De Santa Marta de Portuzelo para Paris. Iuri Leitão fez história no desporto português 

Iuri Leitão tornou-se no primeiro atleta português a conquistar duas medalhas na mesma edição dos Jogos Olímpicos. Para Viana do Castelo, é o “imperador” e um “verdadeiro campeão”. No entanto, não quer “parecer ingrato” e deslumbrar-se porque ainda tem de “trabalhar muito” para “continuar e tentar entregar os melhores resultados” nas provas que estão por realizar.

Micaela Barbosa
15 Ago. 2024 8 mins

É no Grupo Desportivo do Centro Paroquial de Santa Marta de Portuzelo, em Viana do Castelo, que nasce o gosto por pedalar. Começou na estrada e, na adolescência, descobriu a velocidade. “Ele tinha cinco anos quando entrou e, até aos sete, foi um atleta difícil”, recordou Albino Antunes, um dos fundadores da escola de ciclismo, revelando que “o verdadeiro Iuri apareceu aos 13”. “A partir daqui, foi sempre a crescer”, acrescentou, descrevendo-o como um atleta “dedicado, empenhado e cuidadoso”. “O Iuri é um atleta muito focado. A bicicleta sempre foi uma peça fundamental na vida dele”, referiu o treinador António Antunes, confidenciando que sempre quis perceber as coisas mais técnicas no sentido de “perceber e melhorar”. “Ele queria sempre saber onde errou para fazer melhor numa próxima porque as corridas são sempre diferentes”, especificou.

“Somos a escola de formação mais antiga do país em atividade”

A escola de ciclismo surgiu em 1976 através de “uma brincadeira” intitulada de “Primeira Pedalada”, que se realizava durante a romaria de Santa Marta de Portuzelo. “Estamos sediados na paróquia. Foi lá que nasceu e é lá que continua. A relação é ótima. Sempre nos demos bem”, garantiu Albino Antunes.

Em 1979, foi oficializada e, desde aí, tem dado cartas no ciclismo com cerca de 20 atletas de escolinhas até juniores. “Somos a escola de formação mais antiga do país em atividade e, desde então, temos focado na formação de atletas e, sobretudo, de jovens. Tentamos passar os nossos ensinamentos profissionais e pessoais para que possam chegar longe na modalidade e na sua vida”, acrescentou António Antunes, recordando que o grupo surge com Eduardo Barros e D. Antonino Dias, que era pároco da altura. “Também somos únicos neste aspeto… Somos um grupo ligados a uma paróquia que transmite valores como a partilha, a solidariedade e o trabalho”, reforçou.

Aos Jogos Olímpicos, o Grupo Desportivo já levou Ana Barros e Iuri Leitão. “É um orgulho para mim e, principalmente, para o grupo. É sinal que fizemos alguma coisa de bom”, afirmou Albino Antunes, confidenciando que, quando o atleta deixou o grupo, manteve contacto. “É sempre bom sentir que o atleta pode chegar mais longe na modalidade. Queremos sempre que eles brilhem porque damos o nosso melhor para que assim seja e, por isso, ver os atletas chegar aos Jogos Olímpicos é uma vitória, mas conquistar medalhas é o auge. Enche-nos de orgulho ver, ao final de 20 anos, um atleta chegar longe”, salientou António Antunes. 

Iuri Leitão passou por equipas como a Bairrada, Sicasal e Mortágua, destacando-se em várias provas onde se sagrou campeão nacional da corrida por pontos juniores em Anadia, onde conquistou a medalha de bronze na categoria de elites no Campeonato de Portugal em pista, onde arrebata o título de campeão europeu de pista – scratch, onde vence a 2ª etapa do GP Douro Internacional e conquista o vice-campeonato do mundo de ciclismo em pista, e onde se sagra campeão do mundo em omnium. A estes títulos, junta agora duas medalhas olímpicas: a de prata na prova de omnium e a de ouro, com o seu colega Rui Oliveira, em madison. E, este foi o motivo que levou os vianenses a reunirem-se, na Praça da República, para recebê-lo. 

“(…) homenagem a um atleta soberbo”

Ainda não eram 20h30 e a Praça já estava a ficar “bem composta”. Muitos vestiram-se a rigor, com t-shirts com o nome do atleta e outros levaram a bandeira nacional e o cachecol. 

Cristina Machado veio de Santa Marta de Portuzelo com o seu marido para mostrar o seu “orgulho” como se fosse seu filho. “Conheço-o desde pequenino. É um jovem lutador e um exemplo para todos nós de que tudo se consegue com força, foco e determinação”, disse, sublinhando a sua “admiração inexplicavél”. “Todas as provas que faz é para vencer. Senti muita emoção ao acompanhar as suas provas. Foi uma alegria quando percebemos que trazia a medalha de prata e, depois, o ouro com o seu colega”, acrescentou.

Lisete Correia é fã do ciclismo e veio de Cardielos para a receção “mais do que merecida”. “Para quem segue a modalidade, é um orgulho ter um atleta, mais ainda vianense, a receber duas medalhas olímpicas”, afirmou, confidenciando que se emocionou ao ver as provas. “É um acontecimento único. Não há palavras para descrever”, frisou.

Virgínia Rego veio da Meadela não só para receber Iuri, mas para “mostrar aos governantes que é preciso apoiar os atletas de outras modalidades para além do futebol”. “Fiquei muito feliz. É um jovem muito humilde e foi bom partilhar aquela alegria toda”, referiu.

Já Carla Pereira fez a viagem de Barroselas até à cidade para parabenizar Iuri. “Vim mostrar o meu apoio a um desportista vianense. Tem muito sacrifício investido nele e na família”, justificou, atirando que “é o mínimo que os portugueses podem fazer” com os atletas que representam “tão bem” Portugal “com muito poucos apoios”. “Fui a Paris ver a prova de ciclismo de estrada e foi muito emotivo ver os atletas a representarem tão bem o nosso país. Fiquei muito feliz pela conquista do Iuri. Ele é fenomenal e as medalhas mostram que o seu trabalho é reconhecido e compensado”, reforçou.

Albino Antunes contou ainda que foi ao aeroporto receber a comitiva portuguesa. “Tenho muita simpatia pelo Iuri desde pequeno e, por isso, fui recebê-lo ao Porto e venho recebê-lo a Viana”, sublinhou.

Também Manuela Machado, ex-atleta olímpica, foi ao aeroporto e não escondeu a emoção de receber a comitiva portuguesa. “É preciso apoiar todos os atletas que estiveram nos Jogos Olímpicos, por mérito próprio, porque todos eles são campeões à sua maneira”, defendeu, confidenciando que reviveu “algumas coisas” do seu passado. “O Iuri tem uma humildade de campeão. Os campeões vêm-se na humildade e o Iuri é um verdadeiro campeão. Senti-me na obrigação de lhe dar um abraço”, admitiu, considerando os Jogos de Paris “um dos melhores”.  “As coisas melhoraram bastante. Os apoios são outros, mas ainda é preciso mais para que, daqui a quatro ano, tenhamos não quatro, mas cinco medalhas. Peço só mais uma. Esta juventude merece que a apoiem, fomentando o equilíbrio entre estudos e desporto”, frisou.

Vânia Neves, também ex atleta olímpica, marcou presença na receção e reconheceu que Viana “tem tido muito bons atletas”, destacando o resultado “incrível” de Iuri. “Isto é uma homenagem a um atleta soberbo”, disse, confidenciando que, apesar de ser “suspeita”, “já espera bons resultados” porque acompanha as provas. “Continuo a achar que os nossos atletas são mais fenomenais ainda do que alguns atletas que trazem quatro e cinco ouros para casa porque, em Portugal, continuamos a lutar por uma cultura desportiva, que não existe”, acrescentou, atirando: “Continuamos a ter muitos atletas que ninguém sabe que existem até aos Jogos. Depois, nos Jogos, exigem medalhas, mas não é justo pedirem isso sem saber quem são os atletas”. 

A treinadora de natação destacou ainda alguns casos de superação como o caso da Ana Cabecinha, que foi mãe há poucos meses. “Só temos de bater palmas e, então, nós mulheres, agradecer, espero, pelo primeiro de muitos exemplos”, referiu.

“É muito bom sentir o carinho e o orgulho das pessoas”

Já noite cerrada, a Praça da República estava cheia. A música acalmava a espera. Nas paredes dos Antigos Paços do Concelho, estavam projetadas as cores da bandeira nacional. Os telemóveis estavam no ar. E, ao fundo da rua, já se ouviam os bombos a anunciar a chegada de Iuri Leitão que fez sempre muita questão de partilhar o momento com a sua namorada, Carolina Ribeiro.

Pelo caminho foram ditas muitas palavras e dados muitos abraços. “É uma receção calorosa, mesmo ao jeito dos vianense”, descreveu o atleta que não escondeu a emoção e as duas medalhas olímpicas que levava ao pescoço. “Não estava à espera disto, mas revela o quanto os vianenses gostam de mim e o quanto gosto deles. É muito bom sentir o carinho e o orgulho das pessoas”, salientou.

Durante o seu discurso, não esqueceu o seu companheiro Rui Oliveira, fazendo com que os vianenses também gritasse o seu nome. “Há um ano atrás, não acreditava que isto seria possível, mas não vou dizer que andei aqui a brincar. Trabalhei para isto. Fui para Paris de consciência tranquila porque tinha feito tudo para estar no meu melhor momento de forma”, acrescentou, contando que ainda não sabe onde vai guardar as medalhas e o Coração de Viana que recebeu da autarquia. “Cada uma pesa 550 gramas e, por isso, já pesa no pescoço”, disse, entre risos, frisando que não quer “parecer ingrato, mas são só duas medalhas”. “Não deixam de ser duas competições nas quais concretizei o objetivo principal. Não nos podemos deslumbrar por isso porque a verdade é que estamos na parte mais importante da temporada e estou num momento de forma em que nunca estive, se não aproveitar agora o embalo, vou estar a desperdiçar o trabalho feito até agora. É continuar e tentar entregar os melhores resultados que posso”, referiu.

Em Destaque

Notícias atuais e relevantes que definem a atualidade e a nossa sociedade.

Opinião

Espaço de opinião para reflexões e debates que exploram análises e pontos de vista variados.

Explore outras categorias