Amor à camisola para manter vivas as tradições

Maio é conhecido por ser o mês das flores desde a origem da palavra à relação com a religião associada ao mês de Maria, em que católicos oferecem flores à Virgem Maria como sinal de devoção e respeito. No Alto Minho, maio é o mês de celebrar as três grandes festas floridas: Vila França, Alvarães e Vila Mou. São três freguesias. Três festas. Três tradições. Em comum, as flores e a comunidade que, por amor à camisola, se junta para fazer acontecer.

Micaela Barbosa
28 Mai. 2024 10 mins

“É uma passagem de testemunho muito grande”

A primeira festa realiza-se em Vila Franca. Este ano, a Festa das Rosas decorreu entre os dias 10 e 13 de maio.

Raquel Rocha é um dos seis elementos que compõem a Comissão de Festas, que assumiu o comando “tardiamente” porque não viram “a coisa a desenrolar-se”. Pelo carinho “especial” que têm pela festa, assim como a comunidade de Vila Franca, assumiram o projeto. “Tivemos quatro meses para organizar tudo. Foi em contra-relógio, mas é sempre um orgulho estarmos envolvidos”, assegurou, mostrando-se emocionada. “O que há de especial é a oferta de um cesto florido à Senhora do Rosário. É isto que nos envolve tanto”, acrescentou.

De acordo com o que ia contando, Vila Franca incute, “desde muito cedo”, a vontade de participar nas atividades que envolvem a festa, culminando com a oferta do cesto. “Toda a Comissão de Festa já foi mordoma. Os nossos filhos também já foram mordomas. Há outros que vão ser este ano e para os próximos. É uma passagem de testemunho muito grande”, referiu, recordando a história. “As raparigas, que faziam a passagem da juventude para a idade adulta, eram obrigadas a oferecer rosas à Senhora das Rosas no dia da festa. Ao longo da festa, foi evoluindo. Começaram por levar as molhadas nos braços. Mais tarde, nos cestos, acabando por decorá-los”, especificou, salientando: “Evoluímos tanto e tanto que chegamos a esta obra-prima. Fomos adaptando aos novos tempos, necessidades e flores.”

Confecionar um cesto implica, segundo Raquel, que a mordoma tenha uma equipa de trabalho que a ajude desde a apanha da flor, que acontece com “muitos meses de antecedência” ou com flores que são guardadas de um ano para o outro”. “Quando há apanha do milho, temos que guardar a carola porque é a base do cesto. É passada a ferro e cortada ao pormenor. Requer muita preparação”, explicou, revelando que a azáfama maior é nas últimas semanas antes da festa para ultimar os preparativos. “Este ano, são sete mordomas, em que seis dão cesto. Depois, temos dois cestos de promessa. São pessoas, que já depois de serem mordomas, por vários motivos, querem oferecer um cesto”, acrescentou, desvendando que “cada cesta leva entre seis a sete quilos de alfinetes” para segurar as flores.

Qualquer um dos elementos afirma que vive “muito” a festa. “O nervosismo é normal, mas as expectativas é que corra tudo muito bem”, disse, agradecendo o apoio e a ajuda da comunidade. “Os expostos ficam expostos na igreja durante o fim de semana e, no fim, cada mordoma leva para casa e expõem-no em casa”, concluiu.

“É bom vermos toda a gente a remar para o mesmo lado”

Nos dias 18 e 19 de maio, acontece a Festa de Santa Cruz, em Alvarães. Este ano, foi ainda mais especial porque celebraram os 300 anos.

Júlio Vieira é um dos mais de 20 elementos que compõem a Comissão de Festas. Uma comissão jovem, com idades compreendidas entre os 25 e 30 anos, que residiu e reside em Alvarães e que, como manda a tradição, tiveram o primeiro contacto com os andores no infantário, na escola, na catequese e nos escuteiros. “A festa da criança nasceu nos anos 90 com o objetivo das crianças de Alvarães, a partir dos infantários, escolas, escuteiros e catequese, aprendessem os costumes da sua terra, estimulando a sua presença e participação na festa maior”, recordou durante a participação no evento municipal: Viana Florida, que se realizou no Jardim Público, explicando que, como nos dias de festa, “a azáfama é tanta” e, portanto, “não há tanta disponibilidade para ensinar os mais pequenos”. “Com a festa da criança, há mais tempo para as crianças fazerem as coisas à vontade e até mesmo errarem para apredenderem”, acrescentou.

Durante a conversa, apercebe-se que o jovem conhece e conta a história com muito detalhe. Parece que viveu todos os momentos. Sabe do que fala e do sentimento que coloca em cada coisa que diz e faz. “O documento mais antigo é de 1724 e, aqui, não há nenhum relato sobre os andores. Eles só aparecem documentados em 1947, após a II guerra mundial. No entanto, já fazem referência às cruzes que eram decoradas com flores”, especificou, revelando que o dia da festa era celebrado na quinta-feira Santa. Dia da Ascenção do Senhor. “Neste dia, fez-se e faz-se a adoração ao Santíssimo no interior da igreja com o lançamento de pétalas pelas crianças. Neste mesmo dia, a procissão saía à rua e pedia-se as bênçãos para os campos e sementeiras porque a população, na sua maioria, vivia do que a terra dava”, contou, acrescentando que, com o passar dos anos, as cruzes de pedra passaram a ser enfeitadas voluntariamente pelo povo. “Em 1947, surgem então os andores floridos. Temos registos que mostram que já existiam antes do séc. XX, mas não seriam feitos com flores naturais. Hoje, usamos flores naturais e são coladas pétala a pétala com cola natural, feita com água e farinha de trigo”, disse.

Com quatro anos, Júlio começou a participar na procissão dos mini-andores realizados pelas crianças, jovens e instituições de Alvarães. Mais tarde, começou a preparar as cruzes e, desde 2017, não faz outra coisa. Este ano, juntou-se ao grupo de amigos e integrou a Comissão de Festas. “É difícil de explicar o que significa a festa. Não há nada comparável. Não há Natal, não há páscoa e festas de aniversário”, começou por dizer, destacando: “É bom vermos toda a gente a remar para o mesmo lado. Ver toda a gente de Alvarães a lutar por algo em comum.”

O jovem admitiu ainda que o dia “mais triste” é a segunda-feira. O dia depois da festa. “Depois de vários dias a ver a nossa terra cheia de gente e de vida, a segunda-feira do silêncio e do desmontar é muito triste. Há pessoas que vêm de propósito a Alvarães para viver a festa, assim como os imigrantes. É também um momento de reencontros”, frisou, reconhecendo que “o sentimento é de dever cumprido”. “É uma festa que envolve muito sacrifício pessoal. Muitos de nós tiram férias para trabalhar para a festa. Ainda assim, é um esforço que vale a pena porque, o facto de ser breve, torna-a mais especial. É vivida com grande adrenalina”, afirmou.

Sob o mote “És a pétala que falta no meu andor”, a Festa de Santa Cruz fez-se. “Foi uma Festa da Santa Cruz intensa, tal e qual como a idealizamos, tal e qual como sonhamos! Conseguimos honrar todos os Alvaranenses e comunidade que nos visitou, ao longo dos últimos dias, com uma festa digna, deslumbrante e cheia de riqueza cultural e artística”, referiu a Comissão de Festas na página de Facebook, salientando: “(…) trabalhamos arduamente para vos proporcionar um ano cheio de animação, de convívio e acima de tudo, uma festa Digna. Foram vários os eventos que fizeram parte do nosso percurso para angariação de fundos. Com eles ficamos a conhecer melhor a comunidade de Alvarães e a conhecer melhor todos vocês, as nossas pétalas.”

Sara Ferreira é a presidente da Comissão de Festas reforçou que ficaram a conhecer a comunidade de Alvarães de uma forma que “não há explicação”. “As pessoas acompanham-nos de perto. Vêm à nossa beira, querem-nos conhecer e há ainda uma partilha de experiências e de conhecimentos”, salientou, contando que realizam um conjunto de eventos para angariar fundos. A comunidade foi “muito recetível”. “Foi desafiante pensar em eventos fora da caixa para chegar a diferentes públicos. No entanto, conseguimos e promovemos Stand Up Comedy, jantares e excursões. Levamos, pela primeira vez, pessoas a Vigo a ver as iluminações de Natal”, referiu.

A jovem recordou o seu primeiro contacto com a festa, contando que ia à praia com o seu pai apanhar flores para levar para a escola. “Queremos, com a festa da criança, manter viva a tradição”, sublinhou, revelando “algum” nervosismo com a aproximação da festa maior. “O programa é aliciante e enche-nos de orgulho. É rico e diverso a vários níveis: bandas música e grupo de bombos, festival de folclore com uma arruada, concertos musicais e dj’s, um sunset para dinamizar a tarde de domingo e lançamento de um hino”, enumerou.

Para Sara, os jovens alvaranenses vivem a festa de forma “intensa” porque as 14 cruzes  são confeccionadas por eles. “Já vivemos a adrenalina de as confecionar e, depois, temos a responsabilidade de sair, com o nosso trabalho, da igreja. Percorremos o caminho até ao cruzeiro com brio”, considerou, frisando que “a comunidade é que cria a festa”. “Alvarães tem a sorte de ter gente pró-ativa desde os mais pequenos aos mais velhos. Somos uma comissão jovem, em que a maior parte já não vive com os pais, mas continua a integrar associações, mantendo o contacto com a freguesia”, sublinhou.

“É uma tradição que me enche o coração”

Entre os dias 15 e 20 de maio, fez-se a Romaria em honra de Nossa Senhora da Encarnação é, porventura, “o maior acontecimento anual” em Vila Mou. Realiza-se sempre no fim de semana do Pentecostes.

Cláudia Moreira não é natural de Vila Mou, mas casou-se lá. Durante “muito tempo”, foi festeira sozinha. Entretanto, formou-se uma Comissão de Festas e este ano é um dos seis elementos que a compõem. Quatro estão em Portugal e os outros dois são emigrantes em França. “É uma tradição que me enche o coração porque isto é único. Há coisas que se fazem, como o peditório dos reis, que só se faz em Vila Mou”, considerou, contando que começam com as festividades com hastear da bandeira.

O ex-libris de Vila Mou, o Arco Festivo, imponente e ornamentado com flores, é uma das maiores atrações. Também o tradicional cortejo de tabuleiros e a procissão atraem inúmeros visitantes a Vila Mou, que aproveitam assim para venerar Nossa Senhora da Encarnação e apreciar a bela música executada por quatro bandas filarmónicas. “De quatro em quatro anos, temos de fazer o arco de raíz e, este ano, não é exceção. Tudo vai ser feito de raíz desde a estrutura ao desembuchar e enfeitar”, contou, salientando a convivência “gratificante”. “É altura do ano em que a comunidade mais se une”, frisou, sublinhando a importância do arco e a devoção a Nossa Senhora da Encarnação. “Procuramos envolver as crianças e jovens para manterem vivas as tradições”, acrescentou, agradecendo o apoio e a ajuda da comunidade.

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