Um grupo de investigadores voluntários, orientado por Aurora Rego e com o apoio do Centro de Estudos Regionais (CER) de Viana do Castelo, está a desenvolver um projeto de reconstituição genealógica da cidade, mais especificamente, das freguesias de Monserrate e de Santa Maria Maior.
Ainda com “muito trabalho” por desenvolver, o projeto visa “aprofundar o conhecimento sobre as raízes, a partir da leitura, análise e tratamento dos registos paroquiais de batismos, casamentos e óbitos”. “A recolha sistemática destes registos é um importante contributo para o conhecimento da evolução demográfica da cidade e de outras dimensões da sua história”, considerou José Carlos Loureiro, presidente do CER, garantindo que o projeto é “relevante” para o conhecimento e o autoconhecimento das comunidades, em particular, da cidade e da região. “Este projeto está a ser desenvolvido há um par de anos, e tem como objetivo criar uma base de dados que abrirá portas para muitos trabalhos sobre a cidade. Pela primeira vez, Viana do Castelo terá uma visão de vários séculos daquilo que foi a sua evolução a nível populacional urbana”, referiu, salientando: “Quando trabalhamos com a memória recuperamos muito daquilo que nos justifica”.
Para o presidente do CER, “a história, enquanto ciência, contribui para a elaboração da memória coletiva e para a sua compreensão” e “está atenta às permanências, mas de um modo particular, às mudanças”. “Na verdade, só existimos na e pela história”, afirmou, argumentando: “Quando, nos tempos atuais, tendemos a considerar tudo plano, como se o tempo não tivesse valor, perdemos noção dessa dimensão que nos enforma e as nossas escolhas ficam tolhidas. Por isso, o projeto que estamos a desenvolver é relevante porque devolve à comunidade aquilo que ela foi, para que possa sobre esse conhecimento agir de modo crítico no presente e pensar o futuro.”
José Carlos Loureiro sublinhou ainda que “o aprofundamento do conhecimento histórico permite confirmar ou infirmar as memórias e a história que hoje são partilhadas”. “A história não é um mero somatório de curiosidade ou uma cristalização, mas uma fonte para analisar o presente com a riqueza trazida pela densidade do passado”, acrescentou, garantindo que, quando concluído este trabalho, terão uma outra história da cidade porque “Viana do Castelo será vista com outros olhos”.
“Cerca de 70 famílias” vieram da Galiza para o Alto Minho
Aurora Rego é a responsável pelo projeto. Iniciou uma investigação sobre “A presença de Galegos no Norte de Portugal”, mais especificamente, em Vila Praia de Âncora (Caminha), onde verificou que os homens saíam daquela freguesia principalmente para Lisboa e em direção à fronteira, para trabalhar como lavradores, canteiros e pedreiros. “Esta contínua migração originou que a evolução populacional de Vila Praia de Âncora estivesse estagnada durante dois séculos”, mostrou, recordando que, em 1825, ocorreu “a grande revolução” devido a dois fatores: os banhos terapêuticos e a pesca.
A propósito da pesca e, de acordo com a investigação que desenvolveu, “cerca de 70 famílias” vieram da Galiza para o Alto Minho. Dos vários casais, encontrou um em Monserrate, motivando-a a fazer um levantamento de casamentos desta freguesia. Foram “mais de 500 casamentos” os que encontrou. E, mais tarde, fez um levantamento sobre Santa Maria Maior.
Face a esta investigação, Aurora Rego encontrou um outro estudo sobre as causas da decadência das pescarias, sendo que uma delas diz respeito à venda e distribuição do pescado e à concorrência dos pescadores galegos no Alto Minho, principalmente, em Viana do Castelo. “Encontrei galegos em Ponte de Lima e, com a publicação do decreto que veio impor que os barcos de pesca que vendessem pescado tinham de ser construídos em solo português, ainda chegaram muitos mais”, acrescentou.
Neste sentido, a razão que a trouxe para Viana do Castelo foi o mar e a pesca. “Esta grande base de dados é o que nos permite estarmos todos aqui e termos toda essa vivência passada como nossa memória coletiva”, frisou, sublinhando a sua importância para a história das várias famílias como também para a história da sociedade, da realidade socioprofissional, da economia, das comunidades, das relações transfronteiriças, das migrações, dos costumes e das religiões. “É um mundo a explorar”, afirmou, reforçando a sua importância para futuros estudos noutras áreas.
“É um trabalho interessante e cativante”
Manuel Martins e Isabel Campos são dois dos vários voluntários que constituem a equipa que faz os registos. Ambos asseguram que é “viciante”. “É um trabalho interessante e cativante, mas requer muita atenção”, disse Manuel, garantindo que, embora não seja natural de Viana do Castelo, gosta de “saber como vivia a comunidade”. “Isto permite conhecer as pessoas em vários aspetos e desenvolver várias árvores genealógicas de diferentes famílias”, salientou.
Já Isabel quis destacar algumas peripécias e particularidades que tem encontrado nos vários documentos. “Em Santa Maria Maior, os apelidos são mais chiques”, começou por dizer, entre risos, contando que também encontrou muitos franceses, alemães e holandeses que vieram viver para o Alto Minho. “A parte mais interessante deste trabalho é fazer o puzzle com toda a informação”, garantiu, contando que os padres chegaram a registar o dia da semana do nascimento de bebés e, nos óbitos, escreviam “morreu depressa”. “Pelas minhas mãos, já me passaram muitos nascimentos e casamentos na prisão”, acrescentou, referindo ainda que os documentos “dão para perceber o papel da mulher na sociedade” durante aqueles anos, em que, por exemplo, o nome “raramente” aparecia, “só se fosse família”.
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