Visível a quilómetros de distância, o Monte de Santa Luzia, em Viana do Castelo, ergue um dos mais belos Santuários: o do Sagrado Coração de Jesus. No passado dia 11 de junho, a Diocese de Viana do Castelo celebrou a Solenidade do Sagrado Coração de Jesus com um encontro de Zeladores, promovido pelo Apostolado de Oração, e uma Eucaristia, presidida pelo Administrador Diocesano, Mons. Sebastião Ferreira. Em conversa com o Notícias de Viana, o Reitor do Santuário do Sagrado Coração de Jesus, Pe. Albino Fonseca, e o Presidente da Confraria de Santa Luzia, Pe. Armando Dias, revelaram a importância do Santuário, relembrando a sua história e recordando as dificuldades que a covid-19 trouxe à igreja.
O Pe. Albino Fonseca é presbítero desde 1958 e foi Pároco nas Paróquias Vilar de Murteda, Montaria e Nogueira, no Arciprestado de Viana do Castelo. Em 2019, foi nomeado Reitor do Santuário do Sagrado Coração de Jesus pelo Bispo D. Anacleto Oliveira.
Notícias de Viana: Qual a origem do Santuário do Sagrado Coração de Jesus?
Pe. Albino Fonseca: O culto original começou com a invocação de Santa Águeda e da Senhora da Abadia. Depois juntou-se a devoção a Santa Luzia e, por último, ao Sagrado Coração de Jesus.
Em 1664, dá-se a reedificação da capela de Santa Águeda; em 1712, a ampliação da ermida da Senhora da Abadia, com altar lateral dedicado a Santa Luzia; em 21 de agosto de 1894, foi levada a cabo a primeira Peregrinação em honra do Sagrado Coração de Jesus, sendo a segunda em 22 de junho de 1895.
As obras para a construção do templo foram progredindo entre 1904 e 1910.
A 18 de agosto de 1918, a cidade foi consagrada ao Sagrado Coração de Jesus e foi feita a promessa de, se a gripe pneumónica passasse, vir em peregrinação todos os anos a este local.
NV: De que modo o Santuário – por via de que serviços, iniciativas, etc – desenvolve a evangelização?
PAF: Pela dimensão pastoral e caritativa. A Eucaristia diária, e duas vezes ao Domingo, a proclamação da Palavra de Deus, a celebração do Sacramento da Reconciliação e atendimento de direção espiritual, celebrações do Batismo e do Matrimónio e ainda as Bodas Matrimoniais são disso testemunho. Anualmente, são celebradas as festas do Sagrado Coração de Jesus, seguida da Peregrinação, e a de Santa Luzia; ambas com grande afluência de pessoas.
Podemos ainda juntar as diversas peregrinações organizadas por grupos ou movimentos.
Também o Movimento do Apostolado da Oração tem aqui o seu Centro Diocesano.
Nos nossos espaços dispomos de várias estruturas, desde a paisagem sobre a cidade de Viana do Castelo, o interior do Santuário, a Capela de Adoração e Reconciliação, etc., ao serviço dos turistas e peregrinos. Sempre que um grupo em visita deseja celebrar a Eucaristia ou realizar algum momento de oração nos espaços sagrados, fá-lo-á, se devidamente solicitado.
Além disto, temos as habituais celebrações inclusive matrimoniais e batismais. Celebra-se a Missa dominical às 11h00 e às 16h00, e Missa semanal, de terça a sábado, às 16h00. Às quartas, sextas, sábados e Domingos faz-se a Exposição do Santíssimo, das 13h00 até um pouco antes da Missa. Quando há um grupo de pessoas, reza-se o terço do Rosário.
As confissões são possíveis, a pedido de quem aparecer, das 13h30 até antes da Missa.
Suspensa durante a pandemia está a Via-Sacra, programada para as últimas sextas-feiras mensais e todos os Domingos quaresmais, às 15h00.
NV: De que modo a pandemia afetou esta ação?
PAF: Uma dimensão muito prejudicada pela pandemia é a dimensão caritativa. Sem qualquer receita em muitos meses, não foi possível exercer a solidariedade e partilha nos moldes habituais, nomeadamente na partilha com a Diocese, as Conferências Vicentinas, as ajudas para algumas iniciativas pastorais.
O Pe. Armando Rodrigues desde 11 de Julho de 1987 é, atualmente, pároco de Santa Maria Maior (Sé Catedral), Vigário Judicial adjunto do Tribunal Eclesiástico e delegado para o Clero. Desde Dezembro de 2018 é Comissário da Confraria de Santa Luzia.
NV: Qual é a origem da peregrinação ao Sagrado Coração de Jesus?
PAD: A origem da peregrinação ao Sagrado Coração de Jesus, concretamente na cidade de Viana do Castelo, é fruto do acolhimento do movimento e dinamismo resultante das aparições de Cristo a Santa Margarida Maria Alacoque.
Na cidade, tal devoção encontrou um total apoio nos “Padres Crúzios” que possuíam o seu convento onde hoje está situada, mais ou menos, a estação dos caminhos-de-ferro. Foram eles que impulsionaram muito esta devoção, criando uma associação do Sagrado Coração de Jesus, a oitava do país. Depois de extinto o convento esta associação que contava com muitos membros passou a sua sede para a antiga Igreja de Monserrate e, posteriormente demolida a igreja paroquial de Monserrate, passou para o Convento de Santa Cruz. Ali se centralizou o Apostolado da Oração e a devoção ao Sagrado Coração de Jesus.
É evidente que a riqueza que emanava de uma melhor compreensão do Mistério de Cristo encontrou expressões multifacetadas, a nível humano e religioso, possibilitando uma grande renovação na Igreja e na sociedade. Tal aportou ainda uma lufada de alegria e apostolado profícuo. Assim a cidade também fervilhou nesta devoção organizando atividades e manifestações de fé.
A vida humana é uma aventura maravilhosa mas cheia de perigos e obstáculos. E um dos perigos foi a “pneumónica”. As crises e as dificuldades interpelam e exigem respostas profundas sobre o sentido da vida. Assim esta devoção ganhou muita expressão. O povo uniu-se, na expressão de fé ao Senhor, para que lhe desse sabedoria, inteligência e capacidade para enfrentar os desafios que a nova pandemia trazia e, a partir de 1918, a peregrinação começou a realizar-se todos os anos, excepto em 1919 e 1920, por causa da pandemia. Tendo sido retomada nos anos seguintes, não se realizou em 2020 e 2021 devido a outra pandemia Covid 19.
NV: Tendo a peregrinação sido originada num contexto pandémico, como é que ela pode ser significativa neste momento?
PAD: Em primeiro lugar porque pode despertar a descoberta da beleza da vida. A vida é um dom maravilhoso. Os perigos que ela encontra, com a nossa inteligência, os nossos recursos, e com a ajuda de Deus, devem encontrar maneiras, formas e soluções de se tornar ainda mais digna, mais bela e mais humana. Pois contemplando a beleza do Coração de Cristo que se fez Homem, descobrimos a beleza da nossa própria Humanidade. Caminhar e subir em peregrinação, no nosso contexto, é saborear contemplando a beleza da criação, a beleza de um povo unido, a beleza da pessoa humana.
Em segundo lugar perceber o amor que Jesus Cristo tinha pelas pessoas. E neste contexto como é importante o amor a cada pessoa e como ela deve estar no centro das grandes preocupações, iniciativas e projetos. E a pandemia exige esta correta visão.
Em terceiro lugar a capacidade de ler a nossa fragilidade com um olhar diferente. Pôr de lado uma arrogância pseudointelectual do super-homem. E descobrir a necessidade que temos do outro, mesmo daqueles que pouco são valorizados. Tal leitura também permitirá descobrir o nosso verdadeiro lugar e a verdade das relações. E partir para o acolhimento, o cuidado e a partilha. E tudo começa pela partilha do pequeno e do simples: um cântico, uma mão, uma ajuda, um comungar em silêncio, uma partilha…
Quarto lugar uma leitura sobre o sofrimento humano. Esse mistério da dor! Esse sofrimento e dor que afetou a tantos diretamente e muitos outros indiretamente. Dessa dor imensa emergiram tantos corações: para curar, para cuidar, para consolar, para orar. Os que morreram legaram-nos suas vidas. Ensinaram-nos como enfrentar, como cuidar, como curar! E foi isso que Jesus nos ensinou: o sofrimento como expressão máxima de amor, de entrega e de vida.
Em quinto lugar um despertar para a dimensão ecológica. A nossa saúde também tem a ver com a natureza. E a natureza do ponto de vista da peregrinação é algo exuberante. Ela se expressa como uma manta belíssima, mas a exigir proteção, cuidado, respeito. Também como incentivo a viver uma vida saudável, de harmonia com a natureza. Daí a riqueza da “laudato si” a exigir o nosso compromisso para cuidarmos da nossa casa comum.
Em sexto lugar viver na dimensão da gratidão. Esta pandemia veio recordar que somos corresponsáveis uns pelos outros, somos irmãos. Não podemos viver isolados, egoisticamente fechados. Só somos capazes de superar as crises com a capacidade de amar, de compreender o outro, de ajudar, de partilhar e de cuidar dos mais frágeis e vulneráveis. Quantas pessoas estão empenhados nisto? “ No meio da crise que nos afeta, que «as nossas vidas são tecidas e sustentadas por pessoas comuns (habitualmente esquecidas), que não aparecem nas manchetes dos jornais e revistas, nem nas grandes passarelas do último espetáculo, mas que hoje estão, sem dúvida, a escrever os acontecimentos decisivos da nossa história: médicos, enfermeiras e enfermeiros, trabalhadores dos supermercados, pessoal da limpeza, curadores, transportadores, forças policiais, voluntários, sacerdotes, religiosas e muitos – mas muitos – outros que compreenderam que ninguém se salva sozinho. (…) Quantas pessoas dia a dia exercitam a paciência e infundem esperança, tendo a peito não semear pânico, mas corresponsabilidade! Quantos pais, mães, avôs e avós, professores mostram às nossas crianças, com pequenos gestos do dia-a-dia, como enfrentar e atravessar uma crise, readaptando hábitos, levantando o olhar e estimulando a oração! Quantas pessoas rezam, se imolam e intercedem pelo bem de todos” Papa Francisco, Patris Corde.
NV: E é isso que tem sentido no contacto com a comunidade?
PAD: Na comunidade têm-se sentido sinais muito positivos. Desde sinais muito simples: uso da máscara, higienização, distanciamento, mas preocupação pelo outro. Depois temos casos concretos de pessoas que, não obstante terem poucos meios, estão preocupadas com os outros e vontade de ajudar e partilhar.
Noto que existe uma descoberta muito positiva do valor da vida, do valor dos outros e do valor da partilha. Há também casos de quem foi interpelado pelas grandes questões da vida e o seu sentido. Sim quem gosta de viver como buscador do grande sentido e fundamento da existência foi tocado positivamente. Quem na vida nunca procurou razões mais profundas continuou a refugiar-se nos anestésicos habituais.
NV: Retomando a devoção ao Sagrado Coração de Jesus, qual é o núcleo da proposta desta mesma devoção?
PAD: Antes de mais, a proposta é a descoberta de Deus, um Deus que nos dá razões profundas, um Deus que se revela, um Deus que se faz Homem e ilumina o sentido mais profundo da vida. Aliás a sua mensagem mais gritante: “ Eis o Coração que tanto tem amado as pessoas e encontra tantas ingratidões”. É pois um Deus simples, próximo, amigo. Um Deus que pelo seu amor nos faz crescer com maturidade humana e cristã. Um Deus que nos faz o desafio da sabedoria das bem-aventuranças. Que nos faz descobrir o outro como um irmão, bem próximo, sem barreiras, fronteiras, preconceitos ou medos. Um Deus que faz propostas de servir, de amar, de perdoar. Um Deus bem-humorado, sorridente, acolhedor. Um Deus que faz de nós um Povo que se edifica pela sua entrega. Um Deus que nos interpela na mesma entrega por todos, pela sociedade, pelo mundo. O Coração de Cristo espera e deseja que o nosso coração seja semelhante ao d’Ele.
NV: Enquanto Comissário da confraria, qual é o papel da confraria no contexto do santuário?
PAD: A confraria tem várias dimensões: religiosa, caritativa, cultural, ecológica, acolhimento.
Pretende-se que o Santuário seja um centro de vivência autenticamente cristã, ajudando a assumir a vida e os seus desafios de forma concreta, oportuna, nas fontes mais genuínas da Palavra de Deus, dos Sacramentos e do verdadeiro Magistério da Igreja. Que ajude ainda a interpretar os sinais dos tempos com a visão do Evangelho.
Pretende também que as suas valências e pessoas que estão ao seu serviço concorram para o bem de todos os que se aproximam do mesmo Santuário para visitar, para celebrar, para contemplar e para descansar.
Pretende também zelar pelo património edificado, sua valorização, e corresponder com aquelas obras que são exigência natural da sua vocação e missão. Pretende ainda retomar com mais intensidade a correspondência com pessoas e instituições mais carenciadas. E pretende valorizar e potenciar a dimensão ecológica.
NV: Quantas pessoas estão envolvidas na confraria?
PAD: No Verão, em altura de maior afluência, cerca de 20 pessoas. Nos tempos menos frequentados um total de 16 pessoas. Contamos também com o apoio das Irmãs Missionárias do Santíssimo Sacramento e de Maria Imaculada. E ainda com um grupo de leigos colaboradores no Comissariado e em alguns sectores da vida litúrgica.
NV: E que desafios encontraram em 2020, com a pandemia?
PAD: Procuramos vivenciar a serenidade e a paz. Depois levar essa serenidade e paz aos nossos funcionários garantindo-lhe o apoio. Procuramos cumprir rigorosamente com as regras que foram publicadas. Nos períodos críticos o encerramento total de todas as instalações, conforme as indicações da Direção Geral de Saúde e das autoridades locais.
Por outro lado encontramos, e ainda bem, o apoio do governo no lay-off dos nossos funcionários. Assim fomos resolvendo estes problemas de maneira justa e equilibrada.
NV: E quais são as perspetivas de futuro, neste momento?
PAD: São muitas. É uma pena que toda a envolvente ao Santuário do Sagrado Coração de Jesus, todo o monte de Santa Luzia, não seja alvo de uma grande intervenção. Há quantidade de pessoas que por aqui passam, e de tantos países, todo este espaço merecia ser magnificamente tratado! Com o mesmo nível que outros espaços da cidade! A afluência de peregrinos e visitantes é muito grande. E a ainda a acentuar a obra do magnifico hotel, e da citânia!
Outra preocupação é pagar o empréstimo que se contraiu para a realização do Albergue. E ainda faltam muitos milhares. Tal divida quase impossibilita pensar noutras obras. E precisamos de resolver as infiltrações na cúpula e paredes do Santuário.
Outra perspetiva é o arranjo do “parque das tílias”. Está bastante degradado e não condiz com a condição de todos o espaço.
NV: Qual a importância do templo ter o estatuto de Santuário?
PAD: O templo é santuário desde há muito tempo. O Povo e a vida o assumiu desde há muito como Santuário. Nesta linha, o senhor D. Anacleto, quis deixar em Decreto e de forma clara, o fato próprio deste Templo: Santuário do Sagrado Coração de Jesus. Toda a construção é um louvor ao Sagrado Coração de Jesus.
E posteriormente, o senhor D. Anacleto, encetou o processo para elevar este Santuário a Basílica Menor. D. Anacleto se empenhou muito neste processo e deu os primeiros passos pedindo à Conferência Episcopal Portuguesa a aprovação inicial. E obteve essa aprovação por unanimidade. Com a sua morte, tragicamente inesperada, quase tudo ficou parado aguardando pelo novo bispo.
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