José Machado: “Ninguém imagina, ao passear na rua, quem é que precisa de ajuda”

Com 78 anos, José Machado é Presidente da Cáritas Diocesana de Viana do Castelo há 17 anos. Passou pela Santa Casa da Misericórdia como Secretário e, mais tarde, foi convidado e nomeado pelo Bispo emérito D. José Augusto Pedreira para a associação. Foi, ainda, Tesoureiro e Vice-presidente. Este ano os pedidos de ajuda duplicaram e, com a pandemia Covid-19, a Cáritas Diocesana alterou a sua estratégia para evitar os aglomerados e atende, diariamente, centenas de pessoas e famílias. A direção é constituída por onze voluntários e conta apenas com dois funcionários, que estão a trabalhar em tempo parcial. Com o mandato já prestes a terminar, o responsável fez um balanço positivo de todo o trabalho desenvolvido, alertando que ainda “há muito por fazer” em Viana do Castelo no que toca à pobreza.

Micaela Barbosa
13 Nov. 2020 8 mins
José Machado: “Ninguém imagina, ao passear na rua, quem é que precisa de ajuda”

Durante quanto tempo foi/é Presidente da Cáritas Diocesana de Viana do Castelo?

Estou há 17 anos. Fui nomeado pelo D. José Augusto, que era também meu amigo. Quando fui convidado para aqui, fazia parte da direção da mesa da Santa Casa da Misericórdia. Era o Secretário e, entretanto, assumi funções como Tesoureiro na Cáritas e, mais tarde, Vice-presidente e Presidente.

Que balanço faz do seu trabalho à frente da instituição?

Antes de mais, estes anos, enriqueceram-me. O nosso papel é ajudar o semelhante. É, realmente, um grande incentivo para a nossa vida. É um enriquecimento pessoal, apesar de também ser trabalhoso.Este ano estou em fim de mandato, porque é necessário a renovação. Já estava combinada uma reunião com D. Anacleto Oliveira para falarmos sobre o futuro presidente. Entretanto, o desígnio de Deus trocou-nos as voltas. Ele dizia que equipa vencedora não se muda, mas está na altura de se fazer essa mudança.

Que missão tem a Cáritas e, em particular, em Viana do Castelo?

A Cáritas ajuda o semelhante. Estamos aqui para praticar a solidariedade, o amor ao próximo e a partilha de bens que nos dão para o fazermos. A nossa responsabilidade é procurar partilhar e ajudar; nem sempre é fácil ajudar, porque temos de analisar todos os casos. Todas as decisões são discutidas em equipa.

Qual a situação atual da Cáritas Diocesana de Viana do Castelo?

Há muita gente que recorre à Cáritas. Este ano, os pedidos duplicaram. Tivemos cerca de 600 atendimentos, o que corresponde a um leque de cerca de 1300 pessoas/famílias. Queria ainda salientar que há muitos idosos que nos procuram. No entanto, com a pandemia, muita gente começou a ter receio e deixou de vir cá.Em contrapartida, temos também novos casos. Há novas famílias a pediriam ajuda. Enquanto que, em 2019, tivemos 91 famílias novas, até ao final do mês de setembro foram 196 famílias. A sua maioria são casais novos e desempregados. Muitos deles também admitiram que nunca pensaram recorrer à Cáritas. É quase como aquela pobreza envergonhada que ainda existe em Viana do Castelo. Não é muita, mas ainda há. Ninguém imagina, ao passear na rua, quem é que precisa de ajuda.

Quais os projetos realizados?

O grande projeto decorre em parceria com a Câmara Municipal e é o único no concelho: o Centro Local de Atendimento à Integração de Migrantes. É um grande trabalho que fazemos através de uma mediadora (assistente social) e de um apoio do Fundo para o Asilo, a Migração e a Integração, que nos paga parcialmente o vencimento da técnica. Atendemos pessoas das várias etnias e religiões. Não olhamos a nada para ajudar as pessoas, como a documentação, por exemplo. Para além deste projeto, temos ainda o Roupeiro Social na rua da Bandeira, onde distribuímos muita roupa, material escolar e mobília. Depois, as parcerias com algumas farmácias locais, como é exemplo a Farmácia Central. É um protocolo em que nos facultam medicação, dentro das suas capacidades de desconto e, por vezes, nem nos levam nada. São oferta.Ao longo do ano, promovemos várias iniciativas, como encontros de migrantes, e outras parcerias com a Câmara Municipal, em que nos dão um bem para partilhar. No Natal, temos o projeto “dez milhões de estrelas, um gesto pela paz”, em que vendemos muitas velas. Os Párocos e as escolas ajudavam-nos muito, mas, este ano, não sabemos como vamos concretizar, devido à pandemia Covid-19. Dava-nos uma ajuda muito boa. O Sr. D. Anacleto era um fã deste projeto e ajudava-nos muito a vender: na celebração incentivava as pessoas a comprar e lembrava-as da importância da solidariedade.    Este Natal, em vez de oferecemos os habituais 291 cabazes às várias Paróquias da Diocese, vamos substitui-los por vales, devido à pandemia. 

E quais aqueles que ainda falta concretizar?

Quando vim para Presidente da Cáritas ainda pensei criar a sopa do pobre. Estávamos numa fase de bastante crise, mas não conseguimos apoios suficientes. Neste momento, só posso dizer que espero que não faça falta vir a concretizá-lo. Espero que o país consiga dar a volta, ultrapassando a crise que está aí à porta. Já ultrapassámos muitas crises, mas esta será ainda mais profunda. Tenho receio do que virá.

Que dificuldades tem a Cáritas Diocesana?

A grande dificuldade é arranjar voluntários para nos ajudar. 

No dia 15 de novembro, a Igreja celebra o Dia Mundial dos Pobres. Qual é a realidade em Viana do Castelo?

A realidade é má. Há muito desemprego e muita falta de apoio. A Segurança Social, que tem uma parceria connosco, não está a colmatar as necessidades das pessoas. Nós tentamos fazê-lo. Os técnicos da Segurança Social dos vários locais fazem-nos pedidos através de e-mail. As pessoas vão lá, e são “mandadas” para aqui. Eles tentam que arranjemos alimentação, pagamento de despesas domésticas (água, luz e gás) e rendas de casa, e etc. A Segurança Social pede-nos ajuda muitas vezes. São mais pessoas a ser utentes da Cáritas, e isto significa que a Segurança Social não está a ser capaz de dar respostas. Além disso, temos ainda os baixos salários que não são suficientes para as despesas. Há famílias com filhos que não têm como lhes dar de comer. Tivemos um caso há pouco tempo e, sem contar, enchemos um saco para ela levar para casa.  

Quais os tipos de pobres a que a Cáritas dá assistência?

Existe bastante pobreza em Viana do Castelo e, parte dela, encoberta. Ajudamos todo o tipo de pobres. Atendemos pessoas com problemas de saúde e vícios. As pessoas procuram-nos para pagamentos domésticos, medicação, alugueres de casa e muitas outras necessidades. Gastamos muito dinheiro nisso. 

Para o Dia Mundial dos Pobres, o Papa Francisco convida a “estender a mão ao pobre”. Na sua opinião, a Igreja está sensível a este tema?

Parte da Igreja está sensível. Considero que a solidariedade, apesar de ser muito falada, por vezes, é a irmã mais pobre da Igreja. Acho que a solidariedade ainda está um pouco à parte de todo o trabalho desenvolvido pela Igreja. Na minha opinião, ainda há um trabalho para se fazer através do clero. Todos os anos vou ao Seminário e apelo aos futuros padres para não se esquecerem da solidariedade. Ao longo dos anos, tenho procurado falar com muita gente sobre a solidariedade e a partilha de bens, que é muito necessária nos dias de hoje.  

Este ano, com a pandemia, a fragilidade tornou-se ainda mais evidente. Como é que podemos ajudar e estar juntos daqueles que sofrem?

Mais do que aquilo que fazemos, infelizmente, não podemos fazer. A nossa função é atender as pessoas e fazemo-lo. Portanto, quem nos procura nunca vai com as mãos a abanar. Levam sempre alguma coisa, mesmo aqueles que nos chegam pela primeira vez. Abrimos processo e procuramos, junto de várias instituições e entidades, ajudas para responder às suas necessidades.

Podem não existir soluções concretas e imediatas no combate à pobreza, mas o que pode ser feito para caminharmos nesse sentido?

Saber partilhar. Aliás, o Papa Francisco fala muito sobre a partilha e a solidariedade. Ao partilharmos, estamos a ser solidários. Quem tem bastante e tem possibilidades, que partilhe e que se lembre do seu semelhante. Até, inclusivamente, as entidades patronais que saibam ser responsáveis e justas, porque ao sê-lo, estão também a ser solidárias. Um dos males da nossa sociedade é que pensam só no lucro. É preciso, mas, mais do que isso, é a parte social e humana. 

O que faz falta fazer no combate à pobreza em Viana do Castelo? 

Recentemente, tivemos uma reunião com o Instituto da Habitação e Reabilitação Urbana, promovida pela Câmara Municipal, em que lhes disse que há necessidade de construção de habitação social. Em Viana do Castelo, não temos isso. Era um grande passo, mas é complicado porque requer um grande investimento. As pessoas que nos procuram não conseguem pagar alugueres, porque não recebem. Estão muito caros. Depois, procuram-nos e nós ajudamos, mas só o fazemos enquanto temos dinheiro, porque nem sempre temos. O que nos vale é a parceria com a Câmara Municipal e com a Diocese de Viana do Castelo. Sem estes apoios, não conseguiríamos ajudar como ajudamos. Por mês, gastamos entre quatro e seis mil euros. Além disso, promovemos um conjunto de atividades de angariação de fundos. Há empresas e particulares que, especialmente, na época do Natal, nos dão apoios. Informalmente, há pessoas que vêm cá para dar o seu contributo. A todas elas, passamos o respetivo recibo, que dá para desconto no IRS. 

O que deseja para o futuro da Cáritas? 

Gostava que a Cáritas tivesse menos movimento. Era bom sinal para a sociedade. Quero também que, dentro das suas possibilidades, tenha capacidade para ajudar as pessoas que recorrem a ela.

Tags Entrevista

Em Destaque

Notícias atuais e relevantes que definem a atualidade e a nossa sociedade.

Opinião

Espaço de opinião para reflexões e debates que exploram análises e pontos de vista variados.

Explore outras categorias