Paulo Alves tem 25 anos e é natural da Paróquia da Correlhã, no Arciprestado de Ponte de Lima. Fez o seu estágio pastoral nas Paróquias de Perre e de Outeiro e, neste momento, encontra-se na Paróquia de Nossa Senhora de Fátima, todas no Arciprestado de Viana do Castelo, como diácono. No dia 8 de novembro será ordenado padre e o Notícias de Viana quis perceber o que representa esse passo na sua caminhada vocacional.
Por que razão entrou no Seminário após terminar o secundário?
O desejo de satisfazer a curiosidade de conhecer uma realidade que, desde a infância, me provocava certo fascínio. Esta foi, sem sombra de dúvida, uma das motivações que me fez entrar no Seminário. Isto porque, na infância mais remota, desenvolvera no meu pensamento a vontade de querer ser padre, vontade que se foi desenvolvendo ao longo dos anos seguintes. Contudo, mesmo que ocasionalmente tivesse mais força, nunca se traduziu numa interpelação mais séria. Essa realidade que referi acima traduziu-se no meu imaginário pela vida sacerdotal, sobretudo na sua dimensão litúrgica, por meio da qual contactava, mais visivelmente, com a figura do presbítero. No entanto, até ao final do secundário, nunca adquiriu força suficiente para que fizesse parte do meu projeto de vida. Durante essa etapa do ensino perspetivava seguir o curso de Direito, a ponto de julgar que a minha realização pessoal passaria por esse rumo. Até que, ao longo do 12° ano, me vejo mergulhado em dúvidas. Isto porque já tinha visitado o Seminário diocesano e contactado com a comunidade cujo espírito de companheirismo me agradou imenso, assim como pelo fascínio que a memória fresca do Pe. Lourenço, um familiar capuchinho falecido no ano anterior, cada vez mais me provocava, dada a alegria serena e contagiante que possuía, mesmo perante as maiores dificuldades. Face a isto, aquele pensamento tão antigo de querer ser padre passou a fazer parte do quotidiano, agora com um novo sentido, o de uma vida doada ao serviço. Embora fossem muitas as dúvidas e poucas as certezas, receando perder uma oportunidade única, optei por arriscar e fazer experiência de Seminário por um ano. Entrei, por isso, também com a finalidade de discernir se aquela inquietação se tratava de um mero sonho de infância que persistia, ou se de facto era o Senhor que me estava a interpelar para a vida presbiteral.
Quando e como percebeu a sua vocação? Como caracteriza o apelo que sentiu?
Embora tivesse, desde a infância, uma certa interpelação, a verdade é que apenas comecei a sentir-me vocacionado para a vida sacerdotal mais tarde e posso precisar dois momentos cruciais. O primeiro momento aconteceu por volta dos 14 anos, por meio de um familiar – a tia-bisavó Lurdes, irmã do Pe. Lourenço –, que afirmava acreditar que eu possuía vocação para a vida religiosa ou sacerdotal. Posso dizer que ela foi a minha primeira diretora espiritual pois, nos nossos encontros, ela fez-me compreender como o Senhor nos vai interpelando a partir de pequenos sinais do quotidiano. O segundo – e que foi aquele que me colocou definitivamente perante a interrogação – teve o seu lugar já aos 16 anos, quando, no entardecer de um sábado veranil, uma senhora que então desconhecia – a irmã Lurdes – me abordou no adro da igreja e questionou se já tinha “pensado em entrar no Seminário”. Sem me deter a pensar, respondi que sim, o que a levou a contactar o meu Pároco, Pe. José Vilar, e um seminarista, hoje Pe. Bruno, o qual me foi acompanhando. Foi uma mera coincidência – porém, que julgo ter sido providencial – mediante a qual começou a germinar no meu pensamento, ainda que de forma incipiente, a dúvida: curso de Direito ou Seminário?
Depois destes anos de formação, o que destaca? Quais as maiores dificuldades que encontrou, e quais os momentos de maior entusiasmo pelos quais passou?
Sem qualquer tipo de pretensiosismo, confesso que as recordações do período do Seminário – e da Faculdade – me despertam um misto de gratidão e saudade, não só pelos momentos em que vivi e partilhei a alegria do companheirismo e dos sucessos, mas também pelos períodos de maior desafio e dificuldade, os quais foram alavanca para uma mudança frutífera na forma de me entender e estar comigo, com Deus e com os outros. Neste âmbito, saliento a tremenda dificuldade em estar longe da família. Recordo, pois, dos primeiros tempos, uma certa angústia que me invadia aos Domingos à tarde, quando tinha de regressar a Braga. Constituiu, de facto, uma tremenda luta, não porque a tivesse de abandonar, mas sim porque era necessária uma nova forma de presença que me tornasse mais disponível para o serviço ao Seminário como, mais tarde, à Igreja. Outra dificuldade que encontrei, residiu no receio abismal de ser incapaz de obter sucesso nos estudos de teologia e não me refiro ao aspeto da avaliação quantitativa, mas ao âmbito mais alargado da capacidade de compreender e refletir o saber teológico, pois, na altura, tudo era novidade. Por sua vez, tenho bem guardados certos momentos de íntima alegria. Um deles era estar defronte do Sacrário da capela Árvore da Vida, um espaço mesmo no coração geográfico do Seminário, cuja configuração possibilitava um silêncio profundo e inquietante. Outros momentos de satisfação, encontro-os no companheirismo entre colegas, não apenas na vertente do acompanhamento e ajuda mútua, especialmente quando alguém ultrapassava um momento menos positivo, como, de forma especial, naqueles eventos propiciados pelo grupo de cantares, em que, ao ritmo da música, se ocasionavam aprofundamentos de amizade e encontros com diferentes comunidades cristãs.
Na sua vida, a catequese teve um papel nuclear de diversas formas. De que modo é que se foi desenvolvendo esse interesse até os dias de hoje?
O interesse pela catequese surgiu por mera coincidência. Ainda frequentava a catequese paroquial – na época, o 9º ano – quando a minha mãe sugeriu que fosse auxiliar a catequista da minha irmã, a tia-bisavó Lurdes, com já 80 anos, que estava com dificuldades em lidar com um grupo de cerca de 40 crianças, uma vez que a outra catequista auxiliar nem sempre tinha disponibilidade, por força da sua vida profissional. Aceitei o desafio e, mesmo desprovido de qualquer formação, tive a graça de testemunhar o exemplo de uma mulher de oração, amável e sábia, portadora de um sorriso simples, mas contagiante. Com ela, aprendi que a transmissão da fé requer do agente pastoral um coração capaz de contagiar pela bondade. Mais tarde, colaborei com outras catequistas, e fui-me apercebendo da extrema urgência de uma reforma da prática catequética, face às profundas mutações socioculturais que afetam de forma muita intensa as novas gerações e, na verdade, até os seus pais. Nesse sentido, consciente de que a atividade catequética ocupa um lugar cimeiro na comunidade cristã, pela qual passam os futuros adultos, senti necessidade de aprofundar os meus conhecimentos nessa área, uma vez que se trata de um vínculo crucial no processo de evangelização. Além disso, consciente de que a transmissão da fé ocorre, em primeiro lugar, no seio das famílias, e que urge que elas se convertam em igrejas domésticas, fui despertando interesse pela catequese familiar, uma modalidade de catequese de adultos, refletida em contexto nacional pelo Pe. Vasco Gonçalves. Foi com esse intuito que, no último ano de estudos teológicos, optei por dirigir a minha atenção para a catequese, em especial para esta proposta.
Como foi a preparação mais próxima até chegar a diácono? Como descreve a sua experiência eclesial enquanto diácono?
Durante o período que precedeu a receção do diaconado, procurei intensificar a oração, de modo particular a valorização dos momentos de silêncio e de leitura orante da Palavra, por forma a mitigar os vários ruídos externos provenientes da azáfama do quotidiano, e assim me dispor à escuta e acolhimento d’Aquele a Quem me propus seguir. Além disso, em muito contribuiu a presença amiga dos utentes do Centro Social e Paroquial da Correlhã, pois se, por um lado, me tinham e têm nas suas orações, por outro, sempre que os visitava, recebia variadas lições de humanidade, auxiliando-me a firmar a certeza de que o passo que estava prestes a dar se voltava para o serviço alegre, discreto e generoso.
Ao longo do período de diaconado, a experiência eclesial desenvolveu-se nas Paróquias de S. Martinho de Outeiro e de S. Miguel de Perre. Nelas, fui calorosamente acolhido, assim como testemunhei a forma como o encontro com Jesus Cristo, missão cimeira da Paróquia, se realiza mediante a riqueza dos encontros e dos diversos movimentos e grupos eclesiais, formando um jardim de diversos tons, mas pautado por uma beleza única. No orientador – Pe. Nuno Santos – encontrei um exemplo de dedicação e entrega à Igreja, tendo sempre uma palavra amiga e sendo presença constante, inclusive na época de confinamento. Mais uma vez, obtive uma lição prática de como a missão passa, indelevelmente, pela evangelização, um processo em que todos se envolvem, tendo no serviço humilde a máxima do agente de pastoral.
Finalmente, ao longos destes últimos dois meses, em que vou colaborando com o Pe. Artur Coutinho na Paróquia de Nossa Senhora de Fátima, vou desvendando a riqueza de uma comunidade onde o padre, sendo pai, é também um irmão e, sendo mestre, é também discípulo. Esta perceção evidencia-se na atividade dos leigos, que, como já comprovara nas Paróquias de estágio, não se limita a uma mera suplência ou extensão do Pároco, mas toma parte ativa da sua missão.
Em breve será ordenado padre. O que representa este momento para si?
Trata-se de um momento de profunda responsabilidade. Se, por um lado, me sinto inundado por uma grande alegria por se tratar do culminar de longos anos de formação e de preparação, por outro, tenho consciência da grandeza da missão para a qual sou chamado e serei enviado, especialmente, nesta época de profundas mutações na sociedade, em que urge da parte da Igreja, uma renovação das suas práticas pastorais. Essa renovação não significa uma recusa daquilo que já tem sido feito, das suas estruturas e atividades, mas sim dotá-las de uma tónica evangelizadora, de modo que possam alcançar os muitos cristãos que, um dia sacramentados, abandonaram, por diversas razões, a vida de fé. Esta urgência lança-me numa enorme responsabilidade, pois sei que, para ser evangelizador, preciso de estar num permanente estado de escuta e de acolhimento da novidade de Cristo e da própria sociedade.
Tem algum receio após a sua ordenação?
Há dois receios a povoar o meu pensamento. O primeiro reside em instalar-me, contentando-me com a realidade e perdendo o ardor de me querer sempre renovar na fidelidade ao Espírito e às exigências dos tempos hodiernos, porque entendo que um cristão nunca deve estar satisfeito. Ao invés, precisa ter presente que existe sempre algo mais que se pode fazer. Cristo é a novidade permanente, e o Espírito vai fazendo germinar sinais da presença divina nas pessoas mesmo, que elas não tenham consciência disso. Para as ajudar nesse trabalho de discernimento do Espírito, requer-se, em primeiríssimo lugar, que eu próprio esteja atento à novidade, e deixarei de o estar caso me instale. Quanto ao segundo receio, consiste em perder a essência da missão sacerdotal como uma vida de dádiva, e instalar-me no “eu”, isto é, nas minhas certezas e forma de estar, tornando-me impermeável a Cristo e às pessoas com quem colaboro ou de mim se aproximam. Como sabemos, o presbítero representa Cristo, logo a sua vida tem de ser doação contínua e incansável, procurando olhar, pensar, falar, andar e tocar com os olhos, os ouvidos, o cérebro, a língua, os pés e as mãos de Cristo. Daí, o meu receio sincero de que uma visão individualista possa ofuscar, e até remover, a primazia de Jesus na minha vida e na missão que me seja confiada.
Qual é o convite interior que a proximidade da ordenação lhe deixa?
O convite a nunca desistir de O procurar. A vida é uma busca e, tal como um trilho de montanha, possui etapas mais agrestes e outras mais suaves. Enquanto que as etapas mais agrestes podem trazer a tentação de desanimar e até de desistir, as etapas mais suaves podem fazer surgir o relaxamento e o comodismo. Por isso, sinto-me impelido a nunca esmorecer o desejo de O descobrir. Em detrimento disto, aquilo que terei em vista com o meu “sim” total é que, enquanto trilhar os caminhos desta vida, tenha sempre o “norte” voltado para Ele. Então, este momento tão significativo convida-me a um aumento do desejo de O alcançar e de estabelecer um diálogo de amizade com Ele. Nunca se conhece totalmente a Jesus, pois Ele é a novidade permanente e incansável em querer dialogar com cada pessoa. Nessa medida é que sei que, somente através de uma busca contínua, poderei converter-me em portador da Sua novidade.
Uma Diocese que aguarda a ordenação de um novo padre
A poucos dias da ordenação sacerdotal do Diácono Paulo Alves, o Notícias de Viana partilha alguns testemunhos de diocesanos que, ao longo dos tempos, se cruzaram com ele.
Sou a mais velha do grupo e recebi o Paulo ainda pequenino, com dez anos. Sempre o tratamos como Paulinho porque fomos muito mais velhas do que ele. Ele é a alegria do nosso grupo. Ainda hoje, quando ele chega é a alegria de toda a gente. É uma pessoa difícil de descrever. Desejo-lhe a maior felicidade. É tudo o que quero para ele e, por isso, não posso pedir mais nada. Ele vai ser um padre muito bom, tenho a certeza.
Por Olívia Fernandes, membro do coro
Fui catequista dele e, pelo jeito dele ser, apercebi-me e disse que um dia iria ser padre. Ele ria-se. O que tenho a dizer sobre ele é que é um belo miúdo que está perto da sua ordenação, realizando o sonho dele. Sempre o acompanhei, desde a sua entrada para o Seminário. Sinto que cresceu muito e continua calmo, bom rapaz e obediente. Sempre o conheci, um belo rapaz. Quero que seja muito feliz quando começar e rezar a primeira Missa, e que tudo lhe corra bem durante a vida.
Por Almerinda Lima, catequista
O Paulinho, como lhe chamei e chamo, foi sempre um menino muito meigo. Sempre gostei muito dele, até porque tem a idade da minha filha e andou com ela até ao 9º ano. Tenho muito carinho pelo Paulo. É um jovem muito querido aqui na Correlhã e de boa família. Ele sempre teve esta ambição de um dia chegar a padre, mas quando era mais pequeno, dizia que queria ser Presidente da República e ainda o outro, na brincadeira, disse-lhe que não tinha chagado lá, mas que estava perto de ser padre. É muito humano, correto e educado. Tem tudo para ser um excelente padre. Que nunca deixa de ser quem é, que mantenha a humildade que tem e que lute pelos objetivos, nunca desistindo. Vai tropeçar muitas vezes, mas sei que ele vai ter força e coragem para se levantar.
Por Fátima Oliveira, presidente da Junta de Freguesia da Correlhã
O conhecimento que tenho do Diácono Paulo Alves não remonta a longa data. Embora o reconhecesse há já alguns anos enquanto seminarista da nossa Diocese, apenas aquando do início do seu estágio pastoral na Paróquia de S. Miguel de Perre, tive oportunidade de um conhecimento mais aprofundado. Efetivamente, O Paulo encarou o seu estágio nesta comunidade com grande seriedade e dedicação. Consequência desse empenho, materializado numa presença constante, foi-me permitido conhecê-lo um pouco melhor. Um convívio mais regular, revelou um jovem de convicções profundamente enraizadas. A sua personalidade serena e simples, suscita uma empatia natural. Transparece, invariavelmente, estar feliz com a vida, em harmonioso estado de plena realização. Destaca-se ainda a sua excecional permeabilidade ao conhecimento. Seja nas suas homilias, seja em contexto social de mera circunstância, revela invariavelmente aprofundado saber das coisas de Deus e da Sua Igreja. Jamais o ouvi falar mais alto. A sua visão das coisas e dos acontecimentos, tanto quanto a sua opinião, manifestam-se sempre com grande serenidade. Contudo, com humildade, jamais deixa de intervir, sendo proactivo a todo o instante. Possui grande capacidade de falar de coisas sérias com palavras simples, em discurso fluido e a todos acessível. Embora jovem, evidencia firmeza, não vacilando perante a adversidade. Atesta esta convicção o modo como dedicadamente assistiu a esta Paróquia, em estreita articulação com o seu Pároco, pese embora o tempo incerto, pejado de inúmeros constrangimentos provocados pelo contexto pandémico. Confio que por certas paragens, o Paulo deixará saudade. Saudade essa só amenizada pela certeza de que o passo prestes a ser dado, abraçando em definitivo o serviço abnegado a Deus e à Sua Igreja, permitirá a muitos mais revigorar a sua fé, sorvendo do testemunho comprometido deste jovem padre da nossa Diocese. A dedicação que reservou a esta comunidade, augura uma auspiciosa vida de pastor. Não duvido que, onde quer que venha a exercer o seu múnus, o Paulo encantará junto das ovelhas que lhe forem confiadas, dando-se até à exaustão por cada uma delas. Que a providência divina lhe confie sempre digno rebanho. O Paulo assim o merece.
Por Luís Santos, coordenador do Centro Social e Cultural de Perre
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