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Jorge Fernandes: Uma entrevista sobre um país que tanto prometeu

Fala com uma frontalidade e uma clarividência raras no espaço público português. Jorge Fernandes nasceu, em 1986, em Viana do Castelo. Vive em Madrid. Doutorado em Ciência Política pelo Instituto Universitário Europeu, Florença. É co-editor do Oxford Handbook of Portuguese Politics (2022). Foi investigador visitante da Universidade da Califórnia (2012) e do Center for European Studies em Harvard (2018-2019). Sem medo ou favor, conversou com o Notícias de Viana sobre um país que teima ser “aquilo que é”. 

João Basto
3 Jan. 2025 8 mins

Notícias de Viana (NdV): Já viveu em cinco países nos últimos anos. Como olha para Viana?

Jorge Fernandes (JF): A minha relação com Viana tem uma componente sentimental. Eu gosto bastante de vir aqui. É bom estar com os meus pais.

Viana, sabemo-lo bem, é uma cidade com indicadores de interioridade. É capaz de ser das cidades do litoral onde esses indicadores são maiores.

Mas Viana tem um problema. Aliás, há muitas pessoas que até culpam as autoridades locais, mas acho que elas estão um bocadinho desarmadas nisto. É algo que acontece, também, noutras cidades e que tem a ver com a história da criação da classe média em Portugal.

A nossa classe média é uma classe média de Estado. No fundamental, as pessoas que vivem na classe média em pequenas cidades como Viana, têm empregos que giram em torno do Estado.

São professores, juízes, médicos, enfim. 

 

(NdV): Li. Aliás, há pouco tempo, um texto seu em que falava de uma tendência dinástica do poder em Portugal. Estes territórios estão vulneráveis a uma feudalização do poder em torno das autarquias? 

(JF): Acho que feudalização é uma melhor palavra do que dinastia, por acaso. Nunca estudei o caso com os dados de Viana, mas é evidente. Em pequenas cidades, isso é relativamente comum. No fundo, existem duas dimensões aqui. Uma dimensão em que as pessoas cujos pais já tinham uma certa posição social cá. Imagine, por exemplo, um filho de advogados, que têm um escritório cá, esse filho pode estudar fora de Viana e, ao voltar, herda o negócio dos pais. 

Noutra dimensão, alguém que não tenha este tipo de raízes, provavelmente, vai estudar e já não volta.

Portanto, há uma certa reprodução das elites que tem a ver com a própria contingência do tamanho da cidade.

No entanto, aquilo que acho mais grave, é como é que esta cidade se vai conseguir reproduzir do ponto de vista social porque, se a maioria das pessoas, que aqui nasce, quando chega a idade da universidade e já não volta, é natural que, daqui a alguns anos, comecemos a assistir a um declínio demográfico. 

 

(NdV): Mas, então, o que podem as entidades públicas fazer? 

(JF): As autoridades públicas, tirando Lisboa e Porto, não têm câmaras municipais com músculo financeiro e organizativo. A Câmara Municipal de Lisboa tem um orçamento que tem a dimensão de um orçamento ministerial. E, portanto, há ali algum músculo financeiro e organizativo. E, isso dá outra capacidade de lobby político. Isto é, se o Carlos Moedas ou se o Rui Moreira pegarem no telefone, ligarem para o ministro, o ministro vai atender. Se o presidente da Câmara de Viana ligar, se tiver sorte, fala com um secretário de Estado ou com um assessor. Às vezes, até acho uma certa graça quando sigo as campanhas eleitorais autárquicas e vejo promessas de se fazer isto e aquilo. A verdade é que, na sua maioria, ou isso não está nas competências da Câmara Municipal, ou ela não tem músculo financeiro e organizativo para fazer o que se promete. É viver num mundo de fantasia. 

 

(NdV): Mas, quais são os erros de Portugal? 

(JF): Quanto tempo temos [risos]? Isso é uma conversa longa, mas há varias maneiras de ver a situação. Olhando para trás, Portugal é, inegavelmente, uma história de sucesso na União Europeia. Em 74, éramos um país de terceiro mundo. Tínhamos indicadores económicos e educacionais que só a Albânia tinha. Estávamos num patamar de absoluta pobreza. Não havia nada em Portugal. Tínhamos taxas de analfabetismo altíssimas. Tínhamos meia dúzia de alunos universitários. E, não tínhamos nenhuma autoestrada, praticamente. E, mesmo assim, em 74, a adesão à União Europeia não era evidente.

No fundo, a Europa deu-nos duas coisas fundamentais. A primeira, é o que toda a gente sabe, é o dinheiro. Muito dinheiro. A segunda, é uma coisa absolutamente central e que as pessoas muitas vezes não sabem, é ter-nos ensinado a montar um estado moderno.

O caso é um bocado anedótico, mas, em 87, não havia uma máquina de impostos em Portugal, e os impostos são essenciais para fazer cumprir as funções sociais. Na Alemanha, nos E.U.A e na Inglaterra isso já existia, desde o séc. XIX. Nós criamos o IRS, o IRC e o IVA em 88. E, a Europa, ainda hoje, continua a ser isto. Ela diz-nos

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