Com 52 anos, Ágata Rodrigues é filha do escultor José Rodrigues, “o artista com mais arte pública no país”. O amor com que conta as histórias e fala do pai, é mais do que evidente. Seja no olhar, seja pela emoção com que fala. “Lembro-me ainda de pequena, o encontrar a desenhar com o lápis. Era um graffiti. Ele não levantou o lápis até terminar. Não desviou o olhar para perceber se a obra estava a ficar bem. Fiquei abismada com aquilo. Disse para mim mesma: «Caramba! Tens direito a fazer o que quiseres desta vida, porque és mesmo genial»”, conta.
Em cada canto do Convento San Payo, situado em Vila Nova de Cerveira, recorda muitas memórias de infância, entre elas na igreja, onde saltava de um púlpito para um monte de terra, que continha uma árvore. Algo semelhante ao cenário com que Beckett começa a peça “À espera de Godot”. Tal como as personagens do Nobel da Literatura de 1969, também quem entra naquele espaço ancestral espera, entre algo desconhecido e incerto, uma revelação ou uma presença que as peças de José Rodrigues indiciam. “Aqui, encontram a alma do meu pai”, salienta, referindo que, para o seu pai, “todas as experiências contavam” e que “tudo o influenciava”. O teatro é exemplo disso mesmo. “Ele começou a fazer cenários a partir dos anos 60 até 2006. Colaborou em mais de 50 peças de teatro e, portanto, o teatro acaba por se espelhar em todas as peças dele”, assegura, exemplificando: “Quando fazíamos exposições, eram quase espaços cénicos. As exposições não eram só o exposto. Tinha de haver envolvência. Quase como se entrassem, respirassem e tivessem de encontrar um sítio e outro.”
Entre a Sala do Oriente, onde estão expostas as peças de arte alusivas às viagens de José Rodrigues, os jardins e os claustros, onde estão expostas obras de arte de outros artistas, existe a Sala do Barro. Mais concretamente, o museu. Em cada uma das peças, decoradas e montadas pelo seu pai, sente-se a sua “unha a trabalhar”. “É notório que não vemos só o José Rodrigues a colecionar. Percebemos igualmente os gostos dele”, aponta.
José Rodrigues (re)encontrou o convento, abandonado em meados do séc. XIX, e começou a reabilitá-lo com o arquiteto Viana de Lima, finalizando no fim dos anos 90. “Cada espaço que ele reabilitava, fazia dele um atelier, ao ponto que o último espaço que sobrava era a nossa sala e, por isso, já o fez cá fora”, recorda, entre risos, contando que o seu pai vendeu muitas peças para continuar a recuperar o edifício.
Um dos seus desejos era abrir ao público. Conseguiu. Hoje, o Convento San Payo dispõe, ainda, de uma Sala de Exposições Temporárias e de um hotel, que surgiu para “rentabilizar e ajudar nas despesas”. Tem nove quartos e, segundo Ágata, permite às pessoas “usufruir do sossego, estimular a criatividade e deixar-se envolver pela arte e pela natureza”. “Quem for de Vila Nova de Cerveira, tem acesso gratuito ao nosso espaço. Já os jardins exteriores, podem ser visitados por todos. Aliás, muitas pessoas trazem a merenda e passam uma bela tarde aqui”, acrescenta.
Ali, nasceu ainda um dos eventos dedicados às artes plásticas mais importantes do país e o mais antigo da Península: a Bienal de Cerveira. “Tenho a sorte e o privilégio de pertencer ao Conselho de Fundadores e, quer a Bienal, quer o Município de Vila Nova de Cerveira, sabem que podem contar sempre connosco para todas as atividades”, assegura, admitindo que o maior desafio é a manutenção do espaço. “Isto é um lugar único. É um centro de arte e de natureza, feito por José Rodrigues”, afirma, enaltecendo o apadrinhamento do Município. “O Convento, assim como o Porto e Alfândega da Fé, têm um conjunto de iniciativas que faz com que a obra de José Rodrigues continue e perdure. Não é por acaso que ele defendia que a arte é para todos”, referiu, justificando: “O Porto, por ser um local que o meu pai adorava, onde criou a sua Fundação e fez o curso, que terminou com 20 valores, pelo que foi convidado a ser professor universitário. Além disso, fundou a Cooperativa Árvore e, por isso, era um homem dinâmico no Porto. Metia-se em tudo o que eram projetos e coisas”. Já Alfândega da Fé, era a terra dos pais de José Rodrigues. “Neste momento, está-se a trabalhar para criar e dinamizar esta triangulação, usufruindo de sinergias para promover a arte do meu pai”, revelou, salientando que ele “tem imensas obras de arte pública espalhadas pelo país”.
Ágata Rodrigues ocupa-se da gestão cultural e, embora seja bióloga de formação, os últimos anos (de vida) em que acompanhou e ajudou o seu pai, fê-la apaixonar-se e meter-se em tudo. “No final da vida dele, falámos muito da fé. Dizia-lhe que ele estava com os deuses, e que o trabalho que fazia era tão maravilhoso. Por vezes, perguntava-lhe se ele entrava no papel, ou se saía. E, ele ria-se”, recorda, confidenciando que, quando divulga a obra dele, está com ele. “O meu pai deixou muitos laços. Era um ser muito social e simples. Amigo do seu amigo. Gostava de viver a vida, e era exemplo de trabalho. Quando queria compensar o tempo ‘perdido’, porque não vivia com ele a tempo integral, eu dizia-lhe que não era preciso estar sempre com ele. Quando estávamos, era verdadeiramente intenso. Isso era suficiente”, garante.
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