Diocese de Viana promoveu Jornadas Teológico-Pastorais. João Duque desafiou Igreja a habitar o presente sem nostalgia nem fuga

A Diocese de Viana do Castelo promoveu, no Centro Pastoral Paulo VI, em Darque, as 3.ªs Jornadas Teológico-Pastorais, dedicadas ao tema “Mundo em crise: desafios à Igreja”. O encontro reuniu cerca de 80 participantes e foi marcado por reflexões profundas sobre o papel da Igreja num tempo de mudanças aceleradas, crises sociais e saturação emocional, com especial destaque para a intervenção do teólogo João Manuel Duque.

Micaela Barbosa
3 Dez. 2025 4 mins

Na abertura dos trabalhos, o Bispo Diocesano, D. João Lavrador, sublinhou a necessidade de recuperar a consciência de que a Igreja existe “por causa do mundo e não por causa de si própria”. “Há comunidades que se fecham em si mesmas, a girar sobre o nada”, alertou, acrescentando que o desânimo pastoral nasce sobretudo “quando não se orienta a ação para a missão”.

Para o prelado, o objetivo destas Jornadas passa por ajudar a Diocese a encontrar “coordenadas pastorais que respondam ao tempo de hoje”, num caminho que culminará no Jubileu Diocesano daqui a dois anos. “Este é um momento frutífero para empreendermos a aventura da evangelização”, sublinhou.

O que o mundo tem a dizer à Igreja?

Na primeira conferência, o teólogo João Manuel Duque procurou escutar com honestidade os sinais da cultura contemporânea, começando por desmontar a ideia de que “Igreja” e “mundo” são realidades exteriores uma à outra. “Nós não vivemos fora do mundo. Somos parte dele”, afirmou. “Mesmo quando alguém se retira para uma ermida, continua no mundo. Não existe esse ‘fora’.”

O teólogo explicou que a própria tradição bíblica pode ter alimentado uma leitura “demasiado negativa” do mundo, como se este fosse apenas obstáculo ou ameaça. “A visão apocalíptica dos primeiros séculos deixou-nos a contraposição à Igreja–mundo. Mas isso é uma leitura parcial”, disse, sublinhando que “o mundo é o único lugar onde o Reino de Deus pode acontecer”. 

A partir desta perspetiva, fez uma leitura ampla da modernidade ocidental, marcada por valores e práticas que, segundo afirmou, só são compreensíveis à luz da matriz bíblica que habita, mesmo inconscientemente, a cultura contemporânea. Entre esses elementos, destacou a igualdade fundamental de todos perante a lei, a fraternidade universal, a exigência de justiça e transparência, a participação de todos na vida pública, o reconhecimento da diversidade e a responsabilidade humana pelo futuro comum e pela criação. 

Para João Manuel Duque, estes traços são “efeitos tardios do cristianismo”, desenvolvidos tanto dentro como fora da Igreja, e que continuam a interpelar os cristãos. “Há aspetos do Evangelho que foram mais bem desenvolvidos pelo mundo secular do que por nós”, afirmou, defendendo que a Igreja deve saber deixar-se inspirar pelo que de genuinamente humano e bom emerge da sociedade atual.

O que a Igreja tem a oferecer ao mundo de hoje?

Na segunda conferência, o teólogo procurou mostrar que o diálogo não é unidirecional. A contribuição da Igreja, afirmou, não passa por impor modelos fechados ou recuperar formas de cristandade, mas por testemunhar um modo de viver que nasce da experiência de Jesus. “A nossa especificidade não está em criar um mundo alternativo, mas em transformar o mundo a partir de dentro, com um modo cristão de ser humano”, afirmou.

Entre os contributos que a Igreja tem para oferecer, destacou a capacidade de habitar o presente, em oposição “às nostalgias paralisantes ou às fugas futuristas”. “Oscilamos entre a futuropia e a retroutopia: ou fugimos para um futuro tecnológico perfeito ou desejamos um passado que nunca existiu. Mas Deus fala-nos no agora. O tempo da Igreja é sempre o presente”, afirmou.

João Manuel Duque defendeu ainda que a Igreja pode oferecer ao mundo uma visão relacional da vida, “onde cada pessoa é mais do que função ou desempenho”; uma ética da responsabilidade; e uma esperança que não é ingenuidade nem escapismo, mas que se constrói no concreto das realidades humanas.

A credibilidade da Igreja dependerá, frisou, da sua capacidade de integrar estas dimensões no seu modo de ser comunidade. “Não somos chamados a fugir do mundo, mas a reconhecer nele o lugar onde Deus se revela e onde o Evangelho pode gerar vida nova”, disse, concluindo: “A missão da Igreja joga-se sempre no encontro entre o Evangelho e o presente.”

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