Lígia Pereira: “O papel dos leigos é fundamental na Igreja ao lado da hierarquia e na vida da Igreja.”

A Diocese de Viana do Castelo criou a Comissão do Apostolado dos Leigos, que visa “potenciar a participação dos leigos na Igreja”.

Micaela Barbosa
20 Out. 2022 8 mins
Lígia Pereira: “O papel dos leigos é fundamental na Igreja ao lado da hierarquia e na vida da Igreja.”

Lígia Pereira, de 49 anos, é natural de Divino Salvador de Ganfei (Valença), e é a presidente do organismo, que conta ainda com Maria Barreto e Vítor Marinho.

A professora de Educação Moral, Religiosa e Católica (EMRC) no Agrupamento de Escolas Muralhas do Minho e Didática Específica de EMRC na Escola Universitária de Cabo Verde, é ainda diretora do Secretariado Diocesano de EMRC e membro do Núcleo de Estudos de Bioética de Viana do Castelo.

Notícias de Viana (NdV): O que a levou a aceitar o convite de D. João Lavrador para assumir a Comissão do Apostolado dos Leigos? De que modo o seu percurso pessoal poderá ter influenciado?

Na verdade, fui surpreendida pelo convite do Sr. D. João Lavrador. Talvez este convite tenha vindo após uma caminhada de reflexão sinodal na comissão diocesana. Um trabalho que não foi fácil, que nos trouxe uma profunda reflexão…na verdade, naquele dia do convite nem o esperava e nem sabia ainda muito bem o que me era pedido. Mas, respondi da mesma forma que respondi a todos os meus Bispos: se a Igreja e o meu Bispo precisam de mim, farei tudo o que conseguir e souber. Desde a minha juventude que tive o privilégio de poder estar perto dos meus Bispos. Nunca entendi bem porquê, mas a verdade é que quando me dava conta, já estava. Com todos aprendi imenso, aquilo que hoje faço devo, em parte, a eles; aos meus Párocos, que só foram três (Pe. Joaquim Vilar, Pe. Miranda e Pe. Gonçalo do Vale); e ao meu querido prof. Dr. Costa Santos que me ensinou a pensar a Igreja como Povo de Deus que nem pela agrura do deserto foi derrotado, e que até hoje me acompanha como teólogo nas minhas dúvidas e reflexões de eclesiologia.

(NdV): Como foi feita a escolha da sua equipa? Qual o propósito da Comissão?

A equipa foi o que mais tempo de reflexão me exigiu. Sabia que teria de escolher pessoas da minha total confiança, envolvidas na pastoral da Igreja, conhecedoras da realidade da Diocese, com formação específica e capazes de responder a desafios audazes. Foi assim que desafiei a Manuela Barreto e o Vítor Marinho para me acompanharem. E agradeço-lhes imenso terem aceitado o desafio.

A vida em Igreja ao longo dos séculos, teve sempre as peculiaridades próprias do seu tempo. Hoje é exatamente igual. Mas, não podemos esquecer que a Igreja é o Corpo místico, como também sabemos que é nossa responsabilidade torná-la a Igreja de Jesus Cristo em todos os tempos e todas as situações. A Comissão surge, assim, na caminhada sinodal, como necessidade de convergir todos os leigos e o seu apostolado numa mesma sinergia, capazes de, num esforço comum, dar uma nova dinâmica de união na Diocese, a este nível. Não será um trabalho fácil. Sabemos disso. Mas, nenhum caminho se faz sem dar o primeiro passo.

(NdV): Quem são os leigos? Como vê o seu papel, neste momento, na Igreja? E qual a sua importância?

O papel dos leigos é fundamental na Igreja ao lado da hierarquia e na vida da Igreja. Sempre vi como uma parte importante da ação dos leigos a sua lealdade consciente e responsável para com a hierarquia. Não é uma lealdade que nos “fecha a boca ao pensamento”, mas sim, uma lealdade que permite partilha de saberes e perspetivas; de um caminhar juntos. E os leigos sempre tiveram consciência deste seu papel na Igreja; daí ao longos das décadas o seu papel ter ganho maior destaque. Penso que cada um de nós, tendo a coragem e a vontade de se deixar tocar pelo Espírito Santo, sentirá a urgente necessidade e a responsabilidade de se envolver ao serviço da Igreja. Não servimos a Igreja apenas dentro dos edifícios, mas servimo-la em tudo quanto fazemos e podemos ajudar a fazer. Os leigos, nas suas diferentes formações académicas e mesmo sem elas, sabem, quando tocados por esta força, onde a Igreja se enriquecerá com o seu contributo. E esta interpelação o conduzirá ao envolvimento. A Igreja é dinâmica. E, desse dinamismo, nem mesmo um árduo êxodo a enfraquecerá.

(NdV): Na tomada de posse referiu haver um sentimento generalizado de “saudades de uma Diocese viva”. Em que é isso mais notório?

(LP): Todos sentimos necessidade de ver uma Diocese em movimento. Uma Diocese em que os seus membros vivam com alegria e esperança no futuro. Que vivam alegremente a sua Fé e dela façam uso no seu dia-a-dia. Ninguém nasce com Fé. A Fé “descobre-se” e “alimenta-se”. Se não tivermos medo nem vergonha de ser homens e mulheres de Fé, a Diocese terá uma vitalidade que vai transparecer para todos os sectores da sociedade e para as próprias comunidades. A falta de tempo não existe, quando o chamamento é do coração.

(NdV): Que sinais deteta, preocupantes ou não, na forma como expressamos, hoje, a fé?

(LP): Preocupa-me o facto de muitas vezes ouvir que se “deixou de rezar”… A oração é fundamental, é o que nos permite permanecer “alinhados” com Deus, com os outros e com tudo quanto nos rodeia. Sem oração, a nossa Fé pode ganhar outros contornos. Muitos de nós perderam o sentido da oração, mas também o de comunidade. A comunidade, desde o princípio da vida dos cristãos, era a força impulsionadora da vivência da fé, da colaboração e interajuda, da escuta. Será que a comunidade hoje já não é uma realidade social idêntica?! Mas, e a Eucaristia?! Não é o centro e alimento da comunidade?!

(NdV): Todos os dias contacta com alunos e professores. O que sente neste convívio? A Jornada Mundial da Juventude (JMJ) será só por si suficiente para levar os jovens a Cristo?

O trabalho exercido hoje pelos professores na escola é muito complicado. Entre a burocracia a que têm de responder e lhes retira tempo para o fundamental do ser professor, adquiriram, ainda, o papel de educadores e incentivadores de cidadãos proativos quando estes, na sua grande maioria, não transportam em si a cultura da exigência, do respeito e da solidariedade. O papel do professor crente, nesta escola de hoje, é o de ser resistente e persistente no incutir de esperança e responsabilidade, bem como no papel da bondade humana, conseguir ser o motor que apaga as desigualdades a todos os níveis.

A JMJ não será suficiente para levar os jovens a Cristo. Ninguém chega a Cristo se não se deixar tocar por Ele. E para se deixar tocar por Ele, tem de estar disponível. Ter um coração livre e disponível. Estamos a trabalhar essa base para conseguir dar a oportunidade deste grande encontro aos jovens?! Um encontro pessoal e intrínseco a cada um; tão diferente em cada coração; em cada vida… temos de trabalhar as redes de base e retaguarda nas comunidades. Temos de ajudar as famílias e incentivá-las a vir ao encontro da comunidade.

(NdV): De que forma pode a Igreja dar protagonismo aos leigos?

(LP): De imensas formas…até que já o tem vindo a fazer. Mas, arrisco a dizer que os leigos podem ainda assumir mais responsabilidades; que lhes sejam delegadas funções; auscultados nos diferentes sectores, etc. Que os leigos não estejam só em regime de voluntariado a conduzir serviços, mas que apostemos em juntar capacidades, competências, carismas, fé e testemunho.

(NdV): De que forma pode a comunidade cristã contribuir para a missão da Comissão?

(LP): A comunidade é a maior aliada neste trabalho. Sem as pessoas, sem os Párocos, sem todos, a Comissão nada será. Queremos estar com todos sem nos impormos; queremos fazer caminho em conjunto; queremos desafiar todos a trabalhar em prol do mesmo objetivo.

(NdV): Quais os maiores desafios que a Comissão terá?

Neste primeiro ano, a Comissão terá como objetivo fazer um levantamento de todos os movimentos, obras, grupos existentes, bem como do número de pessoas envolvidas nestes trabalhos. Tomar conhecimento das necessidades e dificuldades de cada um.  Proporcionar um espaço de partilha e acompanhamento.

E ainda fomentar e incentivar a formação. Que esta formação não esteja “espartilhada” pelos próprios movimentos. A Diocese tem uma instituição de formação que é o Instituto Católico de Viana do Castelo. Acreditamos que toda a formação dos leigos, cristãos chegados à Diocese ou diocesanos, saibam que há uma instituição de referência na Diocese para tudo relacionado com formação. Que esta formação seja de qualidade e acessível intelectualmente e monetariamente; que seja centralizada no Instituto Católico, mas com a possibilidade de a “ramificar” em dois ou três pontos da Diocese. Não podemos exigir aos leigos que façam nem melhor nem diferente, se não lhes proporcionamos espaços de aprendizagem e partilha.

Estes são poucos, mas grandes desafios para nós.

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