Fazer da cidade um palco

São três pancadas, secas e consecutivas, que anunciam o início do espetáculo. A cortina sobe. A luz irrompe pelo palco. O silêncio reina na plateia. “É uma sensação inexplicável", confessa Elisabete Pinto, diretora-geral do Teatro Noroeste – Centro Dramático de Viana (CDV).

João Basto
21 Abr. 2023 4 mins
Fazer da cidade um palco

Com 48 anos, natural de Castro Daire, chegou a Viana do Castelo em 1996, onde hoje é já reconhecida publicamente pela dedicação à dramaturgia. Aqui, tornou-se “mulher, mãe e atriz”. Dos trabalhos feitos noutras companhias, trouxe experiências muito positivas, mas, com eles, assume que aprendeu a valorizar o trabalho feito pelo CDV e a nunca perder “a enorme vontade de voltar a casa”. 

Foi numa das salas principais do Teatro Sá de Miranda que decorreu a entrevista. Vigiada por uma fotografia, em grande escala, de Amadeu Costa. Ainda assim, assegura que “o teatro é uma arte de invisíveis”.

Ao todo, a companhia é composta por 15 pessoas, sejam eles técnicos, produtores, direção ou atores. Uma equipa “jovem”, toda ela com contrato de 14 meses na Segurança Social, à exceção de duas pessoas que trabalham enquanto prestadores de serviços. “O teatro é uma arte de partilha. É uma arte para aprender a amar”, reconhece. Não se pode, nem consegue fechar em quem “dá corpo e voz” ao processo criativo. “Deveria ser um exemplo para outras áreas”, acrescenta. 

O espetáculo passa-se em direto, não há possibilidade de ‘puxar atrás’, e o público e os atores partilham o mesmo espaço, o mesmo ambiente e “respiram o mesmo ar”. Talvez por isso Elisabete manifeste sentir um comodismo grande na comunidade face ao teatro, sem que isso ponha em causa o carinho que recebe. Segundo conta, não se trata só da dificuldade em sair de casa, nem considera, tão pouco, o volume da divulgação insuficiente. Para ela, o motivo está no medo do contacto. “No teatro, acho que as pessoas se sentem observadas e têm receio da sua reação face àquela cena mais violenta”, defende. 

Em 2011, o CDV ficou sem apoio da Direção-Geral das Artes. A Câmara Municipal de Viana do Castelo continuou a ajudar, mas “não era suficiente para suportar todas as despesas”. Na altura, estavam cinco pessoas na companhia que se reinventaram e foram para as ruas da cidade, “abrindo portas que nunca teriam sido abertas”. “A cidade não sabia que existíamos e, por isso, tivemos de ir aos mercados, feiras, centros comerciais, grandes superfícies e escolas, colar cartazes. Vestimos umas roupas e saímos à rua com música para informar de que aquela peça ia estar em cena”, recorda. 

Na pandemia, foram pioneiros na transmissão de espetáculos via streaming e, a cada temporada, renovam o compromisso de desmultiplicar a sua ação para lá das representações, como fazem através das oficinas teatrais para várias faixas etárias. Afinal, como Elisabete admite, que “interessa fazer um trabalho muito bom, se o público não vem ver? A única razão de o teatro existir é estar alguém do outro lado a ver”. 

Foi desse “outro lado”, que surgiu uma história recente. Tão bela como dramática. Algo “que diz muito da sociedade em que vivemos”.“No final de uma sessão, uma espectadora desceu pelo corredor central com um ramo de flores nas mãos. Depositou-o no palco, como sinal de agradecimento”, conta. Mais tarde, soube que era uma refugiada ucraniana, que tinha chegado a Portugal com os filhos e o marido. Um gesto invulgar, mas comum nos países eslavos e que testemunha algo que percorreu a conversa: a ideia de que “a representação é um ato religioso” e vice-versa. Não só pelos laços que se criam nos diferentes espetáculos “ficarem para a vida”, não só pela mensagem que há a transmitir, mas, acima de tudo, pela “comunhão” que todos procuram.

Tags Entrevista

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