Lecionei, esta manhã, a última aula do ano letivo e, no regresso da escola a casa, dei por mim a pensar em todas as iniciativas a que, em torno dos 50 anos do 25 de abril, tive o privilégio de assistir e participar, em contexto escolar.
Estou certa de que todas as escolas de Portugal inteiro realizaram as mais diversas atividades em torno desta temática, mas vou reportar-me apenas ao Agrupamento de Escolas de Monserrate, onde pude observar, na primeira pessoa, certos aspetos que quero destacar: o entusiasmo de professores, funcionários não docentes e alunos; o envolvimento das famílias dos nossos discentes; e a abertura da escola à comunidade.
Em jeito de retrospetiva, começo por realçar algumas das palestras que ao longo do ano se foram realizando, trazendo à nossa escola testemunhos vivos de coragem, persistência e esperança. Domingos Abrantes protagonizou, talvez, o momento mais marcante do ano: com 88 anos de idade, e a falar para uma Aula Magna repleta de professores e alunos, contou a uma plateia atenta como foi duas vezes preso e torturado, e explicou, com detalhe, a famosa fuga da prisão de Caxias usando como veículo de fuga, por ironia, o próprio carro oficial e blindado de Salazar. Sessenta anos após este acontecimento histórico, Domingos Abrantes emocionou-se e emocionou os que o ouviam e no final foram vários os alunos e professores que o quiseram cumprimentar e registar o momento tirando fotografias com Domingos Abrantes e a sua mulher, Conceição Matos, também ela presa e torturada às mãos da PIDE, tendo ambos casado em plena Prisão de Peniche.
Ouvimos, amiúde, que abril está por cumprir. Sendo legítima alguma desilusão, não deixa de ser absolutamente inegável o avanço registado em Portugal ao longo destas cinco décadas de democracia. Este foi o mote da palestra proferida por Defensor Moura, antigo presidente da Câmara de Viana do Castelo, que iniciou a sua intervenção com números que vale a pena recordar: o analfabetismo, que desceu de 33% para 3% da população; os alunos que frequentam o pré-escolar, evoluindo de 8% para 93%; o número de alunos no ensino superior, que aumentou de 81 mil para 446 mil; o número de automóveis ligeiros de passageiros que passou de 1 para 6 milhões ou os quilómetros de autoestrada que aumentaram de 66 para 3.115 Km. O antigo autarca partilhou ainda com alunos e professores a sua experiência na campanha organizada na nossa cidade aquando da candidatura de Humberto Delgado às eleições presidenciais de 1958; popularmente conhecido como General Sem Medo, esta candidatura granjeou grande apoio popular e uniu toda a oposição ao regime vigente. O palestrante teve oportunidade de explicar aos presentes que, apesar da alteração da Constituição da República Portuguesa e da Lei Eleitoral, permitindo a apresentação de listas por parte da oposição, o Governo não deixou de intimidar os apoiantes daquela candidatura. Como é sabido, o regime sentiu-se de tal forma ameaçado que procedeu a uma alteração constitucional de acordo com a qual a eleição presidencial deixou de ser direta e Humberto Delgado acabou por ser assassinado pela PIDE!
Antes da Revolução dos Cravos, a vida, em Portugal, era feita de muitas vidas, tão diversas, mas tão sofridas. E foram vários os alunos que trouxeram até à escola os seus avós para nos contarem como foram torturados e presos ou recrutados para uma guerra colonial que não compreendiam; como emigraram à procura de melhores condições de vida ou como regressaram das antigas colónias, onde nasceram e /ou cresceram, à pressa e praticamente sem nada. Viveram-se momentos de enorme intensidade intergeracional, vendo-se nos rostos dos avós a alegria da partilha e nos rostos dos netos o orgulho em apresentá-los à turma e em tê-los a seu lado.
Em março, na És Movimento, pudemos assistir à recriação de uma aula do Estado Novo, por parte de um grupo de alunos, onde nenhum pormenor foi descurado, desde a decoração da sala às roupas das personagens. Vários alunos lecionaram aulas abertas assistidas por colegas sobre diversos temas como as grandes reformas legislativas do Pós 25 de abril, entre outros.
Na véspera do dia 25 de abril, a escola sede assinalou a data com literatura e arte: alunos dançaram; antigos alunos, funcionários não docentes e professores recitaram poesia; e alunos e professores cantaram, em conjunto, um medley de músicas de intervenção.
Estas são apenas algumas das inúmeras iniciativas que me apraz registar e que tornaram este ano letivo inesquecível: pela participação alargada da comunidade educativa, pela abnegação de muitos professores, pelo entusiasmo dos alunos, pelos momentos de aprendizagem… no Agrupamento de Monserrate respirou-se abril!
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