«É muito saudável e fecundo palpar, na Diocese de Viana, um grande sentido de missão»

O Padre Tiago Aparício Simões Barbosa faz parte da Congregação dos Missionários do Espírito Santo. Neste Ano Missionário que a Igreja Portuguesa está a viver e num Ano Pastoral que a nossa Diocese dedica à Evangelização, o «Notícias de Viana» esteve à conversa com este sacerdote que se tem dedicado à animação missionária na Diocese de Viana e na Arquidiocese de Braga, missão que se prepara para deixar no final deste mês de julho para rumar a Lisboa.

Notícias de Viana
8 Nov. 2019 11 mins
«É muito saudável e fecundo palpar, na Diocese de Viana, um grande sentido de missão»

O Padre Tiago faz parte da Congregação dos Missionários do Espírito Santo.

Notícias de Viana (NdV): Que Congregação é esta? O que significa ser sacerdote espiritano?

Tiago Barbosa (T. B.): A Congregação à qual pertenço desde 1997, quando fiz os meus primeiros votos no Seminário da Silva, em Barcelos, é uma Congregação com 300 anos de história, fundada em França por um jovem seminarista, de nome Claude Francois Poullart des Places e refundada em 1850 por um judeu convertido, Francois Libermann. Temos um ‘tríplice objetivo’ (carisma tridimensional, assim lhe chamo) que é: a evangelização ou anúncio de Jesus Cristo aos que nunca ouviram falar d’Ele; partir para os lugares em que a Igreja dificilmente encontra obreiros; e, o terceiro, trabalhar preferencialmente em favor dos mais pobres e abandonados. Como há 300 anos, hoje, buscamos, enquanto Congregação e enquanto religiosos, em Igreja local, isto é, inseridos na Igreja Diocesana que ‘nos adopta’, responder a este apelo tripartido, mas que é único e que é levar a alegria de Jesus aos mais pobres na linha do Evangelho de Lucas (4,16-18), cientes de que é o Espírito Santo que nos dá a sua força e luz para o poder realizar. Daí o nosso nome. A presença do Espírito foi, aliás, a experiência fundante e marcante dos nossos fundadores e da nossa espiritualidade. Com docilidade e disponibilidade ao Espírito Santo, juntos como espiritanos, rezamos e pedimos que nos dê ouvidos atentos e vigilantes ao apelo dos mais pobres e abandonados, para os podermos servir e amar, levando connosco o tesouro que é a vida em Cristo. Para mim, ser sacerdote significa fazer da minha vida uma oferta em favor dos demais, “pro gentis”, sem distinções nem diferenças. Ser espiritano é a tonalidade deste viver como sacerdote. Das coisas mais bonitas que já ouvi enquanto sacerdote espiritano é as pessoas afirmarem, no contacto connosco, que somos simples e capazes de tocar todas as mãos sem distinções… É eloquente ouvir alguém expressar isto. As mãos do Mestre a todos tocavam e a todos chegavam. Acho isto razão mais que suficiente para a alegria e felicidade de vida!

(NdV): Como espiritano, tem assumido diferentes missões. Pode falar-nos um pouco dos diferentes “trabalhos” que lhe têm sido pedidos?

(T. B.): Fui ordenado em 2003, depois de dois anos e meio de experiência missionária em Moçambique. Fui para lá quando terminei o curso de Teologia. Após a ordenação, estive 12 como missionário no México, país que amei (amo, ainda!!!). Aqui, fui Vigário Paroquial, Administrador Paroquial e Pároco, enquanto sacerdote inserido em duas diferentes Dioceses. Primeiro, estive numa zona indígena, na Diocese de Ciudad Valles, onde trabalhei com um povo de origem Maya, mais concretamente os Tene’ek de Santo António, no Estado de San Luís Potosí, Região Central do México, virada para o Golfo do México. Foi a minha primeira inserção cultural, como missionário e espiritano no meio de um povo pobre, da periferia e, completamente, esquecido, diria mesmo, votado ao esquecimento. Para mim, foi uma experiência única. Ainda que não conseguisse aprender a língua local na sua perfeição, acho que foi uma experiência maravilhosa o facto de poder saborear a riqueza espiritual e cultural dum povo que sabe reconhecer Deus e viver com Ele em harmonia integral… Há muitos valores, aspetos e dimensões da vida que aprendi aí a valorizar.

Após esta experiência, como religioso, os superiores pediram-me para desempenhar as funções de Pároco num ambiente de subúrbios citadinos, onde o crime, a violência, o narcotráfico campeiam. No entanto, aí pude estar com os mais pobres e abandonados, pois a grande maioria dos paroquianos vinha das montanhas e era de origem indígena. No meio da pobreza e da violência, o Evangelho é força que pacifica, que unifica e converte as relações. Subúrbio de cidade, na América Latina, significa periferia onde faz falta tudo a nível material: estradas de terra batida, falta de saneamento, enfim, um sem número de carências no que diz respeito a coisas elementares e básicas; nestes subúrbios, muitas vezes, as relações humanas e sociais são marcadas por antagonismos sociais e económicos, pela lei do mais forte, pelo ‘quero, posso e mando’ de certos cabecilhas em detrimento dos mais pobres, dos mais fracos e dos mais simples. Aí vivi e experimentei o que é ser Igreja da periferia, da margem, do estar do lado dos descartáveis, bem ao jeito do que afirma o Papa Francisco. Gostei muito de ver leigos comprometidos, audazes, homens e, sobretudo, mulheres de fé, partilhando ministérios, em corresponsabilidade e com um grande espírito de solidariedade e de serviço… uma Igreja em diaconia e koinonia… Em fins de 2014, vim para Viana do Castelo, com a tarefa e a responsabilidade de animar os diversos grupos paroquiais da L.I.A.M. (Liga Intensificadora da Ação Missionária), ser Superior Religioso da comunidade espiritana que se situa no Bairro das Ursulinas, o dito Seminário das Missões, e também com a incumbência de animar missionariamente a nossa Diocese.

Atualmente, vivo na comunidade da Silva, em Barcelos, e sou responsável pela animação missionária na Arquidiocese de Braga e na Diocese de Viana do Castelo. Ainda este verão, rumarei a Lisboa para assumir uma nova missão.

(NdV): Ao longo dos últimos anos, foi, como referiu, o Superior da casa de Viana do Castelo, situada na Rua dos Santos Mártires, na cidade de Viana. Com que finalidade surgiu esta casa?

(T. B.): Este Seminário foi o primeiro Seminário na nossa cidade. Foi graças aos cristãos de Viana, em especial aos de Perre, Outeiro, Cardielos e Serreleis que se construiu este edifício, sendo que a sua primeira função foi a de ser Seminário Maior. Aqui, estudou-se Teologia e Filosofia. Depois, passou a ser Seminário Menor. Nos anos 80, recebeu uma grande remodelação, para se tornar casa de repouso dos missionários em idade de reforma.

Presentemente, vivem nesta casa seis espiritanos com o serviço de animação missionária nas Paróquias onde há a presença da L.I.A.M. e de apoio pastoral às paróquias da Diocese. Embora viva há alguns meses na casa da Silva, em Barcelos, continuo, como já disse, dedicado à animação missionária na Diocese de Viana (bem como na de Braga). Colaboramos na medida das nossas possibilidades. Até há ano atrás, o capelão do hospital era espiritano. Com o redimensionamento que estamos a viver, fruto da leitura comunitária dos sinais dos tempos da crescente diminuição de membros, estamos em reflexão comunitária sobre o modo de ser presença espiritana em Viana. Há uma memória muito agradecida pela nossa história nesta porção do Povo de Deus e, também, um futuro, permitam-me a expressão, ‘grávido’ de esperança missionária…

(NdV): O nosso país encontra-se a viver um Ano Missionário, por decisão da Conferência Episcopal Portuguesa, em preparação para o Mês Missionário Extraordinário proposto pelo Papa para outubro de 2019. O que espera que este Ano traga à Igreja Portuguesa?

(T. B.): Acho que é uma graça e um ato de coragem, cheio de fé, o convite dos nossos Bispos em proclamar este Ano Missionário. Podiam apenas apontar outubro de 2019 como o mês extraordinariamente missionário, tal como pediu o Papa Francisco. No entanto, entendem e pedem a cada comunidade e a cada crente que sintam que ser missão é essencial e transversal para ser cristão. Não posso ser cristão deixando de ser missionário e discípulo de Jesus. Acho este aspeto vital para a nossa pastoral.Espero que este Ano Missionário ajude as nossas comunidades cristãs a transformarem-se em comunidades discípulas de Jesus, as quais, encontrando-se com o Mestre, podem ser capazes defazer uma experiência vital do discipulado e, assim, entusiasmar-se por anunciá-l’O como Caminho, Verdade e Vida que Ele é! Oxalá, e Deus assim o permita, este Ano Missionário nos dê vitalidade de Discípulos-Missionários… e que isto se traduza numa Igreja que, sem medo nem complexos, sem vergonha nem apatia, saia verdadeiramente ao caminho para proclamar a alegria de conhecer Jesus, de O amar e viver n’Ele. Claro está que, para que isto seja possível, é importante e fulcral pedir e orar ao Espírito Santo.Em sintonia com o Ano Missionário, a nossa Diocese de Viana do Castelo vive o seu Ano Pastoral sob o mote “Somos Igreja que evangeliza”.

(NdV): Quais são as maiores exigências que hoje se colocam à Igreja e, concretamente, à Igreja de Viana na sua ação evangelizadora?

(T. B.): Como disse nesta última pergunta, o maior desafio que se nos apresenta é ser autenticamente cristão. Este é o maior desafio eclesial, do meu ponto de vista. Se o conseguirmos alcançar, certamente que seremos uma Igreja que, na alegria e na disponibilidade de discípula e missionária, é capaz de evangelizar, de anunciar Jesus, de o propor como projeto de vida com sentido e cheio de felicidade.Basta, como Igreja Diocesana de Viana, olhar para a figura inspiradora do Beato Frei Bartolomeu dos Mártires que, no seu lema, nos relembra que é preciso estarmos vigilantes e atentos para “não nos conformarmos com este mundo”, mas, juntos, trabalharmos pela santificação, nossa e dos demais. Acho que santificarmo-nos se traduz por sermos autênticos discípulos-missionários.No contacto que mantenho, diariamente, com muitos leigos e comunidades cristãs de Viana, é muito saudável e fecundo palpar um grande sentido de missão; há pessoas, mais novas e mais velhas, que desejam experimentar o que significa partir em missão; há, felizmente, um coração de Viana que não é apenas uma bonita peça de museu ou de joalharia, mas muito mais que isso: é capaz de olhar para o outro e ver nele o autêntico rostro de Jesus!Vejo, aqui, uma porta que se abre à evangelização e à renovação. A missão é sempre uma escola que nos desafia a ‘mais e melhor’, citando o lema o L.I.A.M. Oxalá, este Ano Missionário possa ajudar-nos a crescer neste dinamismo e nesta direção…

(NdV): De que forma é que a comunidade espiritana procura assumir a sua missão evangelizadora na Diocese de Viana?

(T. B.): Com simplicidade e sempre ao serviço na Igreja local, que assumimos como nossa. Acho que, como espiritanos, tal nos é proposto pela nossa regra de vida. Somos chamados a viver a nossa espiritualidade sempre com o coração a bater ao ritmo do coração da Diocese onde nos encontramos.Só assim poderemos ser espiritanos para essa Igreja local, neste caso, para a Igreja de Viana, e, deste modo, também estaremos a ser fiéis às intuições dos nossos fundadores, bem como ao legado espiritano vianense que a nossa história nos oferece.Em contexto de Ano Missionário e de Ano Pastoral Diocesano virado para a evangelização, como espiritano sinto-me mais identificado e mais comprometido em atualizar no hoje da história os traços fundamentais da nossa espiritualidade, carregada de missão. Ao servir como religioso-missionário nesta Diocese, sinto-me chamado, comunitária e pessoalmente, a ser parte viva desta Igreja que agradece a Deus pelo seu palmilhar de Povo de Deus ao longo destes 40 anos e que, iluminada e inspirada pelos seus carismáticos fundadores, deseja ‘dar corpo’ a toda uma atitude pastoral de evangelização, de sair de si mesma e de ir ao encontro dos questão sozinhos, dos que estão abandonados e dos que vivem sem esperança porque não conhecem a Alegria do Evangelho.

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