Em Roma, à conversa com o Pe. Renato Oliveira

Renato Oliveira, natural de Areosa, tem 31 anos e é sacerdote da nossa Diocese de Viana do Castelo, tendo sido ordenado em julho de 2015. Foi diretor deste semanário “Notícias de Viana”, entre 2018 e 2020. Entretanto, também colaborou na Paróquia de Nossa Senhora de Fátima, foi membro da equipa formadora do Seminário Diocesano e professor no Colégio do Minho. No ano de 2020, o já saudoso Bispo D. Anacleto Oliveira enviou-o para Roma, a fim de estudar Liturgia, no Pontifício Ateneu de Santo Anselmo, onde se encontra rodeado de tantos sacerdotes de todo o mundo. Estando, sensivelmente, a meio deste percurso académico, o Pe. Renato recebeu alguns amigos na cidade de Roma e aproveitou esses dias para “matar” saudades daqueles que o têm no coração. Um dos seus amigos – Diogo Fernandes, colaborador deste jornal – aproveitou o momento para uma entrevista, com perguntas desafiantes, cujas respostas são agora partilhadas com os nossos leitores.

Diogo Fernandes
28 Jul. 2022 13 mins
Em Roma, à conversa com o Pe. Renato Oliveira

Notícias de Viana (NdV): Como é que alguém tão apaixonado por Viana do Castelo veio parar aqui? 

Pe. Renato Oliveira (P.R.O): De facto, é verdade que sou um grande apaixonado por Viana do Castelo. Acho que esta é uma característica muito nossa. Pode manifestar-se de modo mais claro nuns do que noutros, mas eu diria que algo que é comum aos vianenses é um “bairrismo” muito próprio, uma paixão pelas nossas raízes, pela nossa cultura, pelas nossas tradições, pelas nossas gentes. Aquilo a que chamamos a “chieira”. Contudo, isto não significa, de modo algum, que não possa e deva aceitar desafios e, sobretudo, em Igreja, cumprir missões que, sem pôr de parte este amor, apenas me fazem olhar para a cidade e para as suas gentes à distância. Portanto, diria que vim parar a Roma porque a Igreja me enviou, porque o meu Bispo assim entendeu e porque, naturalmente, aquilo que nós fazemos ao serviço da Igreja como ministros ordenados tem sempre que se antepor a tudo o resto e tudo o resto tem de ser integrado nesse mesmo serviço.

(NdV): O desafio que te colocaram foi fácil aceitar? 

(P.R.O): Foi fácil de aceitar na medida em que, apesar de eu ser padre há apenas sete anos, já tive vários desafios pela frente em áreas diversas e, naturalmente, a todos eles, com o meu dever sacerdotal, disse sim. Neste sentido, recordo-me que, na hora em que o Sr. D. Anacleto me falou, em concreto, de vir para Roma, disse imediatamente que sim, pois, se era aquilo que o meu Bispo me pedia e eu não via nenhum impedimento, aceitaria a missão confiada. Repito, foi fácil de aceitar, mas interiormente confesso que foi mais difícil. Estava ligado a várias missões, a várias instituições, na maior parte das quais era feliz, e onde criei grandes laços de amizade. Nesse momento, houve um misto de sentimentos e de pensamentos: sou padre e, portanto, faço aquilo que o meu Bispo me pede mas, interiormente, porque sou ser humano, tive algumas resistências e tive de fazer um certo “trabalho” de reflexão pessoal.

(NdV): As pizzas e as massas substituem de alguma forma as bolas de berlim da nossa terra? 

(P.R.O): Eu diria que nada substitui as bolas de berlim da nossa terra, de que eu tanto gosto [risos], nem nada do que existe na nossa terra é substituível. Cada terra é única. Uma coisa é verdade: a experiência de ir para outro país (no meu caso em concreto, vir estudar) faz-me continuar – como dizia há instantes – a valorizar muito a minha terra, mas, ao mesmo tempo, permite-me descobrir e saborear as riquezas que o mundo nos pode oferecer. Portanto, eu diria que Roma não substitui Viana; nada em Roma substitui aquilo que há em Viana. Mas espero que, na mente e no coração, Roma me traga muita coisa e, acima de tudo, muitas pessoas de todos os continentes que me façam regressar mais enriquecido a Viana do Castelo.

(NdV): Quais as maiores dificuldades que encontraste? 

(P.R.O): Confesso que vinha com alguns receios. Como disse anteriormente, aceitei com facilidade a missão, na medida em que disse imediatamente que sim, mas vinha com alguns medos… com medo de não me adaptar, com medo da exigência académica que iria encontrar, com medo da saudade de tantos que, de certa forma, deixava para trás… Bem, as coisas acabaram por se revelar mais fáceis, ou pelo menos, menos difíceis do que aquilo que eu poderia esperar. A maior dificuldade foi uma separação física, naturalmente, de algumas pessoas, a começar pelos meus pais, mas também de tantas outras pessoas de que tanto gosto, embora hoje, felizmente, haja outros meios que nos permitem estar em contacto. Mas nunca é a mesma coisa. Outra dificuldade foi deixar um ritmo pastoral intenso, como aquele que tinha e como têm praticamente todos os sacerdotes, para me dedicar quase totalmente à vida académica, voltando a passar muitas horas sentado a ler, a estudar, a trabalhar. 

(NdV): Os teus pais como viram tudo isto? E os amigos? 

(P.R.O): Apoiaram-me incondicionalmente! Os meus pais, os meus amigos olharam para “isto” com uma certa alegria. Creio que viram neste “sair do país” e “poder estudar fora do país” com pessoas do mundo inteiro e com grandes professores uma oportunidade de receber uma bagagem que me poderia ajudar a crescer.

(NdV): Pensas voltar?

(P.R.O): Esta questão nem se coloca! [risos] Perdoa-me o que vou dizer, mas, nesse aspeto, não há nada em que tenha de pensar. Fui enviado para Roma pelo Sr. D. Anacleto apenas com uma intenção: a intenção de voltar à Diocese para a tentar servir mais e melhor.

(NdV): As tuas expectativas estão a corresponder? 

(P.R.O): Admito que as minhas expectativas não eram as mais elevadas, pois levava mais receios do que expectativas. Acho que é normal em qualquer mudança e que faz parte da minha maneira de ser em particular, ainda que confie sempre na ação do Espírito. Talvez pelo facto de não trazer grandes expectativas, tenho descoberto que esta é uma experiência extremamente enriquecedora por várias razões: em primeiro lugar, porque estou com pessoas do mundo inteiro. Tenho colegas, na Faculdade, provenientes de Madagáscar, da Tanzânia, do Brasil, da China, do Japão, da Coreia, da Croácia, da Polónia, da Hungria, de Espanha, e poderia continuar aqui a enumerar…Estar todos os dias com pessoas de realidades tão diferentes e com visões de sociedade e mesmo de organização eclesial igualmente diferentes é, de facto, uma extraordinária riqueza e será, provavelmente, a maior riqueza que levarei daqui; em segundo lugar, estudar em Roma é uma oportunidade de estar com extraordinários professores, com extraordinários mestres e, obviamente, de habitar numa cidade que é verdadeiramente um museu a céu aberto. Resumindo, sem trazer grandes expectativas, as maiores riquezas que este tempo me tem dado são, de facto, o conhecimento objetivo daquilo que encontro nos livros, daquilo que se aprende nos bancos da faculdade; o conhecimento desta cidade que se tem revelado, para mim, apaixonante; e, sobretudo, o conhecimento de pessoas do mundo inteiro e, mesmo aqui na casa onde vivo (o Pontifício Colégio Português), de padres de quase todas as dioceses de Portugal com os quais percebo como, mesmo num país pequeno como o nosso, as realidades são tão diversas. Acho que tudo isto nos ajuda a crescer.

(NdV): Há muitas pessoas que pensam que estás praticamente todos os dias com o Papa Francisco…mas afinal como é o teu dia a dia? 

(P.R.O): [risos] Se há, estão enganadas. A verdade é que não. Já estive em várias celebrações com o Papa Francisco, já tive a oportunidade de o cumprimentar três vezes e estes foram, naturalmente, momentos marcantes e extraordinários! Todavia, a verdade é que vivo numa cidade onde somos cerca de oito mil padres e, portanto, como deves imaginar, o Papa Francisco, como líder da Igreja, tem tantas responsabilidades, tantos compromissos, tantas decisões a tomar, tantas pessoas para receber que não é propriamente possível estar com ele quando desejaríamos ou como desejaríamos. Claro que vivemos perto fisicamente e podemos celebrar várias vezes com o Papa Francisco (e essa é também uma das graças de estar em Roma!) mas não estou pessoalmente com o Papa com frequência como é evidente. Sou um simples sacerdote, no meio de milhares, a cumprir a minha missão de estudar e, portanto, essa é a minha principal ocupação. O meu dia a dia é o quotidiano de um estudante, sem me esquecer que sou, acima de tudo, sacerdote. Recordo-me que, quando cheguei aqui a Roma, numa sessão de acolhimento, um cardeal nos disse: «vós não estais cá apenas para estudar, mas para crescer na santidade através do estudo». Portanto, diria que o meu dia a dia é, sobretudo, dedicado aos estudos e à Faculdade, mas também dedicado à oração, dedicado à celebração da Eucaristia, dedicado à vida em comunidade sacerdotal, dedicado, quando é possível, a aproveitar para conhecer este ou aquele museu, esta ou aquela igreja, para ir a este ou aquele espetáculo. 

(NdV): Quando chegaste, o sentimento foi de responsabilidade ou de superioridade para com os outros padres?

(P.R.O): Porque haveria de ser de superioridade? Vir estudar para Roma não é uma promoção. Aliás, na Igreja, não há lugar para promoções. Diria até que habitar nesta realidade nos pode fazer sentir (vou colocar entre muitas aspas) uma certa “inferioridade”. O que eu quero dizer é que, num ambiente mais “pequeno” como aquele onde eu estava e ao qual quero muito voltar, às vezes – ainda que, felizmente, cada vez menos –, pode haver um certo reconhecimento social da figura do sacerdote que nos faça cair no perigo de não enquadrar bem a nossa missão. Aqui, no meio de milhares de padres, sentimo-nos “menos centrais” do que, porventura, podemos pensar. O facto de estar todos os dias com tantos sacerdotes faz-me pensar nesta dupla realidade: ajuda-me a perceber que tenho muito a dar à Igreja, que a Diocese está a investir em mim e, portanto, tenho obrigação diária e responsabilidade diária de dar o melhor de mim; mas, ao mesmo tempo, faz-me perceber que sou apenas um no meio de tantos e tantas (e não falo apenas de padres, falo de tantos leigos e leigas) que, no mundo inteiro, se dão completamente à Igreja. Neste sentido, viver numa realidade tão grande como esta, longe de criar qualquer sentimento de superioridade, faz-nos sentir um bocadinho o contrário: pelo menos, a mim, fez-me sentir – e peço ao Senhor que assim possa continuar a conceder-me esta graça – que sou mais pequenino do que aquilo que, às vezes, poderia ser tentado a pensar que sou.

(NdV): O que trouxeste na “mala”? 

(P.R.O): Em sentido literal, trouxe aquelas coisas essenciais: algumas roupas, alguns livros que saberia que seriam fundamentais, nomeadamente livros de oração. Mas trouxe, sobretudo, algumas incertezas (porque acho que não há mudança sem incerteza e sem algum receio), ainda que sempre acompanhadas da fé, da esperança, da confiança, pois não estava aqui por minha iniciativa, mas colocado pela Igreja, ouvindo a voz do meu Bispo, habitado pelo Espírito Santo. Neste sentido, vim para cá, verdadeiramente, com um misto de sentimentos, pensando naquilo que porventura deixava para trás, ainda que provisoriamente, mas ao mesmo tempo tentando fazer este esforço, que nem sempre é fácil, de me abrir todos os dias ao sopro do Espírito e deixar  que Deus faça, de facto, aquilo que Ele julga ser mais conveniente.

(NdV): Quando estás longe fisicamente, alguns afastaram-se?(P.R.O): Há bocadinho falei daquilo que Roma me está a trazer. Falei das pessoas novas que conheci, quer do meu país quer de vários países, falei dos professores extraordinários que tenho conhecido, falei da cidade que é, de facto, este museu, mas… além disso tudo, Roma tem-me trazido uma coisa absolutamente fantástica que é sentir esta proximidade, esta amizade, esta ligação daqueles que, de facto, estão na tua vida. Eu até posso dizer que sou muito feliz e muito grato, naturalmente e em primeiríssimo lugar pela minha família, mas também porque os amigos que eu fiz ao longo de vários anos (no secundário, nas diferentes missões pastorais que cumpri e noutras áreas da minha vida) têm sido para mim uma presença constante. Quando estamos fora, recebemos diretamente aquilo que (pelo menos é o que eu estou a sentir em Roma) este lugar nos dá, mas também aquilo que aqui nos vai permitindo, ao longe, viver, de outra forma, o lugar que deixámos para trás. Neste sentido, diria que sou muito feliz também pela amizade, pela presença que sinto daqueles que, de facto, fazem parte da minha vida! Digo muitas vezes isto: o meu telemóvel começou a tocar bastante menos desde que vim para Roma, naturalmente porque não temos outra responsabilidade a não ser estudar mas, por norma, quando toca é apenas para nos perguntar se estamos bem, para partilhar alguma coisa, para sentir os amigos perto. E isso é um dom. Eu não senti, de maneira nenhuma, o afastamento daqueles que são as pessoas mais importantes da minha vida. Tive até oportunidade, apesar da pandemia, sobretudo neste segundo ano que aqui estou, de receber em Roma algumas pessoas de quem gosto muito, nomeadamente cada um de vós – Diogo, Laura, Catarina, Ana, Joana – e digo-vos que é uma sensação extraordinária poder abraçar os “meus” depois de tanto tempo longe fisicamente.

Tags Entrevista

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