Na primeira semana integral de aulas, as greves regressaram às escolas. A paralisação foi convocada pelo Sindicato de Todos os Profissionais da Educação (S.TO.P.) e é a primeira greve com impacto nas atividades letivas do ano 2023-2024, durante o qual os profissionais prometem manter a contestação até verem as suas reivindicações respondidas.
“Se não reivindicamos, as condições da nossa profissão continuarão a degradar-se”
Embora “a realidade não seja tão grave” no Alto Minho como a que acontece no centro e no sul, os professores também querem ver as suas reivindicações respondidas. A única alternativa é através das greves. “A partir do momento em que os professores não veem resultados, fazem greve. Não têm hipótese”, afirmou Nuno Fadigas, dirigente do Sindicato dos Professores do Norte (SPN), acrescentado: “Fala-se de negociações, mas ainda nada foi feito. Enviámos uma proposta para recuperar o tempo de serviço. O ministro falou de uma reunião, mas, até ao momento, não recebemos nada. E, portanto, temos de fazer greve.”
O também professor de 49 anos, defende que “mais que aquilo que reivindicam, são as consequências de não reivindicar”. “Se não reivindicamos a recuperação do tempo de serviço, as condições da nossa profissão continuarão a degradar-se o que, naturalmente, terá impacto naqueles que virão a seguir. Este é o principal problema. Estamos perante um Governo que pretende os haveres, mas não cumpre com os seus deveres”, afirma, exemplificando: “Isto é como quando se recebe uma herança. Ouvimos o nosso Ministro dizer que isto não é um problema dele porque vem de trás, e que não pode ser ele a resolvê-lo. Se é ele quem tem a pasta da Educação, como não tem de ser ele a fazê-lo?”.
De acordo com Nuno Fadigas, a maior reivindicação é reclamar o tempo de serviço. “A Federação Nacional dos Professores (FENPROF) tem um simulador que nos mostra que há professores em situações na ordem dos 500-600 euros que já estariam a receber a mais neste momento se esse tempo estivesse cumprido”, contou, enaltecendo a luta. “A isto acresce a falta de professores. A questão aqui é que até pode faltar um/dois professores por escola mas, se pensarmos nos cinco, seis ou sete que se aposentam durante o ano letivo, isto é uma catástrofe”, atira, questionando: “O que se faz depois com esta falta de professores?”.
O dirigente conta, ainda, que faz parte do grupo 410 (área da Filosofia) e, “neste momento, estão a ser colocados professores no final da lista”. “Como é que vai ser daqui para a frente? Isso mostra a falta de professores que existe, inclusive a norte”, salienta, especificando que, “o cálculo da FENPROF aponta para cerca de 92 mil alunos que ainda não têm todos os professores”. “Além disso, não há ajudas de custo para quem mora longe de onde foi colocado”, acrescenta, terminando: “Vemos o nosso vencimento a cair, precisamente porque o nosso tempo de serviço não foi recuperado. Ao não haver ajudas, as pessoas vão-se embora. Falamos inclusive de jovens que gostariam de ficar, mas não conseguem aguentar. Isto é uma realidade em todo o país: pessoas que podiam efetivamente ficar a trabalhar e não ficam”.
Para o ano, há previsão na mudança no concurso e Nuno Fadigas, que ficou colocado na Escola Secundária de Monserrate, tem “muito receio” do que irá acontecer no próximo ano letivo.
“Infelizmente são, cada vez mais, os casos que nos chegam de agressões verbais e físicas” aos professores e auxiliares
Já Paulo Lima, dirigente do Sindicato Independente dos Professores e Educadores (SIPE) e professor no Agrupamento de Escolas António Rodrigues Sampaio, em Esposende, tem andado pelas escolas do distrito de Viana do Castelo, constatando a “pouca adesão à greve” na primeira semana de aulas, que foi convocada por um sindicato que não faz parte da plataforma sindical a que o SIPE pertence. “Os professores estão saturados das greves sem esquecer a parte financeira que isto acarreta”, afirma, contando a sua experiência familiar. “Eu e a minha mulher somos professores e gastamos largas centenas de euros em greves. Olhando para o que se passou, não ganhamos muita coisa. Mas, sei que muita gente ganhou e vai ganhar com o novo diploma do Presidente da República que corrigiu algumas situações”, enalteceu, reconhecendo que “as greves não têm efeito imediato”. Apesar disto, espera que no próximo dia 06 de outubro a adesão à greve, convocada pelos sindicatos da plataforma a que o SIPE faz parte, seja “massiva”.
De acordo com alguns depoimentos dos diretores recolhidos pelo SIPE, o arranque do ano letivo “correu bem” apesar de “o mecanismo de colocação de professores levar o seu tempo”. “Se formos para Lisboa, Algarve e Setúbal a realidade é outra. É uma coisa que vem de trás e é difícil de corrigir, mas espero que se corrija com o novo modelo de concursos, que vai entrar em vigor já no próximo ano”, disse, explicando: “Será um concurso anual para vincular professores, respeitando a graduação profissional, o que na minha opinião é justo. Os efeitos só serão sentidos em dois/três anos.”
Paulo Lima tem esperanças neste sistema porque iniciou a sua carreira assim. No entanto, reconhece as diferentes circunstâncias. “Há ainda outra questão: a falta de professores. O ministro também já referiu que temos professores a norte, não os temos é a sul. Quando só houver vagas no sul, os que não ficam colocados a Norte para onde vão?”, atirou, contando que tem colegas no SIPE que se sacrificaram e foram dar aulas para Lisboa para, agora, conseguir vaga mais perto de casa. “Sempre nos pautamos pela justiça nos concursos e, por isso, vamos estar sempre atentos a estas questões, mesmo sabendo que vai ser difícil agradar a toda a gente”, afirmou.
O SIPE, para além da recuperação do tempo de serviço, defende a revisão de outras situações como a agressão física e verbal aos professores e auxiliares. “Infelizmente são, cada vez mais, os casos que nos chegam de agressões verbais e físicas e é uma coisa com a qual ninguém se preocupa. Não acontece em todo lado, mas há escolas em que é bastante complicado trabalhar”, disse, lamentando que “a petição, que baixou à Assembleia da República, não tivesse legislado este tipo de situações como crime público”.
Uma outra questão está relacionada com o artigo 79, que estabelece a redução da componente letiva para professores nos seguintes termos: 2 horas aos 50 anos de idade e 15 anos de serviço docente; 2 horas aos 55 anos de idade e 20 anos de serviço docente; e 4 horas aos 60 anos de idade e 25 anos de serviço docente. “Estas horas desaparecem da componente letiva e passam a não letivas e, muitas vezes, esses professores não estão a dar aulas, mas a dar apoio a grupos de alunos. Ou seja, uma medida que não tem efeitos práticos. Na minha opinião, o Ministério está a agir mal. Atendendo ao desgaste psicológico da profissão, muitos professores, nomeadamente, com mais de 60 anos dariam um contributo mais efetivo estando somente as 14h na escola”, defende o professor.
Por último, referiu que “é inadmissível que ainda prevaleça a questão das ultrapassagens na carreira”, que afeta, nomeadamente, todos os professores que nela ingressaram antes de 2005. “Estes professores foram altamente penalizados pelas sucessivas transições de carreira, tendo perdido em alguns casos cinco anos de tempo de serviço. Todos os professores, que atualmente são reposicionados na carreira, nos termos da portaria 119/2018, entram na carreira contabilizando todo o tempo de serviço que possuem. Isto é o correto”, referiu, acrescentando: “Conheço muitas situações de casais de professores, em que o que tem menos tempo de serviço, é o que está mais bem posicionado na carreira.” Sobre este assunto, Paulo Lima espera que os tribunais deem uma resposta afirmativa a todos os processos individuais que o SIPE tem neste momento a correr “de forma a corrigir estas graves injustiças”.
“Ser professor deslocado é, definitivamente, muito complicado”
João Branco é professor de Educação Física, e esteve a dar aulas em Lisboa durante cinco anos. Este ano, conseguiu vaga no Agrupamento de Escolas António Feijó, em Ponte de Lima. “Foi uma decisão familiar. Ninguém me obrigou. Sabia que a distância era um problema, até porque tinha, e tenho, uma filha pequena”, começou por dizer, frisando que queria abraçar a carreira de professor. “Ser professor deslocado é, definitivamente, muito complicado. Para além da distância e de tudo o que isso implica, a questão dos alojamentos é uma grande problemática, porque paga-se muito para estar, por exemplo, num quarto. Muitos, nem janelas têm”, lamentou, contando que procuram algo que não seja muito caro porque, se não, o dinheiro que ganham não chega para as despesas. “Na realidade, é muito difícil dar porque, apesar de começarmos a nossa vida lá, a vida cá também implica responsabilidades”, refere.
Encarando a sua deslocação como investimento, o professor admite algumas dificuldades, desde a procura de casa e transportes. “Há senhorios que nos pedem dois meses de adiantamento. A isto acresce o timing da colocação. Se for colocado fora do procedimento dos ordenados, estou dois meses sem receber”, acrescenta, admitindo que estas condições “acabam por afastar muita gente”. “Isto não é fácil. As despesas são muitas, face àquilo que ganhamos no início de carreira, que é o meu caso”, exemplifica, reiterando que não foi obrigado. “Quis exercer a profissão para a qual estudei”, frisa.
Já sobre os concursos, que “são sempre uma incógnita”, João Branco diz haver “desigualdades”. “Tenho colegas que são colocados lá ‘em baixo’ e metem baixa. Eu, que passo por esse processo mas vou, estou no mesmo ‘patamar’ que eles”, constata, reconhecendo as diferentes situações “porque é difícil, e não é toda a gente que consegue ir para lá”. “É legítimo, mas deveria haver uma diferenciação nesse sentido, porque há muitos professores que falam sem ter ido lá e conhecer a realidade”, defende, enaltecendo a vinculação dinâmica. “Abracei este sistema para conseguir estar mais perto da minha família. Tenho uma filha pequena, e não a acompanhar, custa-me. No entanto, sei que futuramente posso conseguir ficar mais perto”, afirma.
Relativamente às greves, os professores não aderiram, uma vez que já pertenciam aos quadros da escola. “Enquanto contratado, não aderi, porque o que ia perder não compensava. Esse dinheiro era importante”, conta, respeitando as reivindicações dos colegas. “Preferia ver discutidos outros apoios e ajudas para os professores deslocados, quer seja ao nível do alojamento, quer a deslocações e horário”, especifica, afirmando que “haverá sempre falta de professores na zona sul”. “Não havendo apoios, como há em todos os sectores da função pública, esta situação nunca vai resolver-se”, desabafa.
O professor fala ainda do período probatório que é “contraditório”. “Ando nisto desde 2007. Fiz o curso, e comecei logo a dar aulas. Agora, querem que faça um ano para provar que posso ser professor, para subir no índice e ganhar mais, quando o Ministério está a aceitar pessoas que nem licenciadas estão”, lamenta, reconhecendo as competências e salvaguardando as diferenças na formação.
As ações de revolta dos docentes e não-docentes iniciaram-se, com mais expressão, em dezembro de 2022, e foram potenciadas pelas mudanças nos concursos de professores, mas com a recuperação do tempo de serviço congelado como o grande mote.
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