A vida depois dos Jogos Olímpicos

Hoje, acende-se a chama Olímpica em Paris (França). Momento que marca o início dos Jogos Olímpicos. A competição, nas palavras de três dos atletas olímpicos do Alto Minho, “mais importante do calendário desportivo”.

Micaela Barbosa
26 Jul. 2024 8 mins

São mais de 200 países que participam. Portugal e, mais especificamente, a região do Alto Minho não são exceção.

Ao longo da história, são quase uma dezena os atletas que conseguiram participar no evento que reúne atletas de diversas modalidades e nacionalidades. Em cada uma das edições, existe o sonho da medalha. No entanto, só o facto de terem chegado até ali, fruto do seu trabalho, para representar o seu país, é também um sonho realizado.

“As exigências são muitas”

Manuela Machado é uma das melhores atletas da maratona portuguesas. Participou em três Jogos Olímpicos: 1992 em Barcelona, onde conquistou o 7º lugar; 1996 em Atlanta, onde também conquistou o 7º lugar; e 2000 em Sydney, onde conquistou o 21º lugar. “No início da minha carreira, não existia aquela ambição. Mais tarde, tornou-se um sonho e, no final, um objetivo cumprido”, começou por referir, confidenciando que, na primeira vez, o seu objetivo era participar e ver de perto os seus ídolos. “Em 1992, acabei por ser a segunda melhor atleta classificada de todas as modalidades. Fiquei em 7º lugar. Um lugar de finalista e, por isso, saí de lá em grande”, salientou, reconhecendo que os apoios que existem atualmente aos atletas e clubes “não são os mesmos”. “Na altura, fui apoiada pela da Federação Portuguesa de Atletismo, pelo Comitê Olímpico e pelo meu clube (Sporting Club de Braga). Se não tivesse, iria fazer tudo por tudo para o conseguir”, disse, frisando que, muito embora existam apoios, “não são suficientes”. “É muito importante que existam apoios para os nossos clubes, federações e, se possível, das nossas Câmaras Municipais para que ajudem e deem tudo o que os atletas precisam para chegar aos Jogos Olímpicos no seu melhor”, defendeu, enaltecendo o apoio da Câmara Municipal de Viana do Castelo às associações e clubes.

A atleta de 61 anos sublinhou ainda a importância do apoio mais técnico, desde médicos, psicólogos, nutricionais e etc. “As exigências são muitas. E, exemplo disso, é a pressão da imprensa que defende que, se tu fores campeão da Europa e do Mundo, tens de ganhar uma medalha nos Jogos Olímpicos. Isto desconcentra”, lamentou, recordando: Fui sétima nos Jogos Olímpicos, fui campeã da Europa e do Mundo e, em 1996, era uma das favoritas ao pódio. Acabei por ser a sétima. Fui finalista mas, no dia seguinte, a imprensa portuguesa escreveu “Manuela Machado uma desilusão”. É preciso trabalhar com isso. Quem dera, hoje, termos muitos sétimos lugares em todas as modalidades.”

Aquando os Jogos Olímpicos, Manuela Machado confidenciou que vai estar “agarrada ao ecrã” para ver os atletas e as equipas portuguesas a darem o seu melhor. “Os Jogos Olímpicos são fantásticos para quem vê e mais ainda para quem participa que sente o apoio e o calor humano. Sentimos tudo lá”, afirmou.

“Toda a minha carreira fui acompanhada por um psicólogo desportivo”

Vânia Neves participou nos Jogos Olímpicos do Rio, no Brasil, em 2016. Desde lá para cá, a nadadora reconhece “algumas mudanças”. Ainda assim, também afirma que “ainda há muito caminho para se fazer”. “Pessoalmente, tiveram um impacto grande. A nível profissional, enquanto atleta e mesmo agora já como treinadora, muito pouco”, afirmou, considerando que, em Portugal, “dá-se pouca visibilidade aos atletas que são olímpicos e não trazem medalhas”.

No pós-Jogos Olímpicos, Vânia sente que os atletas que estão em clubes “maiores” acabam por ter “mais visibilidade”. “Quem está ligado ao desporto em Viana, e que não são muitas pessoas, nomeadamente, pessoas ligadas à natação e triatlo, conhecem-me, sabem quem eu sou e reconhecem o que fiz, mas, regra geral, ninguém sabe quem eu sou”, disse, assegurando que, “tirando a Manuela Machado, que é o nome mais sonante em Viana, ninguém sabe quem são os atletas olímpicos da cidade”. “O principal problema é a falta de divulgação. Na aldeia olímpica, todos os atletas da comitiva tiveram que dar uma entrevista antes da sua prova e quem faz a entrevista não tem noção da realidade das diferentes modalidades. Então, a pergunta é sempre a mesma: “E medalhas?”. Esquecem-se de tudo o resto. Do trabalho de casa”, lamentou, recordando que o dia que mais marcou foi o dia da prova. “Fiquei alojada perto da competição e, enquanto esperava pelo meu treinador, que tinha ficado na aldeia olímpica, fiz uma caminhada junto à praia, vi as condições do mar e tirei coisas para a minha prova. Acima de tudo, percebi que estava na prova mais importante da minha vida e foi, provavelmente, das alturas em que estive mais calma porque sabia que o trabalho estava bem feito. Consegui mesmo desfrutar do momento”, garantiu.

A nadadora confidenciou ainda que não sentiu nenhuma pressão porque trabalhou “muito” antes da prova. “Toda a minha carreira fui acompanhada por um psicólogo desportivo. Este trabalho foi crucial”, salientou, enaltecendo o apoio “incondicional” dos seus pais. “Na altura, ouvia-se falar um bocadinho de psicologia no desporto. Tive a sorte de ter um pai ligado ao desporto e que achou, por bem, quando comecei, desde muito nova, a ter bons resultados e aliada a isso, aparecem exigências, que deveria ter um acompanhamento para lidar com tudo isso”, contou, defendendo o apoio psicológico dos atletas federados.

Atualmente, é treinadora e o conselho que dá aos seus atletas é que “não existe sucesso sem trabalho”. “Os miúdos que estão ligados ao desporto, conseguem perceber um bocadinho isso, mas o espírito de sacrifício e lutar pelas coisas está-se a perder um bocadinho e, por isso, passo esta imagem de que sem trabalho, não chegam ao sucesso. Antes de qualquer resultado, tem de haver muito trabalho”, frisou, considerando que os resultados, a nível internacional, poderiam ser “mais expressivos” se existissem outros apoios. “O problema é de raíz… Não falo de apoios financeiros, mas a nível institucional para os atletas mais jovens terem apoio a nível das escolas e mais flexibilidade. Coisa que ainda não existe”, apontou, explicando que, em toda a sua carreira, o único patrocinador foram os seus pais. “Nunca tive um apoio/patrocínio externo. Tive ajudas de custo em alturas mais cruciais. A Junta de Freguesia de Castelo do Neiva foi incansável, mas foram coisas esporádicas porque os meios são reduzidos”, acrescentou, atirando: “Os apoios são cada vez maiores e as empresas também começam a apostar um bocadinho nos atletas mais jovens e que estão ainda a crescer na carreira. Mas, na realidade, para modalidades amadoras, é muito ingrato ver o que temos de fazer para ter apoio e olharmos à nossa volta e ver no futebol, por exemplo, uma realidade completamente distinta, no mesmo país.”

“O Alto Minho tem capacidade e condições para diversas modalidades”

Já Fernando Pimenta é o atleta português mais medalhado de sempre em europeus, mundiais (doze medalhas) e jogos olímpicos (um dos cinco portugueses com duas medalhas Olímpicas).

Participou em três Jogos Olímpicos e conquistou duas medalhas, mas ainda falta a de ouro. Paris 2024 é o seu grande objetivo. “Não posso descurar que a participação nos Jogos Olímpicos me permitiram chegar onde estou. Conseguir estar presente é motivador, mas ainda é mais motivador trazer medalhas”, afirmou, reconhecendo que a sua participação teve impacto não só na sua vida pessoal e profissional, como territorial. Ponte de Lima tornou-se “a capital nacional da canoagem”. “Nas redes sociais, muitas pessoas perguntam-me se vou estar em Ponte de Lima porque querem tirar uma fotografia comigo. Algumas delas, ficam desapontadas por nunca me terem visto lá a treinar. E, isso é bom. Acaba por ser motivador perceber que ajudamos a desenvolver a região”, especificou, confirmando que sente que “as pessoas têm orgulho dos seus atletas”. “O Alto Minho tem capacidade e condições para diversas modalidades, desde as quais os desportos náuticos. Cabe à região, aos concelhos e municípios saberem aproveitar e desenvolver essa parte”, considerou.

O atleta crê ainda que o investimento é “suficiente”, mas reconhece que, quando o atleta passa para outro patamar e nível, “tem de existir apoios diferentes”. “Existem Municípios, de outras regiões, que apostam de uma forma diferente na prata de casa. Têm outros tipos de apoios. O apoio aos clubes é muito importante, mas quando há atletas que se destacam, o apoio direto pode ser uma forma de contribuir ao seu crescimento. E, provavelmente, em alguns casos, não se perdia os atletas para outros clubes”, defendeu.

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