Há momentos na história em que um país é chamado a olhar-se ao espelho e a decidir que rosto quer mostrar ao mundo. Portugal vive hoje um desses momentos. No centro do debate está a imigração: homens e mulheres que chegam de longe, trazendo consigo histórias de luta, sonhos por realizar e a esperança de encontrar neste pedaço de terra um lugar a que possam chamar casa. Uns olham para eles com desconfiança, outros com medo. Mas a verdade, tão simples quanto exigente, é esta: acolher os imigrantes é um imperativo moral e uma necessidade vital para o futuro de Portugal.
A nossa tradição, tanto espiritual como política, não nos deixa espaço para ambiguidades. O Evangelho é claro: “Era estrangeiro e acolheste-me” (Mt 25,35). O estrangeiro é mais do que alguém que chega: é presença que nos interpela, rosto que exige resposta, apelo que não se pode calar. E a memória bíblica lembra-nos ainda: “Amai o estrangeiro como a vós mesmos, pois também fostes estrangeiros na terra do Egito” (Lv 19,34). Não há muros no coração de Deus; apenas portas abertas. Rejeitar o estrangeiro é rejeitar o próprio Evangelho.
Mas o apelo ao acolhimento não vive apenas no plano da fé. Está também inscrito na realidade que enfrentamos. Portugal é um país envelhecido, marcado por um inverno demográfico que ameaça a vitalidade das suas comunidades. Nascem poucas crianças, multiplicam-se os lares de idosos e faltam jovens nos campos, nas fábricas, nos hospitais. Sem renovação populacional, o país definha. E é aqui que os imigrantes não são apenas bem-vindos: são necessários. Em 2024, contribuíram com 3,6 mil milhões de euros para a Segurança Social, cinco vezes mais do que receberam. Estes números não são retórica: são a prova de que sustentam as pensões, financiam os serviços públicos e garantem o futuro das próximas gerações.
Contudo, mais do que números, são vidas concretas. Quem já trabalhou lado a lado com imigrantes sabe da sua ética de trabalho: homens e mulheres que se levantam de madrugada, que aceitam os empregos que muitos recusam, que cuidam dos nossos idosos, que limpam as nossas ruas, que servem à mesa ou que asseguram, em silêncio, o funcionamento dos hospitais. São eles que, com esforço e dignidade, mantêm viva a engrenagem quotidiana do país. Muitos deixam família para trás, mas não deixam a esperança. E nessa esperança mostram-nos que os valores de trabalho, honestidade e solidariedade não têm pátria única: são universais.
É precisamente aqui que fé e política se encontram. O cristianismo recorda-nos a fraternidade sem fronteiras; o socialismo lembra-nos que a justiça social só se realiza quando ninguém fica de fora. Ambas as tradições convergem no mesmo ponto: a solidariedade é a única base sólida para uma sociedade justa e duradoura. Marginalizar o imigrante é trair o Evangelho e é trair a própria ideia de comunidade democrática. Integrar é, ao contrário, afirmar a dignidade humana e reconhecer no outro um parceiro de futuro.
Os que temem que a imigração dilua a identidade nacional esquecem que a identidade nunca foi estática. Não é muralha, é rio. Sempre se alimentou de encontros, de cruzamentos, de diálogos. Foi assim com os Descobrimentos, foi assim com a diáspora portuguesa espalhada pelo mundo, é assim agora com aqueles que chegam às nossas terras. O que nos enfraquece não é a diversidade, mas o medo de a viver como riqueza.
A integração dos imigrantes não é, portanto, uma opção acessória ou uma questão administrativa. É uma escolha de rumo civilizacional. O que está em causa não é apenas como tratamos quem chega, mas sobretudo quem queremos ser como povo. Um país que se fecha sobre si próprio, alimentado pelo medo, acabará por definhar na solidão. Um país que abre os braços ao outro, que o reconhece como igual e lhe dá lugar à mesa, reencontrará na solidariedade a sua maior força.
E aqui está a conclusão inevitável: acolher não é apenas bondade, é visão de futuro; integrar não é ingenuidade, é sabedoria política; construir pontes não é fraqueza, é a única forma de sermos grandes. A pergunta é simples: queremos ser lembrados como uma nação que se encolheu no medo ou como um povo que soube erguer-se na esperança? Entre o muro e a ponte, só a ponte nos leva adiante. Entre a exclusão e a fraternidade, só a fraternidade nos mantém fiéis ao que somos.
Portugal não pode perder aquilo que sempre o distinguiu: ser pequeno na geografia, mas imenso na humanidade. E essa imensidão só se cumpre quando transformamos o estrangeiro em vizinho, e o vizinho em irmão. O futuro será daqueles que souberem acolher. E o nosso futuro, se queremos que seja digno, tem de começar por aí.
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