Inclusive não esclarecer nada
Após o prometido mês de descanso, que, na prática, não trouxe alívio ao país, pois a impressão generalizada é de que tivemos um verão politicamente tumultuado, tanto dentro como fora de portas. Os enigmas persistem no horizonte político global, enquanto, cá dentro, o debate em torno do orçamento do Estado tem ocupado grande parte das atenções. A TAP continua a dar dores de cabeça e a recente audição de Lucília Gago na Assembleia da República também captou o interesse público. Além disso, começam a surgir especulações sobre as eleições presidenciais de 2026.
Se houve acontecimento que marcou este verão, foi a polémica em torno da lancha política. Luís Montenegro tomou a controversa decisão de acompanhar as forças de segurança numa lancha durante a tragédia da queda do helicóptero no Douro, enquanto as buscas pelos quatro militares da GNR desaparecidos ainda estavam em curso. Além de perturbar as operações de busca, este episódio levanta duas questões: ou se trata de uma performance política, ou reflete um ambiente de pré-campanha eleitoral. Instrumentalizar o sofrimento para gerar oportunidades políticas revelou uma falta de sensibilidade e de capacidade de decisão por parte do atual líder do Governo.
Após uma breve síntese do verão, concentremo-nos agora na atualidade política e no tema central em debate: o orçamento de Estado para 2025. Este é o momento crucial da legislatura onde se definem as prioridades para o país. As negociações estão a decorrer numa dança complexa, entre o governo, o Partido Socialista e o Chega. Este último, já disse tudo e o seu contrário: se há poucos dias, o voto contra parecia certo e irrevogável, mais recentemente manifestou disponibilidade para negociar e viabilizar o orçamento, desde que o Governo exclua o PS das negociações. A decisão final só será conhecida por todos a poucos minutos da votação, pois, até lá, já nos habituámos à imprevisibilidade e à falta de compromisso de André Ventura.
No centro-esquerda, o PS de Pedro Nuno Santos, principal partido da oposição, mostra-se disponível ao diálogo e para apresentar propostas. No entanto, recusa aceitar duas medidas fundamentais propostas pelo governo: a descida do IRC e uma moderação da proposta do novo IRS Jovem. O entendimento parece estar mais próximo do que aquilo que julgávamos; arrisco até a dizer que há possibilidades de o PS votar a favor. Contudo, se não houver cedências por parte do Governo, corremos o risco de novas eleições. E, nesse cenário, quem terá mais a ganhar será, unicamente, o Governo.
O tema dominante desta semana foi a tão aguardada audição à Procuradora-Geral da República, Lucília Gago. A um mês do término do seu mandato, e com uma audição que durou uma hora e meia, Lucília Gago deixou várias questões sem resposta e ficou aquém das expectativas. Continuamos sem um esclarecimento institucional sobre o parágrafo que provocou a queda de um Governo e conduziu a eleições antecipadas; uma justificação sobre esta situação é devido a todos os portugueses. Entre os vários temas abordados, como as escutas e o segredo de justiça, a afirmação de que 90% das mulheres com menos de 30 anos constitui um fator de constrangimento ao MP foi, sem dúvida, desconcertante. A Procuradora-Geral da República sugeriu, de forma indireta, que a solução então seria contratar mais homens para o Ministério Público? Esta narrativa é inaceitável e não pode servir para fundamentar qualquer política institucional.
Embora o presente esteja repleto de acontecimentos diários, há quem já se dedique a especulações sobre a corrida presidencial. Nas últimas semanas, diversos nomes têm emergido nas discussões, como Leonor Beleza, Mário Centeno, Almirante Gouveia e Melo, Augusto Santos Silva e Marques Mendes. Com o tempo, é provável que esta lista se torne ainda mais extensa.
Perante a incerteza que marca tanto o presente quanto o futuro, é oportuno olhar para o passado e refletir sobre figuras que moldaram a nossa história. Esta semana, assinalamos o aniversário da morte de Jorge Sampaio, um verdadeiro humanista que desempenhou um papel crucial na nossa democracia. Destacou-se não só como uma referência cívica e moral, mas também como um homem de causas que transcenderam o seu tempo.
À luz deste legado, e voltando à atualidade, é essencial que os partidos se inspirem na célebre frase de Jorge Sampaio: “Há mais vida para além do orçamento”. Esta máxima deve servir como um lembrete para adotar um compromisso mais abrangente e profundo, que transcenda as questões económicas e financeiras e valorize as políticas sociais e humanistas.
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