Manuel Carvalho da Silva é uma figura emblemática no movimento sindical que desempenhou um papel importante na defesa da justiça social e da dignidade laboral numa altura de grandes transformações sociais e económicas, em Portugal. Hoje, os desafios são outros que vão desde a digitalização, ao tele trabalho e à inteligência artificial. Aqui, o ex secretário-geral da CGTP-Intersindical Nacional não tem dúvidas de que são questões que “não podem ser trabalhadas pelos sindicatos de forma isolada”.
À margem de uma conferência sobre “trabalho, direitos sociais e democracia”, organizada pelo Núcleo de Viana do Castelo da Associação de Conquistas da Revolução, Carvalho da Silva considerou que as dificuldades que a esquerda tem em responder às necessidades reais das pessoas centram-se “na construção de propostas e afirmação de narrativas que, no contexto atual, saiam vencedoras”. Ou seja, “é preciso passar à prática” a partir de conteúdos “muito concretos” da realidade. “A esquerda continua a colocar os problemas fundamentais que se colocam à sociedade, desde logo o grande foco que faz às desigualdades em múltiplos campos, às injustiças, à intolerância, à observação de conceções reacionários, que negam a cidadania e a democracia, à necessidade de melhoria das condições de vida da grande parte da sociedade e à distribuição da riqueza”, enumerou, criticando “a falta de programas políticos e vencedores”. E, é aqui, segundo o mesmo, que se coloca “o busílis da questão”. “É necessário haver programas que criem esperanças de vencimento de êxito com a capacidade de se partir da situação em que se está. Não basta afirmar e expor as causas e os seus fundamentos”, sublinhou, alertando para uma sociedade que, hoje, “é muito marcada pelo individualismo cruzado com um consumo”. E, neste sentido, defende uma resposta coletiva.
Consciente dos novos desafios, trazidos pela digitalização, pelo teletrabalho e pela inteligência artificial, o ex secretário-geral afirma que estar ou não preparado para enfrentá-los é uma interrogação que se põe constantemente ao país e a todo o mundo. “Responder a este problema, é ir a debate com ideias e condições próprias, mas isso não é fácil. Nem para os sindicatos, nem para o Estado”, considerou, lembrando que, “neste momento, são os grandes grupos, que dominam o digital e a tecnologia, que impõe regras”. “Não se queira que os sindicatos, por si, resolvam os problemas. É um desafio da sociedade”, atirou.
Para Carvalho da Silva, os sindicatos são estruturas de intermediação da sociedade de “representação e responsabilização coletiva”. Sem elas, “não há democracia”. “Anular ou enfraquecer as instituições de intermediação é matar a democracia e, por isso, os sindicatos têm que puxar valores democráticos com muita, muita força”, apelou.
Além destes desafios, o sindicato tem um papel “muito importante” no combate à pobreza, tornando-se “capaz de travar a mercantilização do trabalho”. Ou então, como alerta, corre-se o risco de voltar à miséria do séc. IX ou antes do 25 de Abril. “Há ainda uma necessidade da sociedade perceber e assumir que o trabalho continua a ser central. É preciso discutir profissões, qualificações, carreiras profissionais e etc porque o futuro não é feito de colaboradores e empreendedores. O futuro vai continuar, utilizando as tecnologias avançadas e etc, a exigir que exista serralheiros, eletricistas, estocadores, médicos e professores. Profissões concretas que têm códigos deontológicos e obrigações que devem ser estruturadas na base do estabelecimento de direitos e deveres”, defendeu.
Uma das causas “significativas” para o aumento da pobreza, em Portugal, é os baixos salários. E, relativamente a esta questão, Carvalho da Silva defende a alteração do perfil de especialização da economia portuguesa e a matriz do desenvolvimento do país. “Precisamos de sectores produtivos na nossa sociedade e é bom lembrar que continua a ser a indústria, apesar das mudanças, o sector onde há mais avanços do ponto de vista de qualificação e qualidade de pessoas, e retribuição do trabalho”, referiu, lamentando a matriz do turismo que é “aniquiladora do desenvolvimento”. “A área metropolitana de Lisboa, que é a área mais influente na evolução da produtividade a nível nacional pela sua dimensão, nos últimos anos, tem aumentado de emprego e não de produtividade porque o perfil de especialização continua a ser baixo”, exemplifico, alertado que “este é o primeiro problema”. O segundo é “a melhoria dos salários médios por atitude unilateral dos patrões”. “É entretenimento”, disse, argumentando que “só há melhoria dos salários médios, se houver contratação coletiva”. “A valorização do salário mínimo tem de ser acoplada a uma estratégia de evolução dos salários contratextualizados”, defendeu, acrescentando: “Quando se afirma que quando houver condições, melhoramos, é falso até porque num estado de direito social democrático, estado moderno, o social não se acrescenta quando há condições no económico. O social é intrínseco ao económico.”
Como resposta, que visa promover uma maior justiça social, o ex secretário-geral considera que “os mecanismos, que se opõem às desvalorizações nos sistemas de pensões, apoios sociais, salário mínimo, políticas de apoio aos desempregados e etc, têm que ser revitalizados”. “Quando um primeiro-ministro diz que vai atualizar as pensões, de acordo com o mínimo da lei e que, depois, dará um bônus se houver condições, condições que ele determina se ou não há, está a fazer política de esmola. E, esta política, só dá para uma coisa: eternizar a pobreza”, disse.
Já sobre “como é que pode o Estado incentivar a criação de empregos de qualidade e combater a precariedade no atual cenário económico”, Carvalho da Silva sustenta a aposta na mudança do perfil de especialização, em sectores de produção de bens e serviços (a chamada indústria moderna) e em produção efetiva. “A grande questão da sociedade, a nível nacional e internacional, é a questão social. O mundo vai precisar de outra distribuição da riqueza, organização de poderes e etc”, referiu, afirmando ser curioso que a disciplina da cidadania esteja em discussão. “Nós não temos seres humanos que sejam cidadãos plenos se a sua base de dignidade depender da vontade de outrem. A cidadania coloca os direitos como posse dos indivíduos. E, este é o grande combate”.
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