Dois terços da população mundial vivem sem liberdade religiosa, alerta relatório da Fundação AIS

O Arciprestado de Arcos de Valdevez acolheu a apresentação do relatório “Liberdade Religiosa no Mundo 2025”, elaborado pela Fundação Ajuda à Igreja que Sofre (Fundação AIS) que documenta situações de perseguição e discriminação religiosa em 196 países. Segundo o estudo, cerca de 62 países apresentam graves violações da liberdade religiosa, com destaque para China, Irão, Nigéria e Síria. Entre as causas estão autoritarismo, violência jihadista, nacionalismo religioso e crime organizado.

Micaela Barbosa
20 Nov. 2025 5 mins

Na abertura do evento, o  jornalista da Fundação AIS, Paulo Aido, sublinhou a importância de sensibilizar a comunidade local para uma realidade global preocupante. “Hoje estamos aqui reunidos para refletir sobre uma realidade que nos desafia a todos. Esta apresentação não é apenas estatística, é um convite a agir, a não ficar indiferente à violação de direitos fundamentais que afeta milhões de pessoas”, afirmou.

A diretora da Fundação AIS em Portugal, Catarina Martins Bettencourt, apresentou os principais dados do relatório e indicou que dois terços da população mundial vivem em países onde não há liberdade religiosa, incluindo 24 nações em situação de perseguição, com violências graves e sistemáticas, e 38 países classificados com discriminação, onde os direitos religiosos são restringidos de forma sistemática, mesmo sem repressão violenta.

Entre os países sob vigilância, encontram-se o Egito, o México, a Turquia e o Vietname. “Num mundo marcado pela instabilidade, desde a guerra na Ucrânia até à escalada do autoritarismo global, a liberdade religiosa está cada vez mais ameaçada”, explicou, destacando que milhões de pessoas foram forçadas a migrar devido à intolerância religiosa, e que a inteligência artificial tem sido usada como ferramenta de repressão em países como China, Coreia do Norte e Paquistão.

Catarina Martins Bettencourt enfatizou ainda o impacto específico sobre mulheres e meninas de minorias religiosas, muitas vezes sujeitas a raptos, conversão forçada e violência sexual.

O estudo documenta ainda um aumento significativo nos crimes de ódio antimuçulmanos e antissemitas, sobretudo após o ataque a Israel em outubro de 2023, com França a registar um aumento de 1.000% nos atos antissemitas e 29% nos ataques contra muçulmanos. “Estes dados não podem ser ignorados. Cada um de nós tem o dever de partilhar esta informação, de orar por quem sofre e de agir, mesmo que seja começando por dar a conhecer a realidade às pessoas à nossa volta”, concluiu.

O Pe. Hugo Alaniz trouxe o testemunho da situação em Alepo, na Síria, ilustrando o impacto concreto das estatísticas do relatório. “Viver aqui significa enfrentar diariamente uma liberdade religiosa que é quase uma miragem. Os cristãos da nossa comunidade lidam com restrições constantes, insegurança e ameaças, e isso molda todas as decisões da vida quotidiana”, contou.

Missionário argentino há 30 anos no Médio Oriente, Pe. Hugo Alaniz relatou os desafios enfrentados por comunidades cristãs em Alepo, Jordânia, Egito e outros países da região. “Até hoje, no sul do Egito, meninas cristãs são raptadas por uma noite; se não se converterem, a família sofre humilhação pública. Em Alepo, muitas famílias vivem com medo constante, mas mantêm a fé”, referiu.

O missionário descreveu ainda episódios “dramáticos” de guerra, raptos e violência jihadista, destacando a atuação da Igreja e da Fundação AIS em apoiar famílias, distribuir alimentos, fornecer cuidados médicos e manter atividades pastorais. “O salário de uma professora é de apenas 30 euros, e uma família precisa de 350 a 400 euros por mês para não viver na pobreza. Não há eletricidade todo o dia, e os produtos básicos são escassos. A Igreja ajuda, mas a situação continua difícil”, afirmou.

No final do seu testemunho, o Pe. Hugo Alaniz deixou três apelos: “Acreditem na missão da Igreja. Orem pela paz e pelos que não têm as mesmas possibilidades que nós. E sejam melhores católicos, porque a fé manifesta-se nas nossas ações, que abençoam outras pessoas.”

D. João Lavrador, Bispo da Diocese de Viana do Castelo, também marcou presença no evento e reforçou a importância de ouvir estes testemunhos, não apenas como “relatos de sofrimento”, mas como “interpelações práticas à vida diária”. “Não basta apenas olharmos para outros continentes, para dramas maiores. Temos que olhar para nós, para o nosso Cristianismo, para o que fazemos da vontade de Deus no nosso dia a dia. É nas pequenas escolhas, nos gestos de solidariedade, na forma como vivemos a nossa fé nas famílias, nas comunidades, no trabalho, que se manifesta a nossa fidelidade”, disse, salientando que “a Igreja não é apenas uma instituição distante, mas uma rede de cuidado concreto”. “A vida cristã está no dia a dia: nas famílias, nas relações, na justiça, na ajuda aos mais frágeis. A indiferença é um problema global, e ser cristão significa enfrentar essa realidade”, acrescentou.

A sessão terminou com uma eucaristia na Igreja Matriz de Arcos de Valdevez. O prelado convidou os fiéis a traduzirem a fé em gestos concretos no dia a dia. “Necessitamos do povo, necessitamos do abraço, da comunidade… Para sermos portadores de algo, não nos desfalecemos uns aos outros”, afirmou, defendendo a importância de assumir responsabilidades pessoais, cuidar dos mais próximos e praticar a solidariedade nas pequenas ações cotidianas. 

Tags Religião

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