A (im)perfeita gestão do tempo

Ana Margarida Silva
17 Ago. 2024 3 mins
Ana Margarida

Algures em julho, na segunda fase do exame nacional de Português do ensino secundário, os alunos foram confrontados com um texto do Cardeal José Tolentino Mendonça que aborda a temática da gestão do tempo. O frenesim em que vivemos, cuja génese remonta à Revolução Industrial, é um assunto de grande atualidade e são conhecidos os efeitos que provoca quer na saúde das pessoas, como o stress e a ansiedade, quer nas relações interpessoais, deteriorando-as, por vezes, irreversivelmente.

 

A época do ano em que nos encontramos, por ser a altura em que, tradicionalmente, grande parte das pessoas goza férias, constitui uma excelente oportunidade para pararmos e refletirmos sobre a forma como gerimos o nosso tempo e sobre os objetivos que atingimos e os que ficaram por cumprir e, principalmente, para discernirmos aquilo que realmente nos é mais essencial e nos traz felicidade. Quantos de nós lamentam a falta de tempo para repousar, acompanhar melhor os familiares (sejam os nossos filhos, os nossos pais ou outros), fazer exercício físico, ler ou conviver com os amigos?!

O legislador laboral obriga a que pelo menos um dos períodos de férias tenha a duração mínima de 10 dias consecutivos (nº 8 do artigo 248º do Código do Trabalho) de forma a garantir uma verdadeira recuperação física e psicológica do trabalhador e a generalidade da população portuguesa fá-lo no verão por coincidir com as férias escolares e para usufruir dos dias mais longos e solarengos do ano. A época é, portanto, propícia à reflexão e o texto do Cardeal Tolentino Mendonça – A arte do inacabado -, é um bom ponto de partida e traz-nos pistas para atingirmos o desiderato de melhor gerirmos o nosso tempo.

Um dos aspetos do referido texto que considero mais relevante é a recusa daquilo que o autor designa por “lógica das compensações”, isto é, «que o tempo que roubamos, por exemplo, às pessoas que amamos procuraremos devolvê-lo de outra maneira, organizando um programa ou comprando-lhes isto ou aquilo; ou que o que retiramos ao repouso e à contemplação vamos tentar compensar numas férias extravagantes».

A outra ideia decorrente do mencionado texto que importa realçar prende-se com aquilo que o autor designa por um “exercício de desprendimento e de pobreza”, isto é, a necessidade de aceitarmos que tudo o que vamos conseguindo realizar não passa de «… uma versão provisória, inacabada, cheia de imperfeições», acrescentando «… que o momento de viragem acontece quando olhamos de outra forma para o inacabado, não apenas como indicador ou sintoma de carência, mas condição inescusável do próprio ser». Julgo que esta segunda ideia da aceitação do imperfeito como algo que é natural à brevidade do tempo nos pode trazer maior tranquilidade e, consequentemente, melhor qualidade de vida.

Assim, termino retomando a ideia inicial de aproveitarmos as férias para redefinirmos os nossos objetivos e as nossas prioridades, mas cientes de que tudo o que fizermos será sempre suscetível de ser melhorado porque a perfeição não existe e a melhor forma de nos aproximarmos dela é aceitarmos a imperfeição como algo intrínseco à vida e ao nosso próprio ser.

Tags Opinião

Em Destaque

Notícias atuais e relevantes que definem a atualidade e a nossa sociedade.

Opinião

Espaço de opinião para reflexões e debates que exploram análises e pontos de vista variados.

Explore outras categorias