Mons. Reis Ribeiro: “Precisamos de estar em Igreja para perceber, captar e acolher os caminhos de futuro”

Na edição 2000, o Notícias de Viana conversou com Mons. Reis Ribeiro, que foi uma das pessoas que lutou pela criação da Diocese de Viana do Castelo.  Hoje, com 87 anos, José Maria Costa Reis Ribeiro assegura que a Diocese é uma instituição que “corresponde às expectativas” daqueles que sonharam com ela. No entanto, considera que “ainda há muito para se fazer”: “abrir novos horizontes” e, ao mesmo tempo, “promover mais iniciativas e projetos” que dinamizem cada vez mais a Diocese “no sentido da humanização”.

João Basto
21 Out. 2021 13 mins
Mons. Reis Ribeiro: “Precisamos de estar em Igreja para perceber, captar e acolher os caminhos de futuro”

Notícias de Viana (NdV): Alvarães, Braga, Monção, Roma, Lisboa, Viana do Castelo. Qual destes lugares é o fundamental? Porquê? Mons. Reis Ribeiro (MRR): O lugar que mais me marcou foi todo o trabalho em Lisboa. Primeiramente, tive formação em Roma, mas Lisboa foi mais exigente com a Ação Católica, para a qual fui nomeado, sem qualquer experiência na área, para Assistente da Liga Universitária Católica (LUC), em que estavam incluídos médicos, engenheiros, professores, farmacêuticos, etc. Este trabalho exigiu mais valorização, conhecimento da realidade e uma maior responsabilidade, procurando ler os sinais que poderiam ser importantes para o amanhã. Nessa altura, o meu papel era de sensibilizar as pessoas para intervirem, prevenindo uma ou outra situação.

(NdV): De que modo todos estes lugares resumem a sua vida?(MRR): Em Alvarães, fiz a minha vida normal com a minha família. O meu pai esteve emigrado na Argentina com os meus irmãos. Mais tarde, regressaram a Portugal e, na altura da minha ordenação sacerdotal, participaram na celebração. Sempre colaborei com a Paróquia com algumas dificuldades, como é normal, porque era ainda muito novo e as estruturas não se adaptaram. Depois, fui para Roma. Foi uma altura importante da minha vida porque me abriu caminhos novos, embora tivesse desejado seguir um caminho mais social. Estudei filosofia e fiz um curso de um ano na área sócio-económica, que me ajudou muito no encontro com leigos e padres. Mais tarde, regressei. Esperava regressar a Roma para concluir os estudos, mas não consegui bolsa. Desta forma, apresentei-me em Braga e fui nomeado para o Colégio de Monção. Gostei, embora tenha sido um pouco difícil.Já com algum trabalho em mãos, fui chamado pelo Bispo D. Francisco para me apresentar na praia da Amorosa. Perguntou-me se poderia ser substituído e, pela segunda vez, disse-lhe que não há ninguém insubstituível. Nomeou-me para Lisboa. Quando lá cheguei, o ambiente era completamente estranho num nível geral, principalmente, na Ação Católica. Mas, nunca tive problemas maiores. Recordo-me que, quando entrei na LUC, a adaptação ao trabalho foi espantosa. Neste ramo, interessou-me sempre a área sócio-económica. Trabalhei imenso e realizei dois congressos nessa área. 

(NdV): Todo o seu percurso acompanha as grandes transformações que, quer a Igreja, quer Portugal, sofreram na 2ª metade do séc. XX. Desde o Vaticano II, passando pelo 25 de Abril e o PREC, sem esquecer a criação da nossa Diocese. Que leitura e balanço faz de todo este tempo? (MRR): Naquele tempo, sentia-se uma certa insegurança e ansiedade. Havia um esforço constante ao nível de sacerdotes, sobretudo dos mais novos, para serem capazes de ir ao encontro da mudança do mundo sem o deixar fugir. Esse trabalho foi extraordinário e teve uma grande importância, porque nos obrigou a uma atualização constante na maneira de pensar, agir e avaliar.

(NdV): O que aprendeu com os médicos, engenheiros, farmacêuticos, economistas, etc? Que reptos tal aprendizagem lança ao presente?(MRR): Aprendi a refletir sobre a riqueza da humanidade, inclusive dos mais necessitados, e a olhar os seus desafios. Hoje, temos a necessidade de olhar para a frente e procurar linhas de futuro, preparando um ambiente com perspetiva humana, segundo as várias exigências e objetivos. Ou seja, procurar contribuir para que a Igreja não fique atrasada, mas que tenha gente presente nessas áreas, refletindo e ponderando. Foi um trabalho em que aprendi a estar na linha da frente com outras pessoas para enfrentar a realidade. 

(NdV): Como podemos ler esses sinais dos tempos?(MRR): Estar atentos à realidade do mundo e aceitar as interrogações, percebendo se têm ou não fundamento. Quando se apresenta determinada perspetiva, temos de ver para além dela, para não estarmos a cortar, interromper ou adiar caminhos de vida, preparando-nos para enfrentar os seus desafios e apresentando respostas que sejam claras, inteligentes, comunitárias, para não pensarmos apenas num grupo, numa profissão ou região. Termos sempre todas as regiões presentes e irmos ao encontro das diferentes situações para ajudar a enfrentá-las e a perspetivar o futuro.

(NdV): Quais são essas perguntas e inquietações mais importantes, neste tempo?(MRR): Uma das questões é como realizar-se humanamente em liberdade, em solidariedade, e comunitariamente. Ou seja, como valorizar-se humanamente para ser capaz de enfrentar um mundo em mudança, enfrentando-o sem se afastar, mas procurando intervir. Os caminhos nem sempre são fáceis de enfrentar, porque nem sempre correspondem àqueles que idealizamos. Neste aspeto, ainda se questiona se a religião tem a ver com isto. Mas, claro que tem: porque é preciso analisar as capacidades e as necessidades humanas sem que estas sejam abafadas por outras como o egoísmo, mas que sejam alargadas a uma dimensão autenticamente humana de liberdade, solidariedade, presença ativa e de responsabilidade. Por exemplo, se hoje, os nossos dirigentes ouvissem mais aqueles que realmente trabalham no duro, alguns dos aspetos jurídicos iriam ser diferentes. É a estas coisas que devemos estar atentos. É difícil, mas não podemos parar. Portanto, precisamos de estar em Igreja para perceber, captar e acolher os caminhos de futuro que estão a anunciar, denunciando o que está mal e procurando caminhos novos que nos orientarão para o amanhã.

(NdV): Para quem sonhou e viveu a criação da Diocese de Viana do Castelo, olhando para trás, ela hoje corresponde às expectativas e aos projetos da altura? (MRR): Sempre me afirmei pela Diocese de Viana do Castelo. No Seminário Maior, em Braga, havia a “Colónia de Viana”, à qual eu pertencia, mas pouco participava nas reuniões porque gostava mais de jogar futebol (risos). No entanto, continuava muito atento a esses problemas todos, procurando alertar os outros para sermos uma presença sem conflitos, porque era perigoso. Fomo-nos afirmando com os nossos valores. Em Braga, pouca gente discutia comigo sobre o assunto, porque sabia que defendia a criação da Diocese e que ela fosse viva, atenta e voltada para o futuro. Era este o meu desejo e foi por isso que lutei e trabalhei. É verdade que depois da minha ordenação sacerdotal pouco tempo estive aqui, mas ainda passei por Monção e, mais tarde, em Lisboa, até à formação da Diocese. Hoje, a Diocese corresponde às nossas expectativas, mas uma pessoa ambiciona sempre mais. Caso contrário, parávamos. Pelo caminho que está a fazer, considero que está bem. Com certeza que não vai parar. Vamos abrir mais perspetivas e novos horizontes e, ao mesmo tempo, promover mais iniciativas e projetos para dinamizar cada vez mais a Diocese, no sentido da humanização. Ou seja, que a Diocese e a Igreja sejam anunciadoras e, quanto possível, testemunhas da elevação do mundo e da humanidade, sendo capazes de avançar constantemente para que a relação com Deus seja diária, para fazer a Sua vontade. E, ao mesmo tempo, pedir a Sua bênção e apoio.Precisamos de ser uma Igreja presente e ativa que valoriza os valores humanos numa relação com Deus, realizando o Seu projeto de amor, salvação e humanização.

(NdV): Normalmente, associa-se a atividade pastoral de um sacerdote a uma ou mais Paróquias. No seu caso, o percurso foi muito mais variado. De que modo é que isso assinala possibilidades de evangelização? (MRR): Se estivermos atentos, há desafios constantes para a mudança, mesmo quando parece estar tudo calmo. Se fizermos uma boa leitura, encontramos os sinais a despertar que nem sempre contribuem para abrir esse caminho. Por vezes, uma pessoa fora do ritmo tem leituras que ficam ao lado da nossa caminhada, mas continuam a ser importantes. A realidade vai crescendo e evoluindo sem uma presença ativa de luz e futuro. É nesse aspeto que considero que há um desafio enorme à presença dos grupos, jovens e adultos, para serem sinais e agentes de mudança, porque, por vezes, deixamos as coisas correrem, e o mundo corre numa linha diferente daquela da responsabilidade, solidariedade, fraternidade e justiça. Há tantos aspetos novos, que temos de estar atentos para que possamos ser também semeadores e despertadores dessa novidade.

(NdV): Como se viveu o clima conciliar nos tempos iniciais do seu ministério?(MRR): Em Igreja era muito difícil e, portanto, vivi esse problema em Braga, no Seminário. Depois, em Lisboa, foi ainda mais sério, mas, ao mesmo tempo, foram surgindo pequenos ambientes que apoiavam, mostrando que não estávamos sós e que devíamos continuar. Isto não só aconteceu em Lisboa, como em outras cidades.Recordo-me que, na altura de Nuno Abecassis e outros, foram inovadores na renovação da Igreja. Nos primeiros anos em que trabalhei na Ação Católica, em particular, conseguimos lançar ideias novas. Surgiam dificuldades no caminho, mas o grupo de engenheiros, médicos, economistas e farmacêuticos, cada um deles muito vivo e representado a nível intelectual nas suas missões, na medida do possível, trabalhava num apelo constante à novidade e inovação. A grande maioria estava alerta, inovando a sua mentalidade teológica pastoral e social e abrindo perspetivas para caminhar. 

(NdV): Em 1980, passa a ser o diretor do jornal “Notícias de Viana”. Como descreve o tempo em que o coordenou e com ele colaborou? O que mais o marcou?(MRR): Foi muito difícil. Se estivesse só com o jornal era uma coisa, mas não era assim. Fazia um esforço para colocar o jornal numa linha de humanização e de cristianização, afirmando os direitos e valores humanos. Isso era essencial para mim e para a sociedade de então, mas na altura era diferente. Isto significa situar, elevar ou afirmar esses valores que, para mim, eram essenciais como missão do jornal e tarefa da Igreja. Corríamos o risco de falar só em Cristo e cristianizar, mas, … e humanizar? Podemos anunciar verdades corretas sobre Deus, Jesus Cristo e religião, mas esquecemo-nos de toda a sua dimensão humanizante, não só terra a terra como também intelectualmente. Foi este o aspeto que procurei sempre seguir sem criar problemas na ordem social e económica, sendo crítico, mas, ao mesmo tempo, indo semeando ou lançando valores do Evangelho. 

(NdV): Como contribuiu o jornal para que isso se concretizasse?(MRR): O concretizar é que é o problema (risos). A gente tem que agir sem criar problemas e atritos, procurando construir uma linha de direitos e valores humanos, seguindo a Doutrina Social da Igreja. Aliás, na nossa vida temos que ter um olhar social para o mundo, para nós e para os outros, procurando caminhos de anúncio e de humanização desses valores humanos e sociais para uma vida humana.

(NdV): De onde vem a sua ligação com a comunicação social?(MRR): A ligação já vinha de Lisboa. Na altura em que era seminarista, havia uma página missionária no Diário do Minho, mas não me despertava muito a curiosidade. Como disse, gostava mais de desporto (risos), mas em Lisboa comecei por ter algum contacto. Fui para lá trabalhar com diplomatas católicos e depois, quando me despedi da LUC, fui trabalhar com o jornal do Patriarcado. O jornal “A voz da Verdade” era pequeno, mas consegui mudá-lo completamente, procurando dar destaque a pequenos acontecimentos, que passavam despercebidos. Foi precisamente por interesse social que procurei publicá-los. Este foi o meu trabalho inicial para o “Notícias de Viana”, criando outras mentalidades na área social. Ou seja, as notícias tinham que transmitir uma mensagem. Este era o meu grande propósito.

(NdV): No texto da primeira edição que dirigiu, expressou o desejo de que “o jornal deverá ser cada vez mais expressão de toda a Igreja Diocesana”. Como pode isso acontecer?(MRR): O jornal tinha de ser a voz do Bispo através do contributo de toda a equipa. Ou seja, com o seu compromisso diocesano. Além disso, procurei que todos os Arciprestados tivessem uma pessoa/correspondente para publicar notícias ao nível da Diocese, não só de Viana como também de Melgaço, de Valença, etc. Portanto, o jornal era um órgão da comunidade para a comunidade.

(NdV): Já quando deixou o jornal, agradeceu aos que “criticaram positiva e negativamente”, aos “que anunciaram” e aos que “se mantiveram indiferentes”, indicando, mais adiante, que “todos contribuam, pois há silêncios que falam mais que muitas palavras”. Que silêncios eram estes?  (MRR): Se as pessoas não falam é porque não estão interessadas. Esse é o problema. No entanto, ainda há pessoas que se interessam para que haja uma consciência e um projeto diocesano, que é desenvolvido ano a ano.

(NdV): No entanto, para além de tudo isto, há um espaço fundamental na sua vida para a ligação aos mais pobres, à Doutrina Social da Igreja, à união entre compaixão e ação. De que modo isso tocou e transformou a sua vida?(MRR): No terceiro ano em que estive em Roma, fiz um curso sobre a Doutrina Social da Igreja. Se já tinha uma grande sensibilidade para os problemas, isso aumentou. Já em Lisboa, na LUC, encontrava-me com pessoas da Liga Operária Católica (LOC) e da Juventude Operária Católica (JOC). Ou seja, meios operários e agrários. Estava sempre a par das coisas e conectado, porque senti que havia uma necessidade de acompanhar estas pessoas, vendo a evolução nos diferentes Arciprestados das Dioceses.Tínhamos ainda de ter cuidado com a censura e escolher os acontecimentos e grupos, sobretudo, os mais jovens, para salvaguardar uma presença mais ativa. Portanto, o meu critério de seleção era esse, dialogando com as pessoas e tornando a Igreja em ação.

(NdV): Depois de todo este percurso de vida, ainda sente que há mais coisas a fazer? O que ainda falta fazer?(MRR): Primeiro, falta mais justiça e muito trabalho. Mais conhecimento e dignidade da pessoa. A pessoa não é só um agente que faz. A pessoa pensa e é capaz, mesmo que seja alguém com formação simples. Uma pessoa que se dedica realmente ao trabalho tem também capacidade inovadora, porque sente essa mesma necessidade. Ver, estar com os outros, também é importante, colaborando e respeitando-se mutuamente. Já a nível pessoal, não sei o que ainda falta fazer (risos). Penso que estou a fazer tudo o que me é possível. Hoje, tenho maiores limitações físicas, mas faço tudo o que é possível.

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