O Seminário de Viana do Castelo: Prioridade da Identidade Diocesana Subsídios para a sua história – Parte XVI

A carta Para além de ter pertencido ao quadro técnico da Junta Autónoma das Estradas, o engenheiro Veiga de Faria foi Vereador, Vice-Presidente e, em 1969, Presidente da Câmara Municipal do Porto. Inclusivamente, foi agraciado com o grau de Comendador da Ordem do Infante D. Henrique, em 1966, e da Ordem de Benemerência, em 1969. […]

Notícias de Viana
6 Mar. 2021 8 mins
O Seminário de Viana do Castelo: Prioridade da Identidade Diocesana Subsídios para a sua história – Parte XVI

A carta

Para além de ter pertencido ao quadro técnico da Junta Autónoma das Estradas, o engenheiro Veiga de Faria foi Vereador, Vice-Presidente e, em 1969, Presidente da Câmara Municipal do Porto. Inclusivamente, foi agraciado com o grau de Comendador da Ordem do Infante D. Henrique, em 1966, e da Ordem de Benemerência, em 1969. Era, no entanto, sobrinho de uma Prioresa dominicana que dava por nome Ermelinda, a quem escreveu em resposta a um seu pedido de esclarecimento sobre as negociações, com a Diocese de Viana do Castelo, dos terrenos legados à Venerável Ordem pelo Provedor Francisco de Paula Ferreira.

Em carta remetida à tia, com data de 1 de agosto de 1981, o Vice-Provedor da Ordem do Carmo, em exercício por razões de saúde do Provedor, o Professor Correia de Araújo, aduziu razões para que, por um lado, ela se pudesse justificar perante o Provincial dominicano, por quem havia sido abordada sobre o assunto, e, por outro, ele, como responsável da instituição, conseguisse defender dois imperativos: as necessidades da Venerável Ordem e «a tutela administrativa que impõe regras de jogo, quanto à alienação de bens, sujeitas a hasta pública». No fundo, tentou demonstrar à tia Ermelinda que a Ordem do Carmo apenas tinha como único «recurso efectivo» para pagar as obras de reabilitação e ampliação do Hospital «uma prudente, cautelosa e bem estudada negociação dos terrenos de Viana», legados pelo Provedor Francisco de Paula Ferreira, sendo um dever «moral» e «sagrado» da Mesa «obter deles o máximo para o engrandecimento ou fortalecimento da casa». Por um lado, dizia compreender «o interesse real do Seminário em Viana», «as dificuldades reais já manifestadas pelo Senhor Cónego, Vigário Geral da Diocese, e pelo Pároco de Areosa, quanto aos terrenos em Darque» e a «ansiedade com que a Diocese pretende ‘pressa’ neste seu difícil anseio», bem como respeitar a pessoa e dignidade do Arcebispo-Bispo D. Júlio. Além disso, não punha em causa «qualquer hipótese de ambição desmedida sem fundamento cristão», nem «a negação do diálogo que, desde o início admitiu a análise cuidada e atenta de uma hipótese de permuta de terrenos, que, podendo dar satisfação a Viana, não ficasse o Porto de nenhum modo lesado e inibido dos seus propósitos». Mas, por outro lado, havia «a certeza de que, obtida a aprovação de um plano de urbanização para os terrenos disponíveis, o produto da sua negociação será a curto prazo o triplo ou ainda superior, ao montante da proposta recebida da Diocese, dada a progressiva inflação registada». Aliás, segundo o Vice-Provedor, bastaria a casa, a capela e os jardins anexos para terem, à data, um valor superior aos 20 mil contos propostos pela Diocese de Viana do Castelo. Isto sem acrescentar a mais-valia da «óptima localização desses terrenos, dada a proximidade do novo Hospital, a abrir a curto prazo, mercê da lei da oferta e da procura, que necessariamente ajudará».

A carta do engenheiro Veiga de Faria dirigida à sua tia Prioresa dominicana chegou, entretanto, à residência episcopal por interposta pessoa, acompanhada por uma mensagem de Lia Nieri Monteiro Madeira, do Porto, leiga da família dominicana, membro da Fraternidade Leiga de Cristo Rei, no Porto, e Secretária do Conselho Nacional das Fraternidades, que aludia ao desagrado da Mesa da Ordem do Carmo em tratar do assunto com a Diocese através de intermediários, pois queria «entender-se directamente» com o seu Bispo, D. Júlio. Outrossim, a mensagem sugeria também que D. Júlio pensasse com tempo «numa oferta mais aproximada» e que, depois de estar definida, através de Maria Olímpia Pinto da Rocha (1910-2002), a fizesse saber à referida remetente, que, por sua vez, a entregaria à tia do engenheiro Veiga de Faria.

O projeto

Entretanto, a pedido da Venerável Ordem do Carmo, o arquiteto Pedro Miguel Oliveira de Abreu executou um projeto na quinta de Paula Ferreira, que respeitava a casa e a mata e, como terrenos destinados a loteamento, utilizava a «Bouça dos Mosqueteiros», a parte sul da quinta, as construções rurais e, junto a estas, o terrapleno. Ao considerar o Plano Geral de Urbanização da cidade de Viana do Castelo e o Plano de Pormenor «Norte do campo de jogos», o projeto estabelecia um loteamento de 208 fogos, com uma área coberta de 14.052 m2 e uma área loteada de 40.928 m2. No dia 2 de outubro de 1981, o referido projeto de loteamento já se encontrava na Câmara Municipal de Viana do Castelo para avaliação, sem que D. Júlio e seus intermediários soubessem.

Em 9 de novembro de 1981, D. Júlio, acompanhado pelo Pe. José Augusto Martins Fernandes Pedreira, Chanceler da Cúria e Secretário-Geral da Diocese, e pelo Pe. Virgílio Resende, reuniu, no Hospital da Ordem, no Porto, com o Provedor, Vice-Provedor, Secretário e outro Mesário, estando presentes a Superiora da casa e a tia Prioresa do engenheiro Veiga Faria.

Após hora e meia de reunião, a Mesa da Ordem comprometeu-se a apresentar, com urgência, as propostas para a venda da propriedade, incluindo o preço que pedia à Diocese. D. Júlio regressou a Viana do Castelo «com razoável impressão», assim o anotou a propósito.

O imbróglio

Aconteceu, porém, que, no dia seguinte, o Pe. Virgílio Resende, Secretário de D. Júlio, reuniu com o Presidente da Câmara Municipal de Viana do Castelo e, por ele, veio a saber que, na verdade, o projeto que a Mesa da Ordem do Carmo disse a D. Júlio ter sido apresentado no dia 9 de novembro – ou seja, o da reunião no Porto – já andava pelas instâncias da autarquia vianense desde o dia 2 de outubro.

Na mesma ocasião, no dia 10 de novembro, o Pe. Virgílio recebeu do Presidente da autarquia a garantia de que a Câmara Municipal nunca iria aprovar o projeto de loteamento e que responderia à Mesa da Ordem do Carmo o mesmo que já havia sido comunicado em 27 de março de 1981 – isto é, que o terreno seria destinado a equipamento coletivo –, posição que teve a aceitação da Comissão do Planeamento Urbanístico, em 12 de novembro de 1981, apondo em ata: «embora não se veja inconvenientes na ocupação urbana do terreno».

Ao saber do imbróglio, D. Júlio ficou «com a impressão de que o engenheiro Veiga Faria não falou toda a verdade, ou não queria dizer tudo…». Decidiu, então, requerer à Câmara Municipal, em 12 de novembro de 1981, a informação do índice de ocupação do terreno tanto da quinta de Paula Ferreira, em Areosa, como da quinta de São Lourenço, em Darque, propriedade do Seminário Diocesano de Viana do Castelo.

A resposta da autarquia vianense aos dois requerimentos foi dada com data de 27 de novembro de 1981. Sobre a viabilidade de construção na quinta de São Lourenço, em Darque, referiu que, «não sendo possível, desde já, dizer-se o que se pode vir a construir no terreno em causa, dado o Plano de Pormenor não estar ainda aprovado, junta-se uma cópia do mesmo a título informativo».

A respeito da quinta de Paula Ferreira, em Areosa, transcreveu a deliberação tomada, por unanimidade, em reunião de 23 de novembro de 1981, relativamente ao processo apresentado pela Ordem Terceira do Carmo, na qual decidiu «indeferir o requerido, uma vez que do Plano de Pormenor a Norte do Campo de Jogos está esta zona a ser considerada para equipamentos colectivos».

Em 11 de dezembro de 1981, a Câmara Municipal comunicou à Ordem do Carmo o indeferimento, do qual foi pedida certidão, juntamente com a da ata da Comissão do Planeamento Urbanístico, no dia 17, pelo Pe. Virgílio Resende. Posto isto, talvez se entenda melhor o alcance das palavras de D. Júlio na referida homilia de 10 de janeiro de 1982: «Estes quase dois anos últimos passaram-se com encontros e desencontros, pedidos, negociações, hipótese de trocas, ofertas, gente a rezar e a fazer sacrifícios, mas não foi possível chegar a acordo com a Mesa da Venerável Ordem Terceira do Carmo, da cidade do Porto. Terminámos as negociações, no dia 21 de Dezembro de 1981, sem ser possível resolver o problema. A razão da demora foi portanto esta: era ali e por causa disso estamos ainda agora aqui».

(Continua na próxima edição)

Tags Diocese

Em Destaque

Notícias atuais e relevantes que definem a atualidade e a nossa sociedade.

Opinião

Espaço de opinião para reflexões e debates que exploram análises e pontos de vista variados.

Explore outras categorias