquela que, recebendo o mandato do Filho na Cruz, “Mulher, eis o teu filho”, cumpre fielmente a sua missão de “Mãe da Igreja”, e por isso podemos entregar-nos com total confiança a ela.
A terceira conclusão, é o pedido para ser cantada a “Estrela do Céu” “por homens e mulheres na Igreja, por pais e mães que têm os filhos lá fora”. Esta oração que se reza atualmente neste Santuário no final de cada Terço, e que muitos a sabem de cor, é uma oração muito antiga, possivelmente da Idade Média, e é um clamor do povo de Deus e de confiança em Maria contra a peste e a morte repentina, para pedir proteção quando havia alguma calamidade ou guerra. É preciso contextualizar a época: estávamos em plena Primeira Guerra Mundial, e homens portugueses combatiam nas trincheiras em França. Aquando das aparições em 1917, era uma oração que estava praticamente caída no esquecimento. Já quase ninguém se lembrava dela. Nem o próprio Pároco da altura, que, quando a ouviu rezar (milagrosamente) ao pastorinho, que era analfabeto e não conhecia essa oração de lado nenhum, disse que se lembrava de a rezarem na sua infância, mas ele próprio não a sabia! Foi preciso recorrer aos préstimos de uma senhora já de idade avançada que a recitou como sabia, pois mais ninguém sabia essa oração na totalidade.
O que foi milagroso, foi o facto de o pastorinho ser analfabeto, não conhecer a oração, ninguém lha ter ensinado, e repentinamente ter passado a rezá-la como se a conhecesse há muito tempo! E aqui, o povo verificou que o pastorinho Severino Alves não estava a faltar à verdade.
NV: Como tem desenvolvido a devoção a Nossa Senhora da Paz?
PMC: No tempo do Sr. Cónego Dr. Avelino de Jesus da Costa, natural do Barral, e grande promotor do crescimento e desenvolvimento da devoção a Nossa Senhora da Paz e dos espaços que fazem hoje o Santuário, desde 1967, o desenvolvimento da devoção era feito praticamente de boca a boca e por telefone. Isto é, aproveitava os seus grandes conhecimentos, contactos e amigos que possuía um pouco por todo o país, como Professor Catedrático em Coimbra e investigador de História, e para cada peregrinação (que acontece no último fim-de-semana de maio), telefonava ou deslocava-se aos vários pontos do país (Porto, Braga, Póvoa de Varzim, Coimbra…) e arranjava, e até “obrigava”, a organizarem autocarros de peregrinos para o Barral!
Nos anos 70 e 80, na peregrinação, chegaram a estar estacionados no Barral mais de uma centena de autocarros, para além de outros automóveis privados! Chegou-se a ter cerca de 10 mil peregrinos, ou mais, na peregrinação! Os habitantes do Barral davam até, nalguns casos, hospedagem aos peregrinos de longe. Era uma festa! Na época peregrinavam muito só para a festa no último fim-de-semana de maio, e depois, o resto de ano, pouco mais…
Atualmente é diferente: o peregrino visita o Santuário ao longo de todo o ano, e não tanto na festa do último fim-de-semana de maio, como antigamente, embora continue a ser o dia que mais gente mete. A título de exemplo, só no ano de 2019, peregrinaram ao Santuário cerca de 10 mil peregrinos, isto pelos registos no Livro de Visitas, porque devem ser mais, e ainda sem contar os que vieram no dia da festa no último fim-de-semana de maio.
Desde 2014, no início do triénio preparatório para o Centenário das Aparições, a Confraria, com o apoio do Município, apostou muito forte na divulgação, através da internet, na construção do site www.santuariosenhoradapaz.pt e de uma página na rede social Facebook; em várias reportagens dos canais generalistas (RTP, SIC, TVI) principalmente no ano do centenário das aparições; na publicação do Livro da autoria do Prof. Luís Arezes “Centenário das Aparições no Barral”, que está à venda no Santuário; Conferências de Imprensa…
Hoje nota-se um maior número de visitantes e peregrinos, principalmente aos fins-de-semana da Primavera, do Verão e do Outono, alguns em autocarro, muitos em carro particular. Aos Domingos, principalmente, há sempre movimento. A todos peço que divulguem a outros nas suas terras o que viram e conheceram e os tragam. Como não sabemos quando o peregrino vem, o Santuário oferece alguns atos de culto, que são divulgados na internet, para que, se for o caso, algum peregrino estiver pelo Santuário e o deseje, possa recitar o Terço ou participar na Eucaristia, por exemplo.
No mês de maio, celebra-se o Mês de Maria com a recitação diária do Terço às 19h00, e a Eucaristia Dominical às 15h30, sendo o Terço, nesse dia, às 15h00. Na proximidade da festa, há novena preparatória com a recitação do Terço às 19h00 e Eucaristia às 19h30. No dia 11 de maio, aniversário da aparição, há Eucaristia Solene. Nos restantes meses do ano, recita-se o Terço todos os Domingos às 15h00 e a Eucaristia é no último Domingo de cada mês, às 15h30 (sendo que na véspera à noite, há bênção das velas e recitação do Terço), e todas as terças-feiras às 18h00. Isto, para além do atendimento no Sacramento da Reconciliação. Destacam-se também as solenidades de Nossa Senhora, como o dia 1 de janeiro, o dia 15 de agosto, o dia 8 de dezembro, em que há recitação do Terço e Eucaristia. Depois, é importante referir que contratámos uma pessoa para cuidar dos espaços do Santuário e atender os peregrinos durante a semana e, aos Domingos, estão voluntários da Confraria para atender os peregrinos que chegam. Para esse efeito, o Santuário tem criado, conforme possível, condições para os peregrinos, como a construção de um bar de apoio e de parques de merendas.
NV: Como viveram a peregrinação deste ano?
PMC: Devido à pandemia e ao confinamento, houve uma natural quebra de visitantes e peregrinos em 2020. Neste ano de 2021, já se nota um lento regresso ao normal, uma maior afluência de peregrinos, mas ainda não como antes. No cumprimento de todas as normas da DGS, retomámos todas as atividades religiosas como costuma ser de agenda neste Santuário, apelando aos peregrinos para cá virem sem receio e no estrito cumprimento de todas as normas da DGS.
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