Viticultura familiar continua a valorizar o Alvarinho

No dia 12 de setembro, vindimou-se na casa do senhor Arnaldo e da senhora Natália Alves. Ele tem uma empresa de construção. Ela dedica-se a tempo inteiro às vinhas. São dois dos vários rostos que cuidam das pequenas parcelas que integram a malha de retalho do Soalheiro, em Melgaço. 

Micaela Barbosa
16 Set. 2024 6 mins

O som de fundo na vinha que mais se fazia ouvir era o corte das tesouras. Aqui, ainda se faz “tudo à mão”. Escolhe-se o cacho de uvas, corta-se com a tesoura e coloca-se nos cestos. No final, no trator, seguem para a adega.

No decorrer da vindima, Maria João cumprimenta tudo e todos. Não há uma pessoa que não conheça. E, não há nenhuma pessoa que não a conheça. É filha de João António Cerdeira e Maria Palmira Cerdeira. O casal que plantou, há 50 anos, a primeira vinha contínua de Alvarinho.

Muito embora seja veterinária de profissão, é atualmente a responsável pela viticultura do Soalheiro. “A veterinária abriu-me muitas portas. Literalmente, porque tinha de entrar na casa das pessoas para tratar dos seus animais e, por isso, acabei por criar laços com todas elas”, disse, contando que nasceu em ambiente vinícola e que as suas memórias já não são só do seu pai, mas de outros viticultores que se juntaram. “A nossa uva já não chegava para a produção de vinho, a paisagem vai-se transformando e, nos dias de hoje, existe este grupo de mais de 180 famílias de viticultores que têm um impacto muito grande no Soalheiro como na economia da região”, afirmou.

A forma como fala mostra o seu conhecimento e transmite, acima de tudo, o gosto pela que faz ao “passear” pelas vinhas. “À medida que o tempo passa, é impossível, num negócio familiar, não nos envolvermos com tudo”, vincou, garantindo que não coloca em causa sair dali. “Sinto-me feliz aqui. Eu sou cada uma destas pessoas. Identifico-me com elas”, reforçou, acrescentando: “É um negócio de família. Da minha família, da família equipa e da família dos nossos parceiros.”

Tentamos que todo o processo seja o mais natural possível”

No livro “Manta de Retalhos”, Arnaldo Alves contou que nasceu pobre, tomava conta dos terrenos dos outros e foram “comprando pouco a pouco”. “Fomos plantando aos poucos. Hoje, temos uma média de cinco hectares, mas nem tudo está a produzir a 100%”, explicou Natália Alves, dando nota que aquela vinha, onde estávamos, foi plantada em 2017. “As pessoas que vêm vindimar já nos ajudam em anos anteriores. Muitas delas têm grupos e trazem-nos também. Hoje, temos algumas pessoas que vêm pela primeira vez mas, normalmente, ficam a gostar e querem repetir a experiência no próximo ano”, enumerou, sublinhando o espírito familiar que se vive durante as vindimas. 

Em 2013, juntou-se ao Soalheiro e assegura que é “gratificante”. “Apesar de vivermos todos perto, aqui conhecemo-nos melhor e convivemos em família”, considerou, confidenciando que os filhos também a ajudam a cuidar das vinhas. “Tentamos que todo o processo seja o mais natural possível. Tenho os animais que ajudam a limpar o terreno e, durante o ano, eu, o meu marido e os meus filhos, fazemos a poda durante o ano”, garantiu, lamentando: “A maior dificuldade é combater a doença das uvas. O ano passado foi um ano muito complicado. Este ano, já foi melhor, muito embora as pessoas andaram mais em cima delas para evitar que voltasse a acontecer.” 

“Há muito para trabalhar e conhecer”

Hoje, com cerca de 100 hectares, o Soalheiro continua a promover uma viticultura familiar. “As pessoas ajudam-se umas às outras. E, agradece-se à mesa”, referiu João Almeida, responsável da comunicação, frisando que “é esta tónica que torna este território diferente”. “O alvarinho também acaba por ser um rendimento complementar. São as uvas mais caras do país (1,30 euros o quilo)”, acrescentou, sublinhando que o papel do Soalheiro é “valorizar o Alvarinho em Portugal e no mundo através da sua diversidade e singularidade”. “Hoje, produzimos cerca de 20 referências de Alvarinho. Todas elas distintas e fruto de um trabalho preciso nas vinhas”, destacou Maria João, especificando a diversidade das vinhas que vão desde o vale, à beira do rio, a altitude a mais de 400 metros, vinhas biológicas e vinhas na zona de Monção com diferentes solos. 

Ainda assim, o conhecimento, a inovação e, ao mesmo tempo, o querer “manter a qualidade e consistência” dos vinhos são alguns dos desafios apontados pela responsável. “Percebemos que, no nosso território, ainda há muito para trabalhar e conhecer”, reconheceu, assegurando que estão igualmente atentos às alterações climáticas. “Se tivermos que adiantar uma vindima, fazêmo-lo. Se for necessário ir buscar uvas ao vale, vamos. Ou seja, temos uma grande capacidade de resposta a tudo isto”, esclareceu, revelando que estão a fazer um trabalho científico em várias vinhas. Uma delas está na porta do Parque Peneda Gerês, a 1100 metros de altitude, com “cenário drástico” para perceber “como vai funcionar o Alvarinho”.  

“Escolhemos importadores que partilham a mesma visão”

Maria João recordou ainda algumas palavras do seu pai para que nunca se esquecesse de onde viera e, por isso, vincando que “o Soalheiro é uma adega com os pés bem assentes na terra”. “Temos uma representação forte em Portugal e exportamos para 40 países. No território nacional, estamos praticamente em todos os sítios. Na exportação, ainda há muito caminho para se fazer e para se crescer”, reconheceu, esclarecendo que escolhem o importador com dimensões que possam satisfazer. “Quanto mais conseguirmos partilhar o conhecimento e a paixão pelo Alvarinho, a sua singularidade e da casta, vai refletir-se no interesse das pessoas e, por isso, escolhemos importadores que partilham a mesma visão”, sustentou João Almeida.

E, ao contrário do que se passa em outras adegas, principalmente, nas regiões do Douro e do Alentejo, o Soalheiro não tem excesso de vinho porque, de acordo com a responsável, conseguem escoar. “É tudo muito pensado. Fazemos controlos precisos e de imprevisibilidade, e desenvolvemos um trabalho muito grande na área comercial, garantindo uma proximidade com os nossos parceiros”, explicou.

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