No bar Bienal de Cerveira, existem dois livros disponíveis para os visitantes desfolhar. O boletim da Câmara Municipal e o catálogo da XXIII Bienal Internacional de Arte de Cerveira.
Depois de percorrida a exposição, a escolha não podia ser mais contrastante. Nos 50 anos do 25 de abril, dedicada à pergunta “És livre?”, a Bienal de Cerveira propõe uma reflexão sobre o drama de, com o tempo, nos termos tornado homens e mulheres de bem.
Folheamos o boletim municipal e vemos uma exibição de eventos, inaugurações, festivais, obras e ofertas sociais. Mas, basta entrar no primeiro espaço expositivo para numa tela vemos uma crítica aos “benfeitores de obra feita”, aos “que chegam e mandam erguer estradas, pontes, casas, estádios, fontanários, salões paroquiais” e a “todos aqueles que governam, executam, decidem sem pestanejar (…) pela causa pública que sacrificam pelo bem comum sem nada pedir em troca”. No seu conjunto, a Bienal de Cerveira parece querer mostrar uma domesticação do poder e da liberdade, um desejo que acaba por se tornar ilusão, uma dança macabra que, como um espelho, nos engole com o seu sorriso.
Noutra tela, está escrito a pergunta “O que é a coragem?”. À frente vem a resposta: “É uma igreja dentro de uma noz”. No culminar da visita, ficamos com a impressão que a liberdade é como essa noz, da qual só se conhece o interior depois de se quebrar a casca; que a liberdade corre o risco de ser algo que derrete demasiado depressa, tal como surge numas algemas feitas de cera a recordar os ex-votos religiosos; que a liberdade pode terminar a ser impressa como um talão de multibanco, onde, ironicamente, já não está o valor de uma compra ou extratos bancários, mas o nosso próprio discernimento; em que a liberdade pode ser um avião, quase um papagaio de papel, caído tal como aquele que abre a galeria principal.
Uma Bienal para o ser é sempre mais do que uma exposição e, no contexto do Alto Minho, ela é a prova de que todos merecemos mais do que pão e circo. O ciclo de residências e intervenções artísticas, chamado de “Livre trânsito”, é exemplo disso, dado que propõe que cada artista possa criar uma peça para uma freguesia específica do concelho de Vila Nova de Cerveira. Mas, se tivéssemos que escolher uma peça que resumisse toda a mostra seria “The Inflatable Island” de Søren Dahlgaard. A imagem de uma ilha insuflável a circular sob um barco nos canais de uma ilha. Talvez, o poder e a liberdade sejam também um objeto lúdico, onde podemos brincar e que navega, às vezes, de forma perdida, às vezes, sem rumo, no meio do mundo.
O problema é que, como em todos os objetos insufláveis, poderá arrebentar ou perder o ar a qualquer momento.
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