Maria José Vicente é coordenadora nacional da Rede Europeia AntiPobreza – EAPN-Portugal desde novembro de 2022, mas a sua ligação à organização remonta a maio de 2003. Em conversa com o Notícias de Viana, refletiu sobre os desafios atuais da pobreza em Portugal, as limitações das políticas públicas em vigor, e a urgência de envolver todos os sectores da sociedade, incluindo os meios de comunicação, o tecido empresarial e a academia.
Notícias de Viana (NdV): Quais são hoje as prioridades da EAPN Portugal, e o que distingue a vossa abordagem no combate à pobreza?
Maria José Vicente (MJV): A EAPN Portugal trabalha em três grandes eixos: a produção de conhecimento, o envolvimento direto das pessoas em situação de pobreza, e o lobby político. O que nos distingue é esta base territorial. Temos núcleos distritais em todo o país, incluindo na Madeira, que nos permite conhecer a fundo as especificidades de cada território. Acreditamos que não basta estudar estatísticas. É fundamental ouvir quem vive estas situações. É por isso que temos os Conselhos Locais de Cidadãos, formados por pessoas com experiência em pobreza, que contribuem para as nossas propostas e avaliações.
Temos, também, uma forte articulação com a EAPN Europa, com quem promovemos, por exemplo, iniciativas como a Cimeira das Pessoas, em que cidadãos de vários países partilham diretamente com decisores políticos as suas experiências e reivindicações. No fundo, o que nos move é traduzir conhecimento em influência política, sempre com base na realidade vivida.
(NdV): Como avalia as políticas públicas atualmente em vigor no combate à pobreza e à exclusão social? Que mudanças considera urgentes?
(MJV): A Estratégia Nacional de Combate à Pobreza, aprovada em 2021, é um avanço importante e também o resultado de anos de pressão da EAPN. No entanto, achamos que deveria estar sob a alçada da presidência do Conselho de Ministros, porque a pobreza é uma questão transversal. Não pode ser tratada apenas no âmbito da Segurança Social. Envolve educação, habitação, saúde, economia, justiça, cultura.
Há também medidas que precisam de ser reforçadas. O rendimento social de inserção, por exemplo, deve alinhar-se com as recomendações europeias para garantir mínimos de dignidade. Além disso, defendemos a criação de mecanismos para avaliar previamente o impacte de novas medidas políticas na vida das pessoas em situação de vulnerabilidade. Há políticas que, na teoria, parecem bem estruturadas, mas que, na prática, criam barreiras ou agravam desigualdades.
(NdV): Quais os fenómenos que mais vos preocupam atualmente? E como está a EAPN a abordá-los?
(MJV): Temos fenómenos novos e outros estruturais. A pobreza infantil continua a ser uma das nossas maiores preocupações. Embora os números recentes mostrem uma ligeira melhoria, a realidade no terreno mostra famílias inteiras com crianças em situação habitacional muito precária. Temos defendido a criação de programas de emergência específicos para famílias com menores a cargo, em risco de ficar sem teto.
A questão da habitação, aliás, é crítica. Recentemente, lançámos o estudo Portugal em Telhados de Vidro, em que demos voz a pessoas em situação de vulnerabilidade habitacional. É urgente combater o mercado informal, apoiar a manutenção das habitações sociais e criar respostas para famílias em situação-limite. Também estamos atentos a novas dimensões, como as pobrezas energét
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