Especialistas defendem que literacia em saúde exige sociedade preparada e políticas integradas

Especialistas portugueses destacaram que melhorar a literacia em saúde envolve muito mais do que transmitir informação: requer ética, justiça, políticas públicas e criação de condições reais para que a população possa aplicar os conhecimentos no dia a dia. Esta foi uma das mensagens centrais do II Encontro da Rede Académica de Literacia em Saúde (RALS), que reuniu académicos, profissionais de saúde, autarquias e escolas em Viana do Castelo.

Micaela Barbosa
13 Nov. 2025 5 mins

Na sessão de abertura, Ana Rita Pedro, coordenadora da RALS, sublinhou os desafios da atual “era marcada pela abundância de informação, mas também pela complexidade da sua interpretação”. Para a especialista, desenvolver competências de literacia em saúde é essencial não apenas para reduzir desigualdades, mas também para fortalecer a cidadania e a participação ativa na sociedade.

Já Ana Escoval, membro da equipa coordenadora, enfatizou que “a força da saúde está nas parcerias, nomeadamente com as autarquias”. “A literacia em saúde organizacional é efetivamente algo muito importante e se calhar não pensamos nesta componente tanto quanto pensamos nas componentes mais da doença, ou da saúde, ou da promoção ou da prevenção”, alertou. 

Durante o encontro, a professora Rafaela Rosário, da Universidade do Minho, explicou que promover a saúde é uma responsabilidade das organizações, não apenas dos indivíduos. “O indivíduo está inserido em múltiplos sistemas, e é neste nível que surge o conceito de literacia em saúde organizacional”, explicou, considerando que “a mudança é possível, mas exige o envolvimento de toda a comunidade”.

Rosinda Costa, da Unidade Local de Saúde do Alto Minho, defendeu que a literacia em saúde começa dentro das próprias organizações de saúde. Para a especialista, “cuidar de quem cuida” é fundamental para qualquer estratégia eficaz, transformando iniciativas pontuais em compromissos institucionais com o bem-estar dos profissionais.

Segundo a oradora, uma organização com elevada literacia em saúde funciona como “um ecossistema que respira bem-estar de dentro para fora”, refletindo-se diretamente na qualidade do cuidado prestado à população.

A nutricionista Rayana Marcela Oliveira destacou a importância da literacia alimentar, que vai além do conhecimento sobre nutrientes, envolvendo competências práticas, impacto ambiental e dimensão cultural. “É a maneira que nós temos de transmitir na prática o que é uma alimentação saudável”, explicou, defendendo que a educação nutricional deve ir além da sala de aula, alinhando teoria e prática nos refeitórios escolares.

Já Rita Rodrigues, coordenadora do projeto IMPEC+, mostrou como a literacia em saúde se transforma quando aplicada em contextos académicos. Para ela, trata-se de “participar com as pessoas”, acompanhando-as num processo de compreensão, reflexão e tomada de decisões conscientes, criando “espaços inclusivos, espaços participativos”.

Marta Marques, da Escola Nacional de Saúde Pública da Universidade de Lisboa, alertou para a necessidade de integrar a literacia em saúde com ciência comportamental e contextos reais.

Usando exemplos como o sono ou campanhas de prevenção, a oradora explicou que a informação é apenas uma peça de um quebra-cabeças maior, que inclui “capacidade, motivação e oportunidade”. Para garantir clareza e replicabilidade das intervenções, defendeu a uniformização da linguagem utilizada pelos investigadores.

O projeto “Dramaticamente: Saúde Psicológica em Cena”, apresentado por Daniel Gonçalves em Viana do Castelo, utilizou o teatro para promover competências emocionais e de comunicação numa turma de 6.º ano de um território socialmente vulnerável. “A melhor forma de chegar à mente é passar pelas emoções – e o palco pode ser um bom ponto de partida”, referiu

Lucília Nunes, do Instituto Politécnico de Setúbal, questionou a ideia de que os doentes precisam ser mais autónomos, ligando a literacia em saúde à dignidade humana. A literacia em saúde, definiu, são as “competências ou habilidades para aceder, compreender, avaliar e aplicar informação de saúde”

Recorrendo a estudos de 2004, 2013 e 2024, destacou problemas recorrentes como a incomunicabilidade, as desigualdades no acesso e a relação entre baixa literacia e piores resultados em saúde.

A oradora sublinhou ainda a importância do “respeito pela autonomia”, lembrando que esta depende de condições sociais, económicas e políticas, “Não podemos culpar a vítima”, afirmou.

Gustavo Tato Borges, médico e delegado de saúde regional do Norte, defendeu que a literacia em saúde exige criar condições reais para que os conhecimentos possam ser aplicados. “Nós podemos dar as ferramentas para [as pessoas] aprenderem competências, mas temos que olhar para a sociedade como um todo”, afirmou, alertando para limitações econômicas, de tempo e de infraestrutura que dificultam escolhas saudáveis.

O orador reforçou que estratégias puramente educativas são “insuficientes” e destacou a importância da cocriação com os cidadão. “Ouvir o cidadão, ouvir quem representa os cidadãos para trabalharmos para essas necessidades. Quando nos envolvemos nisto, vamos ter melhores resultados”, defendeu, acrescentando que permitirá a todos “atingir o seu potencial de saúde” e “precisem menos do serviço de saúde porque estão mais autónomas e sabem exatamente o que fazer”.

Inês Morais Vilaça, da Associação Nacional dos Médicos de Saúde Pública, destacou a importância de unir esforços e evitar sobreposição de projetos, defendendo que a sustentabilidade depende da capacidade de replicação. “Nós às vezes ficamos agarradíssimos aos nossos projetos porque achamos que são os nossos. E os projetos não são nossos. Os projetos têm umas práticas que são para replicar”, disse, sublinhando que a literacia em saúde só cumpre o seu papel quando integrada em políticas públicas e quando se trabalha de forma colaborativa. “Trabalhar em conjunto também com as pessoas, as políticas, para fazer acontecer”, concluiu.

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