Sapadores de Viana do Castelo querem melhores condições de trabalho

Dos 72 bombeiros sapadores de Viana do Castelo, 31 participaram na manifestação para reivindicar os acertos salariais prometidos pelo anterior Governo e pela regulamentação da carreira. A ação decorreu em frente à Assembleia da República, em Lisboa. 

Micaela Barbosa
4 Out. 2024 9 mins

O “grito de revolta” juntou mil bombeiros sapadores do país para reivindicar “acertos salariais para compensar o aumento da inflação” e a regulamentação da carreira, lamentando a “falta de resposta” dos vários governos. Promessas com “mais de 20 anos”. “Estamos a pedir que o Governo nos oiça”, começou por frisar Tiago Cardoso, bombeiro sapador desde 2018 e delegado sindical em Viana do Castelo.

A manifestação foi promovida pelo Sindicato Nacional dos Bombeiros Sapadores (SNBS) após o Governo não ter aberto o jogo quando reuniram, na passada sexta-feira, com todos os sindicatos, informando-os que tinham uma proposta. “Reivindicamos os acertos salariais para compensar o aumento da inflação, conforme foi atribuído às demais carreiras da função pública”, disse.

Os bombeiros sapadores defendem ainda a revisão da carreira, onde sejam contemplados os suplementos de risco, penosidade e insalubridade, bem como a disponibilidade permanente, em percentagem e à parte do vencimento. “Não estamos a pedir nada de extraordinário. Fizemos as contas e estamos a falar de 7,03 euros mensais que não estão atribuídos ao subsídio de risco”, explicou Tiago Cardoso, lembrando a necessidade de atualizar a tabela salarial uma vez que, recentemente, foram atribuídos 52 euros a algumas carreiras na função pública, à exceção deles. “Também pedimos a revisão da idade da reforma. Não estamos a pedir os 50 anos para toda a gente. Estamos a pedir-lhes para quem combate na linha da frente, uma vez que o desgaste é maior do que aqueles que, de acordo com a hierarquia, vão assumindo funções mais de chefia e acabam por se aposentar mais tardiamente”, esclareceu, indicando que, “nos últimos dez anos, morreram 35 bombeiros, um número superior à PSP ou GNR”. “Isto demonstra que a nossa profissão não é fácil e está provado que, trabalhar por turnos, traz consequências e sequelas a longo prazo”, argumentou.

A manifestação ficou marcada por um momento de exaltação, quando os bombeiros subiram as escadas do parlamento, obrigando a PSP a barrar a entrada do edifício. “Os ânimos exaltam-se sempre, mas com total respeito para com as forças policiais. Cumprimos o nosso objetivo. Fomos ouvidos pela comunicação social e opinião pública, e os próprios partidos demonstraram, através das entrevistas, interesse e vontade em resolver algumas das nossas reivindicações”, referiu, assegurando que “não houve danos causados”. “No final, limpamos tudo e colocamos as barreiras no local devido. Ao contrário do que dizem e pensam, não somos vândalos e selvagens”, vincou.

O delegado sindical criticou ainda a postura da Ministra da Administração Interna ao afirmar, em entrevista, que “os sapadores pertencem às autarquias locais”. “É uma falácia total. Pertencemos às autarquias, mas é o poder legislativo, Assembleia e Governo, que propõe as leis para estas alterações. Se diz isto é porque não sabe como funcionam as coisas”, atirou, recordando que “o próprio PS prometeu negociações, inclusive Patrícia Gaspar. Contudo, “nunca chegou nada”. “Há uma proposta mais antiga do PAN, que foi a votações na especialidade, e o próprio PS, com maioria, chumbou-a. E, dar-nos-ia algumas regalias que reivindicamos”, exemplificou, frisando que o objetivo é que o Governo inclua “algumas das suas reivindicações” no próximo Orçamento de Estado. “O próprio sistema integrado de gestão e avaliação do desempenho na Administração Pública (SIADAP) é muito punitivo. Não posso avaliar da mesma forma um bombeiro sapador de um assistente operacional que trabalha numa autarquia local. Não tem as mesmas funções, logo não pode ser avaliado da mesma forma. O SIADAP está desatualizado”, acrescentou.

“O papel do Governo é de legislador”

Contactada pelo Notícias de Viana, uma outra fonte garantiu o apoio aos bombeiros sapadores porque “as reivindicações são muito válidas”. Contudo, tal como o ministro da Presidência, lamentou “a politização que instrumentalizou a manifestação”. “Então, qual é o papel do Governo? O papel do Governo é de legislador. Por isso, qualquer movimentação que aconteça nesta área é uma movimentação com uma dimensão tripartida. Nós, órgãos legislativos, com uma função de poder legislar, as autarquias verdadeiramente é que decidem os recursos que têm, que decidem a gestão e a organização das condições de trabalho”, explicou António Leitão Amaro, criticando implicitamente alguns partidos e defendendo que “a maneira de resolver os problemas do país é com um diálogo à mesa das negociações, com compromisso e com lealdade”.

Recentemente, a presidente da Associação Nacional de Municípios Portugueses (ANMP), Luísa Salgueiro, afirmou que, “apesar dos bombeiros sapadores serem funcionários das câmaras municipais, as autarquias não têm legitimidade para lhes alterar as condições de trabalho, cabendo essa mudança ao legislador.

Bombeiros profissionais da administração local

De acordo com o Decreto-Lei n.º 106/2002, artigo 3.°, que estabelece o estatuto de pessoal dos bombeiros profissionais da administração local, entende-se por bombeiros profissionais “os bombeiros municipais que desempenham funções com carácter profissionalizado e a tempo inteiro e os bombeiros sapadores”, e “são corpos especiais de funcionários especializados de protecção civil integrados nos quadros de pessoal das câmaras municipais”.

O decreto, que não é revisto desde 2002, inclui informações sobre duração e horário de trabalho, férias, faltas e licenças, regime disciplinar, direitos e deveres, remuneração, e etc. “Os corpos de bombeiros profissionais estão sujeitos ao regime da duração e horário de trabalho da Administração Pública, com a possibilidade de se efectuarem doze horas de trabalho contínuas”, diz o artigo 23.°, acrescentando: “Os períodos de funcionamento, horários de trabalho e respectiva regulamentação são obrigatoriamente aprovados pelo presidente da câmara municipal, nos termos da lei.”

No que diz respeito à tabela salarial, o artigo 29.° diz que “o valor do suplemento pelo ónus específico da prestação de trabalho, risco e disponibilidade permanente atribuído aos bombeiros sapadores é integrado na escala salarial da respectiva carreira” e que “a remuneração base mensal correspondente ao índice 100 dos bombeiros sapadores, após a integração do valor correspondente ao adicional de 2/prct., é fixada em (euro) 557,42, com efeitos a partir da entrada em vigor do presente diploma”. “As alterações posteriores dos índices 100 são introduzidas por portaria conjunta do Primeiro-Ministro e do Ministro das Finanças”, refere.

Já os limites de idade para a passagem à aposentação foram revistos em 2019. E, segundo os artigos 284.º a 286.º da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, “considera-se pré-reforma a situação de redução ou de suspensão da prestação do trabalho em que o trabalhador com idade igual ou superior a 55 anos mantém o direito a receber do empregador público uma prestação pecuniária mensal até à data da verificação de qualquer das situações previstas no n.º 1 do artigo 287.º”. “Após completarem 50 anos, os trabalhadores integrados nas categorias de sapador bombeiro, subchefe de 2.ª, subchefe de 1.ª e subchefe principal do quadro ativo, podem requerer a alteração das funções operacionais, nomeadamente funções de elevada exigência física, para funções de natureza administrativa, logística e ou de instrução, quando estejam habilitados para o efeito, de acordo com as necessidades do serviço” e “quando completarem 55 anos, os trabalhadores têm direito à alteração de funções prevista no n.º 1, podendo ser colocados em posto de trabalho fora do corpo de bombeiros”, explica o artigo 8.° do decreto lei de 2019.

Executivo municipal defende subsídio de risco 

Na mais recente reunião do executivo municipal de Viana do Castelo aprovou-se, por unanimidade, uma moção que defende a atribuição de suplemento de risco aos Bombeiros Sapadores, tal como já acontece em outras profissões. “Ficamos satisfeitos que estejam do nosso lado para que, uma vez por todas, a lei seja igual para todos, que haja unanimidade nacional e que as Câmaras Municipais consigam perceber como, de hoje para amanhã, obter verbas para pagar os vencimentos e as despesas que acarreta esta profissão”, referiu Tiago Cardoso, lembrando que a corporação tem viaturas e outros bem materiais que precisam de verbas.

O documento pede a revisão do estatuto dos bombeiros profissionais da administração local, destacando a regularização dos horários de trabalho dos trabalhadores dos Corpos de Bombeiros Profissionais da Administração Local, compatível com trabalho em regime de turnos e a atribuição de suplemento de risco.

A moção defende, face “às atuais dificuldades de recrutamento” de Bombeiros Sapadores, que o requisito de ingresso, idade, passe a ser compreendido entre os 18 e os 30 anos, inclusive.Considera ainda que deve ser revisto o número de categorias da carreira de Bombeiro Sapador de forma a permitir uma perfeita organização hierárquica bem como a criação de uma nova carreira de Oficial Bombeiro Sapador; pede ainda a clarificação para efeitos do comando de operações de que a responsabilidade de atuação prioritária e de comando caiba ao corpo de bombeiros detido pelo Município; e a possibilidade de os municípios aprovarem regulamentos de funcionamento interno dos respetivos corpos de bombeiros como instrumento complementar de organização da sua atividade, inclusive a definição de rácios entre categorias, mediante o número de elementos do quadro ativo.

A moção, que será remetida à Assembleia da República, Primeiro Ministro, Ministério da Administração Interna, Ministério da Coesão Territorial, Ministério do Ambiente e Energia, ANEPC, Grupos Parlamentares da Assembleia da República, Associação Nacional de Municípios, Liga dos Bombeiros Portugueses, Sindicatos, CIM do Alto Minho e comunicação social, solicita ainda para que seja fixa uma compensação a transferir aos municípios detentoras de Corpos de Bombeiros Profissionais e a incluir no Orçamento de Estado.

Fotografia: Tiago Cardoso

Tags Política

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