João Ferreira tem 55 anos, é professor do Instituto Politécnico de Viana do Castelo e é presidente do Banco Alimentar de Viana do Castelo. É natural de uma terra de Trás-os-Montes, mas desde muito novo que veio viver para a Capital do Alto Minho. Foi um dos seus sócios fundadores, vice-presidente e, desde há quatro anos, assumiu o cargo de presidente da instituição. O Banco Alimentar em Viana do Castelo, o mais recente de todos, celebra este ano o 10º aniversário e realizou, recentemente a sua 21ª campanha na cidade, nos dias 30 de novembro e 1 de dezembro.
(NdV): Quais as principais diferenças que sente em relação ao Banco Alimentar de Viana do Castelo atual e ao de há dez anos?
João Ferreira (J.F.): É desafiante, assustador e, ao mesmo tempo, congratulamo-nos com tudo aquilo que fizemos e pela evolução que o Banco Alimentar teve em Viana do Castelo. No inicio, éramos um pequeno conjunto de voluntário que assumíamos tudo, essencialmente, em horário pós-laboral, uma vez que todos trabalhávamos nas nossas áreas profissionais e, aos fins de semana.
Deu-nos um gozo e prazer criar uma estrutura como o Banco Alimentar em Viana do Castelo, porque não havia nenhuma nesta área. Desde o inicio, contamos com apoios em termos locais, mais concretamente, da CIM – Comunidade Intermunicipal do Alto Minho -, tendo sido ela a nossa grande parceira e, depois, de todas as autarquias do distrito, mais em particular a de Viana do Castelo.
Começamos com um armazém que nos parecia imenso, mas na primeira campanha realizada em Viana do Castelo, quando chegamos ao final do primeiro dia, tivemos que mobilizar um conjunto de pessoas para nos ajudar a retirar vários produtos/caixas para um outro espaço de trabalho para que, no dia seguinte, a campanha decorresse naturalmente. Era uma situação imprevisível. E, por isso, em termos logísticos evoluímos muito, tendo o Banco sido transportado para um armazém com condições únicas em Viana para uma IPSS – Instituições particulares de solidariedade social.
(NdV): Qual é a constituição da equipa do Banco Alimentar?
(J.F.): O espírito dos Bancos Alimentares e, mais concretamente, o de Viana do Castelo é o voluntariado, onde todos os órgãos sociais são voluntários. Consequentemente à sua evolução e às responsabilidades que fomos assumindo, ao longo dos anos, temos uma equipa constituída por três elementos: um coordenador técnico com formação superior na área social, uma chefe de armazém e uma administrativa com formação superior na área de gestão.
(NdV): A quantas pessoas chegam?
(J.F.): Chegamos, sensivelmente, a cerca de 16 200 pessoas. É uma percentagem bastante significativa do distrito em Viana do Castelo. É nesta região que atuamos e que dá uma percentagem de cerca de 7% da sua população.
(NdV): A percentagem da população variou face às realidades que se atravessaram?
(J.F.): Nós temos tido, como acontece a nível nacional, uma generosidade que é importante e de realçar da população portuguesa e, concretamente, dos vianenses. No entanto, tem havido algum decréscimo na doação de alimentos, em concreto, nas duas campanhas que decorrem no âmbito nacional. Estamos em querer que advém de algum cansaço e das muitas solicitações que as pessoas têm para colaborar e ajudar todos.
Por outro lado, temos tido a capacidade de – apesar de não termos, na nossa região, produtores de frutícolas e horticultas, indústria alimentar e mercado abastecedor, como em outros bancos do país – encontrar outras empresas que nos ajudam na área alimentar, contribuindo para o aumento do número de produtos alimentares angariados.
(NdV): Na sua opinião, as pessoas têm dificuldade em pedir ajuda?
(J.F.): O Banco Alimentar não ajuda diretamente ninguém. Nós trabalhamos numa rede com cerca de 90 IPSS’s do distrito de Viana do Castelo, em que estabelecemos um protocolo/parceria. O trabalho de terreno, ou seja, a avaliação das necessidades da população é feita pelas IPSS’s.
Temos constatado um aumento contínuo na procura da necessidade e das manifestações desses nossos parceiros e que, muitas vezes, não conseguimos corresponder, porque não temos bens alimentares para entregar.
(NdV): As pessoas conhecem, sobretudo, as campanhas nas grandes superfícies. No entanto, há um trabalho realizado por de trás no armazém. Como é que funciona o Banco Alimentar em dias de campanhas?
(J.F.): As campanhas nas grandes superfícies comerias é que nos dão grande visibilidade, em Viana do Castelo são cerca de 70. A nível nacional, temos ainda vários parceiros que gerem campanhas extremamente poderosas que nos ajudam a divulgar a nossa imagem.
A marca Banco Alimentar é credível e, por isso, as pessoas confiam em nós, o que também ajuda a potenciar o nosso trabalho e, em particular, pós-campanha. Ou seja, tentamos sensibilizar a mobilização não só na angariação como também no voluntariado.
As campanhas potenciam a nossa imagem e, a partir daí, as pessoas vêm ter connosco ao armazém para procurar saber como nos podem ajudar. No entanto, temos também pessoas que nos vêm oferecer excessos de alimentos que têm em casa, fora da campanha, como são exemplos os frutícolas e horticultas.
(NdV): Como é feita a entrega dos bens recolhidos nas campanhas?
(J.F.): As IPSS’s manifestam as suas vontades através de uma candidatura que é acompanhada por um conjunto de documentação para que a direção do Banco Alimentar possa avaliar e perceber se de facto aquela instituição pode integrar a lista de parceiros.
Atualmente, temos instituições em lista de espera, porque não temos capacidade para mais e esta é a nossa angústia, dar pouco a algumas ou dar muito a poucas. A nossa opção tem sido sempre esta: dar a quantidade que nós pensamos que é aceitável a um número de instituições.
Os produtos que são doados às IPSS’s têm três modalidades: consumo próprio em refeições servidas a pessoas com carências, cabazes para famílias ou, simultaneamente, as duas coisas. Temos IPSS’s que vêm buscá-los ao armazém semanalmente, mensalmente e nas alturas de campanhas.
As duas campanhas (de âmbito nacional) realizadas pelo Banco Alimentar são suficientes para responder às necessidades de todas as IPSS’s de Viana do Castelo?
Não são suficientes e não sei, concretamente, qual a razão das datas das campanhas. Numa leitura pessoal, elas estão vulgarmente e publicamente estão identificadas como uma campanha no Dia Mundial da Criança e do natal. Portanto, deve ser pela proximidade destes períodos festivos e da sua importância.
Infelizmente, todos os produtos que nos chegam, ou a maior parte deles, têm prazos de validade superior a seis meses. Como as campanhas decorrem de seis em seis meses, o único produto que nós controlamos o prazo de validade é o leite, porque as datas são inferiores. E, por isso, após a campanha de maio, quando chegamos a agosto já não temos certos produtos para distribuir, daí o nosso desafio em perceber onde é possível superar estas necessidades fora das campanhas.
(NdV): Outra das missões do Banco Alimentar está na luta contra o desperdício. Em Viana do Castelo, que trabalho é desenvolvido nesta área?
(J.F.): A missão do Banco Alimentar de Viana do Castelo é lutar contra o desperdício, recuperando os bens alimentares e levando-os para quem tem carências através da mobilização de pessoas e empresas que, a título voluntário, se associam à nossa causa.
Muitas das vezes, o desperdício chega-nos do pequeno agricultor que tem excesso da batata ou fruta e que nos faz chegar esses bens alimentares.
Outra situação que acontece é a questão dos excedentes e de algum desperdício da indústria. Nós recebemos, com alguma frequência, produtos que a indústria sabe que não é expectável terem venda no prazo que eles preveem. Quando a indústria faz a sua análise do período de escoação e, quando este não é escoado, entrega-nos.
Todos os produtos que entregamos estão em perfeitas condições sanitárias para consumo, mesmo aqueles que estão no limite do prazo de validade são acompanhados com documentos oficiais que comprovam que o produto está em condições de ser consumido num prazo alargado.
Importa ainda salientar, que todos os produtos que são angariados, nas campanhas e fora delas, no distrito de Viana do Castelo, são entregues exclusivamente no distrito. No entanto, como não existem produtores de frutícolas e horticultas, indústria alimentar e mercado abastecedor na nossa região, aquilo que é feito, felizmente, é uma partilha do Banco Alimentar do Porto e de Braga connosco, porque têm essa capacidade de nos fazerem chegar alguns produtos que lhes são entregues.
(NdV): É fácil conseguir voluntários para participar nas campanhas?
(J.F.): Nós mobilizamos, nestas campanhas, cerca de 1100 voluntários em todo o distrito de Viana do Castelo. A nível nacional, estima-se cerca de 400 mil voluntários a trabalhar em cerca de 2 mil superfícies, num trabalho desenvolvido por 21 bancos nacionais em Portugal continental e ilhas. Em Viana, a percentagem de voluntários é bastante significativa, tendo em conta que a média de horas realizadas estão entre as quatro e cinco horas de voluntariado.
Do seu ponto de vista, os portugueses e, em particular, os que pertencem ao distrito de Viana do Castelo são ainda muitos solidários nestas causas?
Sem dúvida alguma que são muito solidários. A questão aqui é que eles estão no limite daquilo que lhes é possível ser solidários não só nos números, que são significativos, como também nos seus gestos, atitudes e, muitas das vezes, nas palavras que as pessoas nos dizem de que queriam ajudar mais, mas não podem.
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