Estabelecimento prisional de Viana do Castelo, “a prisão para ser livre” 

O estabelecimento prisional de Viana do Castelo celebrou o 75º aniversário com um programa que envolveu a sociedade civil. O objetivo passou por dar a conhecer o que é feito no lugar, que é cada vez mais humanizado.

Micaela Barbosa
25 Nov. 2023 6 mins
Estabelecimento prisional de Viana do Castelo, “a prisão para ser livre” 

Sónia Carvalho é natural do Porto e chegou a Viana do Castelo, mais concretamente, ao estabelecimento prisional, em 2019, por comissão de serviço. É licenciada em Direito e recentemente, renovou a comissão, prolongando-se por mais três anos. A mudança foi “uma aprendizagem”. A cidade era diferente daquela a que estava habituada, e o estabelecimento prisional, idem. “É um estabelecimento prisional mais pequeno, com condenados. Está inserido na cidade, e mantém uma grande relação com a sociedade”, especificou.

Até ao dia 15 de novembro, o estabelecimento prisional estava superlotado com 72 reclusos acusados dos mais variados crimes: contra pessoas (ofensa à integridade física, violação, abuso sexual a menores, coação, injúria e violência doméstica), contra património (furto, burla, roubo e recetação), contra a vida em sociedade (condução de veículo em estado de embriaguez, condução perigosa, falsificação ou contrafação de documento), contra o Estado (desobediência, falsidade de testemunho) e outros (tráfico, condução de veículo sem habilitação legal e detenção de armas proibidas). “Normalmente, costumamos andar à volta dos 60 reclusos. Ultimamente, têm entrado mais”, indicou, justificando: “Não sei precisar as razões. Se tem havido mais julgamentos, se as greves nos tribunais afetaram as decisões, ou se há muitos reclusos. Há vários fatores.”

“Não há grande investimento nas prisões” 

A responsável deu ainda nota de que o estabelecimento prisional é para homens, em que o mais jovem tem 27 anos, e o mais velho 72. “As prisões continuam a ser aquilo que ninguém quer saber, nem conhecer. Quem é que gosta das prisões?”, ironizou, lamentando: “As prisões são habitadas por pessoas que fizeram algo de mal. As pessoas estão lá para cumprir uma pena de prisão. E, portanto, a comunidade, em geral, e, de certa forma, os políticos, encaram as prisões como último reduto. Ou seja, toda a gente quer desenvolver um conjunto de iniciativas, mas depois fica sempre para último. Não há grande investimento nas prisões.”

Numa entrevista recente, o Diretor-geral de Reinserção e Serviços Prisionais falou de dificuldades na área dos recursos humanos. Esta realidade é, segundo Sónia Carvalho, “uma realidade transversal a toda a administração pública” e que se nota muito nas prisões. “São espaços que não param. Estão constantemente a trabalhar. Há pessoas de manhã à noite. É como nos hospitais e, portanto, precisamos de ter homens e mulheres que possam supervisionar essas situações. Falo concretamente de guarda prisional. Temos falta de elementos de vigilância”, apontou, considerando que, “teoricamente”, essas necessidades aconteceriam se, em Portugal, o cumprimento de pena não fosse quase o quádruplo da média da União Europeia. “É um paradoxo. Temos uma taxa de encarceramento elevada e somos um dos países da Europa com menor taxa de criminalidade. Ou seja, somos um país seguro, mas com uma elevada taxa de encarceramento. Dá que pensar”, declarou.

“Cerca de 90% dos nossos reclusos têm o seu tempo ocupado” 

Nos últimos 20 anos, os estabelecimentos prisionais têm evoluído no que diz respeito à humanização. Antigamente, havia um balde higiénico. Hoje, já há casas de banho, mais concretamente, sanitas. Os telefones também são provas dessa mesma evolução. E, em breve, vão permitir a instalação de telefones fixos nas celas. “Quando chegámos, havia dois telefones. Hoje, são quatro”, especificou, enaltecendo a medida aprovada pelo Governo, que pretende “reforçar os contactos das pessoas privadas de liberdade com a família e com pessoas com quem mantenham relação pessoal significativa, em condições mais dignas, com mais privacidade e de acordo com horários mais pertinentes”. “Numa era de comunicação, é muito importante que eles contactem com a família fora dos horários estipulados, porque alguns dos seus familiares não podem atender naquele momento. Proibir isso era aumentar a revolta e a ansiedade”, considerou. No entanto, o sistema acautela as necessidades de segurança, permitindo apenas que sejam feitas chamadas para números de telefone previamente aprovados e com a duração estabelecida pelos Serviços Prisionais, não podendo ser disponibilizado nos estabelecimentos de segurança especial, onde as ligações telefónicas são efetuadas por elementos do pessoal de vigilância.

Para humanizar ainda mais estes espaços, há um conjunto de atividades que incluem os reclusos. Em Viana do Castelo, promovem-se atividades socioculturais e de voluntariado. “Neste momento, temos atividades para os reclusos. Não há nenhum estabelecimento prisional que não tenha escola, atividades, trabalho e formações. Isto tudo está a funcionar. Portanto, as cadeias estão mais humanizadas”, afirmou, reconhecendo que “ainda há coisas a fazer”. Contudo, estão a ser dados “grandes passos”. “Cerca de 90% dos nossos reclusos têm o seu tempo ocupado entre aulas, trabalho, atividades e formação”, especificou, enaltecendo a sensibilidade de alguns empresários. “As empresas trazem-nos os artigos/ materiais para, com a mão-de-obra de reclusos, executarem o trabalho”, explicou, sustentando: “Parcerias importantes, que poderia haver mais.”

De acordo com Sónia Carvalho, o trabalho remunerado é o que faz mais diferença na vida de um recluso. Alguns deles, com esse dinheiro, pagam indemnizações às vítimas e aos tribunais. “Eles precisam de ter dinheiro, como qualquer pessoa, para sair em liberdade e, por isso, é uma mais-valia”, afirmou, recordando que a sociedade ainda tem “algum estigma” para com os reclusos. “Compete também aos reclusos, que estão reinseridos na sociedade, que não voltem a delinquir. Isso é importante, para que as pessoas voltem a ganhar confiança. Ou seja, requer um esforço de ambas as partes”, defendeu.

Passados tantos anos, o estabelecimento prisional de Viana do Castelo tem vindo a mudar, “embora seja lentamente”. “Os reclusos que quiserem podem ter, praticamente, o seu dia-a-dia ocupado, e isso é a grande mudança que sentimos no estabelecimento prisional, porque isso repercute-se até no aspeto da paz social. Ou seja, na harmonia e na ordem de um estabelecimento prisional, porque estão ocupados” disse, assegurando: “Não há tanta conflitualidade. Logo, há menos processos disciplinares. E isso repercute-se no tratamento do processo de tratamento penitenciário e, depois, na avaliação que iremos fazer quando forem os conselhos técnicos com juízes. Estes aspetos serão tidos em conta nas suas penas.”

O feedback dos reclusos é “positivo”. “Eles preferem estar ocupados, porque o tempo custa menos a passar. A atividade laboral é importante do ponto de vista da remuneração, mas também na aquisição de uma nova competência”, acrescentou, exemplificando: “Neste momento, estão a cozer sapatos e a fazer redes de pesca. A maior parte nunca tinha feito isso. Estão a aprender.”

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