Natal era uma época mágica. Uma época delimitada no tempo. Natal era Dezembro.
No princípio do mês, comprávamos os cartões que iríamos enviar aos amigos e a quem devíamos algumas deferências. Recebíamos todos os dias pequenos envelopes (o selo era mais barato) com um cartãozinho lá dentro a desejar-nos Boas Festas. Eram expostos num lugar de destaque.
Mais para o meio do mês, tratava-se das decorações da casa e pensava-se nas prendas, se eram compradas, e nas sobremesas.
Quando era pequena, ansiava pelo começo das férias para ir ver as iluminações ao Porto, ir ao cinema (inesquecível aquele Natal em que vi Fantasia, de Walt Disney) e ia lanchar à Império ou à Confeitaria do Bolhão. No Porto, na semana do Natal, as lojas abriam duas ou três vezes à noite. Um deslumbre!
Agora, dizem-me que o Natal começa em Novembro (na Venezuela foi em Outubro…). Quando chegarmos a dia 24 de Dezembro, já estamos todos estafados – Menino Jesus, Pai Natal, renas, trenós, crianças e pais. Dizem que beneficia o comércio local. Pois, será. Não sou perita no assunto, mas posso dar a minha opinião sobre o que o protegeria todo o ano e não só agora “com a animação musical de rua”.
Estamos a ir para o tempo frio. Entra-se em algumas lojas, com as portas bem escancaradas desde a abertura, e somos atendidos por uma menina/senhora encasacada, mãos enregeladas, com ar triste, muitas vezes. Está animada? Não. O cliente vai ficar animado com a música de rua que enche os ouvidos da pobre senhora/menina todo o santo dia? Não. Vai ficar com mais frio. Na rua, está melhor e mais quente. A animação da rua ajuda? Nada. A porta da loja encostada, um ambiente acolhedor, um calorzinho, isso sim, com toda a certeza. Só muito esporadicamente frequento um centro comercial, mas é mais quentinho…
Uma vendedora simpática, que o é na grande maioria dos casos, bem formada, sabendo, minimamente, dar informações sobre o produto que vende, sem dizer várias vezes “você”, ajuda mais que a animação de rua? Claro que sim.
Parece que vem aí uma “epidemia” digital. Já li sobre o assunto, mas varreu-se-me. Tudo digital, tudo chic, chic, tudo modernaço. Vai incrementar as compras no comércio local? Duvido. Serei antiquada? E onde ficam as poucas lojinhas, bem tradicionais, que ainda existem, com proprietários já de certa idade? Digitalizam-se… As vilas, cidades, para atraírem turistas têm de ter alguma coisa de diferente. Não podem ter as mesmas lojas, com as mesmas marcas. Têm de ter uma mercearia com armários ainda antigos, uma loja de artesanato genuíno, brinquedos de madeira e de lata, caixinhas. Uma farmácia com os seus balcões de madeiras bem sólida, os seus boiões, onde já vai. Uma confeitaria bem sortida, bem decorada, cheia de bules e pratinhos de doces, ainda temos; um café sem correntes de ar, um luminho a crepitar, também temos (por favor, não estraguem o Girassol!). Uma loja onde se vai comprar chocolates, se conversa com o proprietário, se olha o preço do bacalhau vendido “à peça”, as garrafas de Porto e outras bebidas, ainda se encontra. Bairro digital, lembrei-me agora do nome, parece que foi carote, como diria Eça, mas vai, certamente, ter muito retorno… não sendo mais, para quem teve a ideia…
Até Janeiro, ao fim do dia, em várias sessões, temos luzes bonitas e feéricas, música natalícia altíssima (essa sim, fomenta o comércio local de … aparelhos auditivos) e, no fim, uma corrida às instalações sanitárias dos cafés mais próximos. Como, entretanto, o comércio de rua encerrou e está frio, correm para o … centro comercial.
Natal é quando um homem quiser, mas em Novembro, é demasiado.
SUGESTÕES:
Ler – Ladainha dos póstumos natais, David Mourão Ferreira
Natal … natais, antologia de Vasco Graça Moura
Ver/visitar – (para quem organiza esta animação de rua) dois ou três mercados de Natal, numa cidade como Viana do Castelo, algures na Europa.
Ouvir – Luís Osório, Postal do dia, Antena 1
**(Escrito de acordo com a ortografia antiga)
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