Divertidamente 2, ou como explicar a sinodalidade a totós 

João Basto
27 Set. 2024 3 mins

O campo da educação emocional é um terreno extremamente armadilhado. A dificuldade em falar de sentimentos sem cair no lugar comum ou no discurso motivacional é um dos problemas que tem aumentado esta tragédia. À partida, Divertidamente 2 – uma história que se desenvolve através de uma personificação das emoções, retratando a sua interação dentro do nosso mundo interior – tinha tudo para dar errado, ainda para mais considerando que se trata de uma sequela, mas o filme finta cada um dos obstáculos e consegue vencer sem deixar o mínimo ponto de discussão do seu mérito.

Em nada ele é aquilo a que a Disney tem consentido. Não há politicamente correto, doutrina de cancelamento ou diversidade artifical. É verdade que nem sempre o comercial pode exibir pergaminhos de qualidade, mas se não existe regra sem excepção, está é claramente uma delas. E, merece ser celebrada como tal: o filme mais visto nos cinemas em Portugal em vinte anos.

Talvez desde Toy Story que a Pixar não tinha um golpe tão bem conseguido. A sequela continua a apresentar Riley, mas desta vez sujeita às transformações próprias da adolescência. O enredo marca essa mudança com a entrada de quatro novas emoções no elenco. À alegria, à tristeza, ao medo, à raiva e à repulsa, junta-se, agora, a ansiedade, a inveja, o tédio e a vergonha.

Será que a vida resiste à adolescência? Será que a alegria sobrevive à mudança? O que realmente somos, no meio do turbilhão e da tempestade? Divertidamente 2 é sobre estas perguntas. A quem o vê, acaba por sossegar uma nostalgia da infância perdida ou insatisfeita, que talvez seria importante até para os traumas de Fernando Pessoa. Mas Divertidamente é, também, sobre as tensões do mundo, sobre o que vem primeiro – se a graça ou o pecado -, e sobre a cultura de reconciliação.

A Pixar tinha duas soluções em cima da mesa, para descomplicar a narrativa: exaltar as emoções da infância em detrimento das que chegam com a aproximação da adultez, ou desprezar a utilidade das primeiras premiado as segundas. Felizmente, o estúdio americano saltou a grande velocidade esse beco sem saída.

Tal como acontece com Riley, nenhum de nós, a história, o Estado ou a sociedade, vive sem traumas. A tentação que algumas personagens têm em criar um universo sem más memórias, cedo mostra a sua insuficiência. Mas, do mesmo modo acontece com o policiamento do futuro, da novidade e do improviso e com o medo de que tudo termina se “o plano” não for cumprido à risca. No encadeamento do filme é claro: passado e futuro levam quem habitam à destruição se não forem capazes de se transformar em algo novo. Mais que não seja, aprendemos alguma coisa sobre sinodalidade.

Fotografia: Pixar

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