O Alto Minho está entre as regiões do país onde mais se acentua a falta de cobertura jornalística local. Os dados constam do relatório Desertos de Notícias Europa 2025, coordenado pelo Laboratório de Comunicação da Universidade da Beira Interior (UBI), que identifica Valença como semi-deserto e Melgaço, Ponte da Barca e Paredes de Coura como concelhos ameaçados. No total, a região soma 38 meios locais, o equivalente a um para cada 6.170 habitantes, mas a distribuição é desigual e deixa vários territórios dependentes de uma oferta limitada.
Segundo o relatório, “a ausência de cobertura noticiosa local cria condições favoráveis à proliferação de desinformação”, e a insuficiência de meios no terreno compromete “o escrutínio político, a proximidade cultural e a promoção da identidade local”.
Apesar de não estar entre as zonas mais críticas do país, o estudo mostra que o Alto Minho começa a evidenciar fragilidades, com quatro concelhos sem qualquer jornal digital atualizado e três sem rádios com redação local capaz de assegurar produção noticiosa regular.
Os concelhos com maior oferta — Viana do Castelo e Ponte de Lima — contrastam com os que estão mais expostos ao risco. Valença surge como semi-deserto, com carência simultânea em imprensa, rádio e meios digitais. Monção e Vila Nova de Cerveira apresentam deserto digital, dependentes de meios impressos de atualização irregular. Já Melgaço e Ponte da Barca contam apenas com um órgão de comunicação local, o que, de acordo com a metodologia da UBI, os coloca na categoria de concelhos ameaçados.
O relatório destaca que, em vários destes municípios, o único jornal existente tem periodicidade superior à quinzenal, insuficiente para assegurar “cobertura noticiosa satisfatória num ecossistema profundamente digitalizado”.
A nível nacional, o estudo revela que 45 concelhos portugueses não têm qualquer órgão de comunicação local, afetando cerca de 245 mil pessoas. Paralelamente, 1,7 milhões de habitantes vivem em territórios com “risco elevado” de ficar sem informação confiável e regular sobre a realidade do seu concelho.
As regiões de Trás-os-Montes, Beja e Portalegre concentram a maior parte dos desertos, mas o fenómeno já chegou às áreas metropolitanas. Amadora e Montijo são apresentados como concelhos com apenas um meio jornalístico regular, um cenário que “seria impensável há uma década” e demonstra que “o problema já não se limita ao interior”.
Apesar disso, o número de desertos totais baixou de 54 para 45 desde 2022, impulsionado pela criação de 76 novos meios digitais. Contudo, os investigadores sublinham que muitos desses novos projetos apresentam redações reduzidas e produção irregular, limitando a sua capacidade de resposta às necessidades informativas das populações.
O presidente do Sindicato dos Jornalistas, Luís Simões, considera os dados “assustadores”. Em declarações à TSF, lembra que “a democracia está em risco” e que, “sem fontes de informação credíveis, qualquer mentira parece verdade”.
O dirigente salienta que o problema já não se restringe apenas ao “interior esquecido”. “Temos casos às portas de Lisboa com apenas um órgão local. Marcelo Rebelo de Sousa sempre disse que não existe democracia saudável sem jornalismo livre e independente. Hoje vemos que o deserto informativo é cada vez mais real e a tendência é para agravar”, apontou.
Para o sindicato, é urgente que o Governo implemente medidas concretas de apoio aos meios de proximidade, num contexto em que “setores bem financiados investem milhões na desinformação enquanto os media locais definham”.
O relatório conclui que o risco não se limita às estatísticas. Em territórios dispersos ou com menor densidade populacional, a ausência de jornalistas no terreno reduz o escrutínio público, fragiliza a visibilidade dos problemas locais e aumenta a dependência das redes sociais, espaços onde, segundo os autores, a desinformação tende a circular sem mecanismos de verificação.
Embora o digital tenha crescido e Portugal conte agora com 409 jornais online regionais, muitos operam com recursos mínimos e atualização esporádica, não revertendo de forma consistente a desertificação informativa.
Para os investigadores, os desertos de notícias são hoje um problema estrutural que afeta diretamente a qualidade da democracia local. Sem informação de proximidade, afirmam, as comunidades tornam-se mais vulneráveis à manipulação, à invisibilidade e à perda de identidade cívica.
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