O médico pediatra Hugo Rodrigues, que é conhecido por ser o “Pediatra para todos”, vai lançar, em setembro, um quinto livro focado no desenvolvimento do bebé a nível do comportamento.
Com 43 anos, dá ainda aulas na Escola Superior de Saúde do Instituto Politécnico de Viana do Castelo, e na Escola de Medicina da Universidade do Minho. No entanto, o seu principal papel é ser pai. E foi a parentalidade que o fez ganhar mais sensibilidade, enquanto pediatra. “A minha prioridade é a família”, salienta, contando que, no consultório, nem sempre deu resposta em tempo útil, porque os filhos são a sua prioridade. “Com organização, tudo se vai fazendo. Faço o que gosto, tento gerir o meu tempo livre, e acho que consigo fazer muita coisa no tempo adequado”, acrescenta.
Criou um blogue e um canal de Youtube. Tem mais de 100 mil seguidores no Instagram, onde dá conselhos médicos, esclarece dúvidas, e desconstrói alguns mitos. Para Hugo Rodrigues, estas ferramentas de trabalho visam “aumentar a literacia em saúde”, dando seguimento às famílias para as ajudar a decidir. “Sinto que é meu dever partilhar o nosso conhecimento, para que as pessoas possam escolher melhor”, afirma, defendendo a necessidade de os médicos saírem dos hospitais/consultórios para “ir ao encontro da população”. E, a maneira que encontrou, foi através da Internet. A partir daí, lançou um livro, tendo como base o conteúdo do seu blogue, e começou a marcar presença em programas de televisão, escrever artigos na imprensa, e participar em programas de rádio. “A distância pesa, em termos de deslocação. Estar em Viana do Castelo não é o mesmo que estar em Lisboa, mas fico contente por estar em Viana e conseguir marcar esta posição também”, refere.
Notícias de Viana (NdV): Como é que os seus filhos lidam com o facto de o pai ser conhecido? Há algum deles que poderá seguir as suas pisadas e tornar-se médico?
Hugo Rodrigues (HR): Nem eu, nem eles, pensamos muito no assunto. Faço tudo do mesmo modo que fazia antes de ser conhecido. É mais para os outros. Eles acham piada quando sou, por exemplo abordado noutras cidades, mas são situações muito pontuais.
E, sim, acho que um deles poderá ser médico. Não influencio de forma direta, mas acho que sim (risos).
(NdV): O que o levou a seguir medicina e, mais especificamente, pediatria?
(HR): Não tenho aquele percurso típico de querer ser médico desde pequenino. Descobri que queria ser médico no secundário. Cheguei ao 10º ano, e achava que ia trabalhar num laboratório. É um clássico dos miúdos. Gostam todos de ser cientistas. No 11º ano é que me apercebi. Provavelmente por gostar de comunicar, e sentir que pode fazer-se a diferença na vida das pessoas pela positiva. Felizmente, consegui entrar. E, na pediatria, aconteceu algo parecido. Era uma especialidade que, à partida, não consideraria. A minha mãe é Educadora de Infância reformada e, na altura, dizia-me para ir para pediatria. Eu dizia-lhe que isso era para as minhas colegas, mas tive a sorte de ter um bom professor de pediatria no 5º ano. Apaixonei-me e consegui entrar. Se voltasse a escolher, faria tudo de novo.
(NdV): Já referiu em várias entrevistas que o seu papel principal é ser pai. Ser pai alterou a sua visão da pediatria?
(HR): Em termos de formação, ser pai foi uma mais-valia. Tive os meus dois filhos quando ainda era médico interno. Foi uma mais-valia, porque senti na pele todas as dúvidas que os pais iam colocando, e isso aumentou a minha sensibilidade.
Ter filhos é sempre um propósito de vida. É ótimo nós conseguirmos – pode parecer paradoxal –, mas é ótimo ter vários interesses na nossa vida. O ser pai é um propósito realizado e é algo que me preenche completamente, e que gosto mesmo de fazer todos os dias. Portanto, é bom ter algo que gostamos ou várias atividades que gostamos de fazer. Adoro ser médico, ser pediatra e ser pai, que é a minha principal função. Diversificar, permite que, ao longo do dia, possamos desligar-nos de algumas coisas.
Tenho pena, e digo aos alunos internos que, cada vez mais, não tenham filhos durante a especialidade. Só depois. Durante a formação, é importante este abanão, no bom sentido, de ser pai, e passar por estas experiências todas, mesmo até em termos profissionais.
(NdV): A pediatria de hoje é diferente da pediatria de há 30 ou 40 anos. Como se explica isto aos avós, pais e outros familiares que, muitas vezes, intervêm na educação que os filhos, netos e sobrinhos estão a dar ao bebé/criança?
(HR): Os conflitos geracionais sempre existiram, e vão existir sempre. As gerações mudam de umas para as outras, e só temos de respeitar isso. Há, efetivamente, algumas coisas que mudaram. O que devemos pedir, sempre, é respeito máximo por quem de direito e, salvo raras exceções, quem de direito são os pais. Sempre. Claro que os avós, tios e outros familiares/amigos são importantíssimos no dia-a-dia das famílias, mas, em caso de empate, são sempre os pais, por muito que não concordem.
É tentador o argumento do “Eu também te criei, a ti” ou “Já passei por isso”. É tentador e é bom, esse argumento, mas não pode substituir a vontade dos pais. Percebemos também que esta geração de pais tem uma quantidade enormíssima de informação que as gerações de há 20/30 anos não tinham. A própria forma como encaramos o comportamento das crianças e os problemas do dia-a-dia, é diferente porque, hoje em dia, há poucas doenças graves, que matavam as crianças naquela altura, desde as meningites ou outras infeções graves. Hoje, praticamente, não vemos, ou vemos muito pouco. As nossas preocupações agora são, talvez, as que eram menores naquela altura porque havia outras situações com um impacte maior no imediato, e que ocupavam mais o pensamento. A própria pediatria, para os médicos, é completamente diferente. Já não somos a especialidade que trata essas doenças graves. Somos uma especialidade mais de comportamento, acompanhamento familiar, e de olhar para a criança como um todo e não só quando está doente porque, felizmente e vai soar estranho, as crianças estão pouco doentes, quando falamos em doenças graves. Têm viroses e infeções recorrentes e banais, mas estão poucas vezes doentes com doenças graves. E, portanto, isso dá-nos espaço para encarar a criança e a família. A pediatria não é só a especialidade da criança e dos adolescentes. É da família. É um todo, para perceber como podemos otimizar o bem-estar daquelas pessoas todas.
(NdV): No podcast da Well’s, com a enfermeira Carmen Ferreira, afirma que “os bebés terem vícios e manhas, é bom”. Como se desconstroem esses mitos, mostrando às pessoas os seus benefícios?
(HR): Eu sei que essa afirmação é um pouco polémica, mas tem o seu propósito. Costuma associar-se as palavras “manhoso” e “manha” a um sentido pejorativo, e ninguém gosta de ouvir que os bebés são manhosos. Temos duas definições para “manhoso”. Se “ser manhoso” for mentir e enganar, claro que não são manhosos. Os bebés são os seres mais honestos que existem. Claro que podem perder essa virtude quando crescem (risos), mas são os seres mais honestos. Quando querem algo, manifestam-se perante isso. Portanto, se acharmos que “ser manhoso”, é tentar convencer os outros, no nosso ponto de vista, então ainda bem que os bebés são manhosos, porque quer dizer, primeiro, que são genuínos no que expressam, segundo, conseguem passar bem a mensagem e, terceiro, têm carisma suficiente para influenciar os adultos que estão à volta (risos). Ou seja, olhar para o significado de “manhoso” e de “vício”, neste sentido, até é bom, mas com sentido negativo, não. Nenhum bebé engana os adultos. Os adultos é que podem tentar enganar os bebés.
(NdV): É ainda de opinião de que “as crianças precisam de ficar aborrecidas, de vez em quando” e de “que não existe mimo a mais”? O que quer dizer com isto?
(HR): “Ficar aborrecido” tem a ver com aquela tendência enorme que os pais de hoje têm de estar sempre a intrometer-se, e a tentar salvar os filhos como se fosse proibido as crianças terem qualquer sentido negativo. Os pais fazem de tudo para evitar isto: “E se a criança não tem nada para fazer? Coitadinho. Temos de arranjar qualquer coisa”. Tentamos intervir e intervir. É importante que as crianças tenham momentos em que, elas próprias, não sabem o que vão fazer, que é para elas estimularem a sua criatividade, encontrando soluções dentro de um nada. Rapidamente as crianças conseguem fazer isto.
Se não dermos esta oportunidades às crianças para serem criativas, vamos estar a boicotar essa caraterística tão genuína das crianças, que é a de serem criativas e imaginativas. É nesse sentido que digo que as crianças devem ficar aborrecidas.
Relativamente às birras e ao acolher… Enquanto pai, custa-me tomar uma atitude que os meus filhos não gostam. Nenhum pai gosta de fazer isso. Já tomei muitas, e vou continuar a tomar algumas. Faz parte. Agora, o que temos de perceber é qual o nosso propósito/mensagem a transmitir ao tomar essas decisões. Se estou a transmitir uma mensagem que me parece importante, não acho que haja problema nenhum em ir contra a vontade. Se não perceber muito bem se aquilo é ou não importante, ou for uma decisão a quente, que muitas vezes é o que acontece com todos nós, temos de ter alguma cautela. Todos os pais falham, e eu estou no mesmo saco. Isto é muito mais fácil de dizer que de fazer e, no dia-a-dia, é bem mais complexo. Agora, também temos de perceber que as nossas atitudes são diferentes com bebés e crianças e ao longo do seu desenvolvimento, porque não é fácil passar uma mensagem a um bebé que não seja verbal, sem ir ao encontro das suas necessidades, porque as necessidades são básicas e muito genuínas. Os bebés querem proteção, comer, contacto físico, mais calor ou mais frio, descanso ou passeio. São necessidades básicas e simples. Com uma criança mais velha, pode ser um pouco diferente. Portanto, ninguém conhece melhor as crianças que os próprios pais, e ninguém tenta melhor passar a mensagem que eles. Se não conseguirem, significa que o caminho não é esse.
(NdV): Hoje os pais protegem demais os seus filhos?
(HR): Sim, os pais protegem mais e demais. Não temos de controlar a vida dos nossos filhos. Esse é o cordão umbilical mais difícil de cortar. Temos de dar/ajudar a desenvolver as armas/ferramentas para eles conseguirem controlar a vida deles. Isto é que é difícil, mesmo sabendo que não vamos controlar todos os momentos.
(NdV): Cada vez mais, somos bombardeados com muita informação nas redes sociais. No que diz respeito à indústria em torno dos bebés, são mais os benefícios ou as desvantagens? Como podem os pais, sobretudo, os de primeira viagem, distinguir o que é essencial?
(HR): Não conseguem, porque, cada vez mais, há muita informação. Há gente que sabe comunicar bem, mas isso não significa dizer coisas acertadas. Esse é um problema. É importante ver a credibilidade das pessoas/empresas, seja do ponto de vista do seu background de formação, seja da coerência das suas comunicações. Não é por ser pai, que agora vou ser um expert em parentalidade. Não é por comer bem/saudável, que sou um nutricionista. No entanto, por vezes, saber comunicar isso, pode parecê-lo. Aliado a isso, temos o efeito das redes sociais em que, ter seguidores, significa ser credível; e não é assim. Cada vez mais, vemos pessoas que falam de assuntos para os quais não têm formação e não temos literacia de redes sociais. Não é por repetir várias vezes uma mentira que ela se transforma em verdade.
(NdV): E na vida das crianças, qual a sua opinião sobre a entrada, cada vez mais precoce, dos aparelhos eletrónicos?
(HR): É um disparate. Abaixo dos dois anos não tem vantagem nenhuma. Depois dos dois anos, as vantagens são muito ténues e os prejuízos continuam a existir. Tem de ser com algum bom senso, em termos de quantidade, qualidade do que se faz e, algo que é muito importante, se a entrada dos ecrãs é um ato social, ou não. Se for um ato social, a criança pode ser beneficiada com isso. Se for um ato isolado, os benefícios são minúsculos. Portanto, introduzir os ecrãs para a criança ficar calada e quieta, é um contrassenso. As crianças não podem ficar caladas e quietas. Todos sabemos que, quando os nossos filhos estão calados e quietos, das duas, uma: ou estão a fazer asneiras, ou estão doentes. Então, porquê forçar isso? Se acharmos que a refeição é um momento de partilha, devemos dar as condições para que a criança partilhe connosco, sabendo que são crianças. As crianças são irrequietas e barulhentas na maior parte das vezes, e ainda bem que assim é. Faz parte, e é claro que temos de perceber os contextos. Por exemplo, se um pai me diz que o filho não fica quieto ou incomoda o restaurante, a minha resposta é que escolheu mal o restaurante, porque a criança não pode ser ela ali. Não vale a pena fazer do seu filho aquilo que ele não é. Muito menos, tentar formatá-lo como peça de museu porque, para isso, mais vale não o levar. Se for um restaurante para adultos, não faz mal nenhum deixar as crianças com familiares ou amigos.
(NdV): Há ainda quem diga que as crianças já conhecem os aparelhos eletrónicos. Isto é assim tão linear?
(HR): Os ecrãs dão prazer. Dá para tudo. Parece intuitivo, mas não é bem assim. Há estudos que mostram que esta população, chamada de “nativos digitais”, é uma população mais heterogénea do que se pensa.
Se a criança tem algo que lhe dá prazer, é normal que continue a procurar e, se percebe que para ter aquilo, diz que não come, não come. Está a mostrar que é inteligente e que se adaptou à situação. Mais uma vez, cabe aos pais decidir o que acham que é melhor com consciência, percebendo o que resultará melhor.
(NdV): E, a sociedade cria alguma pressão na entrada dos aparelhos eletrónicos?
(HR): Aqui, existem duas coisas. Claro que existe pressão. Hoje, os miúdos combinam as coisas pelo Instagram, e é verdade que, quando um não tem telemóvel, sente-se excluído. Não é dramático porque, nos primeiros anos, 5º, 6º e 7º anos, ainda conta pouco. Mais tarde, é que conta mais um bocadinho.
Depois, há o sentimento de culpa dos pais que têm de salvar os filhos. Se os pais não “cedem”, os filhos vão dar luta, mas não vão ser mais nfelizes por isso. Tem de se perceber se, efetivamente, é algo importante para os pais. Se for birra de pais, não.
Não é uma decisão assim tão grande, e não é tanto um bicho de sete cabeças como pode parecer. Tem é de haver regras de utilização.
(NdV): Seria interessante todas as crianças serem seguidas por um pediatra? Como poderia o Serviço Nacional de Saúde (SNS) contribuir nesse sentido?
(HR): Teoricamente, os bebés saudáveis podem ser seguidos pelos médicos de medicina geral e familiar. Têm formação para tal. No entanto, seria igualmente interessante todas as crianças serem acompanhadas por um pediatra, mas, se calhar, escusava de ser em todas as consultas.
O SNS deveria dar oportunidade a todas as crianças de serem seguidas por um pediatra. Na minha opinião, um sistema que poderia funcionar bem, era ter alguns pediatras a fazer algumas consultas-chave, e as outras serem feitas pelo médico de medicina geral e familiar. Seria interessante, porque os médicos de família devem manter o seguimento das crianças. O contrário seria um disparate.
Ou seja, consultas-chave num sistema híbrido e misto que desse resposta a toda a gente. Parece-me interessante e exequível. Tem é de haver vontade. Isto é um tema sensível, porque a vontade esbarra com ambas as especialidades, mas faria todo o sentido, até porque o nosso propósito tem de ser servir a população, e esta seria uma das formas. Quanto melhor for a resposta que dermos, melhor para cada família.
Neste momento, o SNS não dá resposta a isso. No hospital (público), seguimos crianças que são sinalizadas por algum motivo de saúde.
(NdV): Recentemente, lançou “O Livro do seu Bebé”. Quais as principais dúvidas dos pais a que tenta responder, e porquê o enfoque nos primeiros mil dias de vida das crianças?
(HR): Queria que fosse um livro o mais completo possível, tentando compilar as maiores, mais frequentes e mais relevantes dúvidas dos pais. Podem até nem ser relevantes, mas gosto que as pessoas estejam esclarecidas. Os primeiros mil dias, é talvez o período mais importante da vida de qualquer pessoa. A gravidez é muito importante, porque é nestes mil dias que o bebé se vai desenvolver muito, seja dos pontos de vista físico, cerebral e das várias áreas de desenvolvimento: psicomotora, habilidades e competências mas, também, o lado psicoafectivo, emocional e mesmo psicossexual, que é pouco falado e muito importante na multiplicidade de estímulos. Portanto, estamos a falar de um período cheio de oportunidades que devemos aproveitar para fazer diferença, positivamente, na vida das crianças. Muito daquilo que fazemos nestes primeiros mil dias tem “consequências” imediatas. Tem respostas/resultados para o presente, mas, também, ajuda a programar muito do que vai ser o futuro. Não gosto da palavra “consequência” porque pode parecer passar aos pais a responsabilidade de ter de acertar sempre. Quando falamos em programar o futuro, fica logo a ideia de fatalismo. Não. Toda a gente vai falhar, e não há mal nenhum. Há sempre o dia de amanhã para corrigir. São mil dias, e o que não correr bem agora, vai correr melhor depois. O que importa é que, no final, o trajeto tenha mais avanços do que recuos.
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