Colónia de Vascões: 66 anos de amor à terra e ao futuro

A colónia agrícola de Vascões, no concelho de Paredes de Coura, é a última que o Estado Novo lançou para “impulsionar a produção da batata” em Portugal. Foi desenhada para acolher dez famílias "idóneas" que concorreram a um concurso, em que cada uma recebeu uma casa mobiliada, utensílios de agricultura, uma parcela de terreno e um cheque de dez contos, na moeda antiga. Hoje, a escola primária e a residência do professor são, desde 2007, as instalações do Centro de Educação e Interpretação Ambiental (CEIA) de Corno de Bico, que integra ainda um edifício com “o espírito” da localização da colónia.

Notícias de Viana
16 Jun. 2023 6 mins
Colónia de Vascões: 66 anos de amor à terra e ao futuro

Manuel Oliveira tem 77 anos e é uma das pessoas que vive na colónia agrícola. Começou a trabalhar aos 14 anos (para o Estado) mas, aos 21, apaixonou-se e mudou-se de Cabanas, em Arcos de Valdevez, para Vascões, em Paredes de Coura. “Os pais da minha esposa vieram para cá quando ela tinha 12 anos. Conheci-a porque vinha trabalhar para aqui todos os dias”, contou, reforçando não gostar da ideia de ser intitulado “colono”. “Dá a ideia de que somos retornados e não somos. A gente veio para aqui para fazer a nossa vida, trabalhando”, frisou.

Embora se sinta “orgulhoso e feliz” por ter criado a sua família na colónia agrícola, o Sr. Oliveira, como é assim conhecido por todos ali, admitiu a vontade de “ter dado uma volta”, “quando era mais novo”, para “ganhar mais uns tostões”. “Mudou muita coisa… Há uns anos atrás, as coisas eram melhores. Era um espetáculo estar aqui. Convivia-se muito mais uns com os outros, e ajudávamo-nos uns aos outros. Agora, os tempos são outros. Não há tanto trabalho como antigamente”, lamentou, especificando que havia “muito gado, ovelhas, centeio e batatas”.  

Naquela altura, segundo conta Isabel Barreto, filha da terra e funcionária da Câmara Municipal, havia “algumas divergências” entre a população de Vascões e a população das outras freguesias fora do concelho, que veio ocupar as vagas que ficaram por ocupar. “Em miúda, recordo-me de ouvir conversas a acusar ‘os colonos’ de invadirem o lado de Vascões. Eles diziam que os colonos não tinham nada que vir para o seu lado, porque já tinham levado muito terreno”, exemplificou, esclarecendo que, “com o passar dos anos, as coisas mudaram”. “Em tempo de festa, quando realizavam os cortejos, em que se entregavam ofertas à igreja, a população de Vascões queria ser melhor que a dos colonos”, contou, entre risos. “Aliás, as pessoas sabiam quem vinha de fora através da entoação que davam à palavra ‘Vascões’”, acrescentou Tiago Cunha, vereador com o pelouro do Ambiente da Câmara Municipal de Paredes de Coura.

Para o vereador, existia um caso de “amor-ódio”. “Sempre houve qualquer coisa mal resolvida, talvez devido à designação de ‘colono’ às pessoas que se candidataram às vagas. Mais tarde, há um processo de reconciliação e, hoje, o nosso objetivo é promover a colónia agrícola como algo de muito positivo. Isso é indiscutível, mas nem sempre se vê”, declarou. E, hoje, embora não tenha vocação agrícola e seja um desafio para os próximos anos torná-la viável, a colónia é também um elemento de atração turística. “Naquele tempo, a colónia ajudou na economia do próprio concelho e concelhos vizinhos, promovendo a evolução da máquina com os primeiros tratores e etc.”, referiu Isabel, salientando que as condições dadas às famílias eram para que se tornassem autossuficientes. “As pessoas que viviam aqui e as que vinham trabalhar para o Estado, acabaram por criar uma relação de amizade e mesmo familiar”, enalteceu.

Para as famílias, a conquista de um lugar na colónia era “quase um totoloto”. A expectativa era de melhoria, para si e para a comunidade. “A experiência sociológica em si, das pessoas se juntarem todas e lutarem por algo que fosse positivo para elas e para a comunidade, era aquilo que se pretendia aqui. Não havia onde trabalhar para ganhar dinheiro, e as pessoas vinham de longe para trabalhar. Ser colono era um benefício enorme”, afirmou Tiago Cunha, elogiando a experiência arquitetónica do projeto. “As árvores, aqui à volta, foram plantas com o intuito de servirem como barreira de proteção aos ventos laterais e ao fogo. Em 2017, houve um incêndio gigante que veio dos Arcos de Valdevez e entrou aqui. Apesar de um dos edifícios ter começado a arder, na parte da cobertura, o incêndio foi travado aqui por cima, porque as árvores serviram de barreira lateral e os colonos, ainda sem experiência de lidar com o fogo, conseguiram travar o incêndio sozinhos. Toda a força de combate do incêndio estava no outro lado do concelho. Ou seja, toda esta experiência não foi um acaso. Foi colocada com um sentido”, referiu, frisando: “O projeto tem todo um trabalho que impressiona. Havia um cuidado extremo, o que hoje, se calhar, não se encontra nas grandes obras públicas e que fazia toda a diferença naquela altura.”

Nos dias de hoje, um projeto como a colónia agrícola não existe, mas, segundo o vereador, já há “conjuntos habitacionais” semelhantes, em que famílias/pessoas se isolam, “por razões não de ideologia, mas de filosofias de vida, para conseguirem um maior contacto com a natureza e conseguirem dar alguma educação alternativa aos filhos”. “Isso, hoje, é viver de forma irreverente. Existem muitas pessoas a fazê-lo, o que é também valorizado do ponto de vista turístico”, acrescentou.

Vascões cresceu e, passados tantos anos, há quem ainda lute pela colónia. As casas estão habitáveis e já passaram várias gerações. Vendê-las, não está na equação de nenhum dos moradores. “A colónia está, desde 2019, em classificação como edifício de interesse. Não se sabe qual será o tipo de classificação, mas tudo aponta para um monumento nacional porque, entre todas as colónias, é aquela que conserva as características originais elementares bem conservadas, nomeadamente, na questão da arquitetura dos edifícios. Não está muito degradada e isso, claro, suscitou interesse”, contou Tiago Cunha, confidenciando: “Esta distinção é boa, mas os colonos sentem que isso lhes pode tirar o que é propriedade sua. A intenção não é a mesma que nos anos 60, quando uns se ‘apropriaram’ da terra dos outros, mas de valorização. Pode ser interessante, mas também é importante ter consciência de que fazer algo contra as pessoas nunca é um bom caminho e, portanto, ainda há algum caminho a percorrer.”

Em 2007, o CEIA veio “complementar” toda aquela zona. “O CEIA surgiu associado à paisagem protegida de Corno de Bico, e não à colónia agrícola. A colónia foi um peluche que já cá estava”, salientou o vereador, explicando que “o CEIA oferece um vasto leque de atividades de educação ambiental e um conjunto de informação que permitem organizar uma visita à área protegida”.

A casa do professor é hoje o centro de acolhimento, e a escola primária foi transformada em cozinha e cantina. “O CEIA inclui áreas destinadas à investigação e à divulgação dos recursos naturais da Paisagem Protegida do Corno de Bico, designadamente ateliers, sala de exposições, auditório, laboratório, entre outros equipamentos”, terminou.

Fotografia em destaque: Alto Minho TV

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