Exclusivo Entrevista Religião

D. Manuel Clemente: Na imigração, “não podemos tratar tudo do mesmo modo”

D. Manuel Clemente é o 44º cardeal católico português e é a partir do estudo da História que partilha todo o seu conhecimento. Em conversa com o Notícias de Viana, refletiu sobre os desafios da Igreja e da sociedade, alertando para a urgência de fortalecer laços comunitários, que também incluem a integração dos imigrantes. Num mundo de tensões em torno da identidade cristã da Europa, o cardeal falou ainda sobre os riscos de distorcer os valores do Evangelho e a verdadeira missão da Igreja no mundo, reiterando o papel do clero em proporcionar o encontro dominical.

João Basto
26 Fev. 2025 7 mins

Notícias de Viana (NdV): Numa entrevista de 2010, disse que “por mais nómadas que sejamos (…) precisamos sempre (…) de algo que nos possa unir em torno de um projeto comum”. Isso é, sobretudo, verdade hoje?

Manuel Clemente (MC): Sim, é verdade e urgente porque, hoje em dia, somos muito nómadas, mesmo sem sair do sítio. Com a internet, podemos estar muito ligados com aquilo que é a nossa realidade concreta e imediata. No entanto, precisamos de ter algo mais forte que nos una como projeto comum porque, caso contrário, nunca nos encontramos. Sem isso, não levamos as coisas por diante, que beneficiem não só a nós mesmos, como também aos outros. Ou seja, em sentido comunitário. E, é justamente isso que reconstrói a vida comunitária como um todo.

Embora tenhamos recursos que nos permitem estar informados a toda a hora, mesmo sem os procurar ativamente, é necessário dedicar mais atenção às pessoas com quem convivemos, seja nas relações familiares, profissionais ou, em particular, comunitárias.

 

(NdV): Uma circunstância em que esse projeto comum tem sido sublinhado, é na questão migratória. Como vê a recente carta do Papa Francisco aos Bispos dos Estados Unidos, em que critica a identificação da “condição ilegal de alguns imigrantes com criminalidade”? As migrações são, ou não, uma ameaça à civilização europeia?

(MC): O Papa alerta para a diferença entre “estar ilegal”, porque ainda não tiveram possibilidade de se legalizar ou a própria lei local não o permite fazer facilmente, e “ser criminoso”. São coisas diferentes e, portanto, não podemos tratar tudo do mesmo modo. Um criminoso deve ser tratado de acordo com a legislação prevista. Já um ilegal, precisa de apoio para regularizar a sua situação.

Nem precisamos de ir para os Estados Unidos. Basta olharmos para as nossas fronteiras, onde se faz um esforço para receber quem chega, e são muitos. Neste momento, temos mais de um milhão de população imigrante. Com mais de 10% da população nessa condição, é essencial que tenhamos muita atenção e nos foquemos na sua integração.

Claro está que, quem chega, também tem de procurar e fazer um esforço para se integrar nos nossos usos e costumes. Ou seja, tem de existir um trabalho de mútuo conhecimento. Legalizar e, caso não haja condições, remetê-los à sua precedência, quando haja condições para tal.

 

(NdV): Tendo em conta que já escreveu muito sobre a Europa, choca-o, de certa maneira, que haja pessoas que utilizem a identidade cristã para dizer que a imigração é uma ameaça à civilização europeia?

(MC): Como referi na conferência, é difícil usar a palavra “cristão” e “cristã” como adjetivo. Muitas vezes, não se encaixa bem com o que estamos a enunciar.

Há cristãos e cristãs na cultura europeia. Houve, e há, gente que leva por diante a sua fé e a concretiza em muitas manifestações desta cultura. Contudo, é preciso ter muito cuidado quando se batiza muito rapidamente, sobretudo, quando contraria a lei do Evangelho.

Na cultura que existe na Europa e onde se deteta muita influência do cristianismo e da presença de gente cristã, também há outras coisas que já esqueceram essa origem e que, depois, não funcionam nesse sentido.

Portanto, é preciso usar com muita cautela essas designações, para ver se o que está por dentro delas é realmente Evangelho ou, às vezes, é a sua contradição.

 

(NdV): Na mesma entrevista, dizia que a Europa não sofre de “Cristofobia”, mas “que procura é fazer uma série de descaracterizações de Cristo”. Quais acha que sejam as principais?

(MC): Tudo aquilo que usa o nome de Cristo para realidades que, fundamentalmente, não o são. No fundo, desconhecimento do Evangelho.

Quando nós dizemos “Cristo”, o que é que isso suscita na mente das pessoas? Com certeza, a figura de um chefe reli

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