A inventariação do património No decreto de criação da primeira comissão diocesana de arte sacra, D. Júlio refere que a iniciativa não pretendia apenas corresponder às normas conciliares, mas decorria «ainda por se ter verificado a urgente necessidade de se pôr a salvo, contra as depredações de vária espécie ultimamente verificadas, o valioso património histórico-artístico […]
A inventariação do património
No decreto de criação da primeira comissão diocesana de arte sacra, D. Júlio refere que a iniciativa não pretendia apenas corresponder às normas conciliares, mas decorria «ainda por se ter verificado a urgente necessidade de se pôr a salvo, contra as depredações de vária espécie ultimamente verificadas, o valioso património histórico-artístico que é da Igreja ou está sob a sua guarda, em todo o território da Diocese».
De facto, os assaltos a várias igrejas da Diocese eram a preocupação mais premente, denunciada inclusivamente na primeira reunião da Comissão de Arte e Cultura ocorrida no dia 2 de Julho de 1979, sob a presidência do Vigário Geral, na qual foi eleito secretário o padre Lourenço Fernandes Alves.
Segundo a Polícia Judiciária, entre Janeiro e Agosto de 1979, o valor das imagens e outras peças furtadas no país chegou a ultrapassar os 4 mil contos. Razão por que foi criada na Directoria de Lisboa uma brigada denominada «Núcleo de investigação de Furtos e Obras de Arte» (NIFOA).
Dois casos, pelo menos, foram comunicados à Cúria Diocesana. Um ocorrido em Fevereiro, na capela de Santa Maria Madalena, em Fornelos (c. Ponte de Lima), donde roubaram, segundo a informação do pároco, o padre Manuel António de Azevedo (1923-2018), «dois serafins, quatro castiçais, um sacrário vazio, algumas jarras, um lampadário e uma imagem pequena de Santa Maria Madalena». Outro aconteceu, em Junho, na igreja paroquial de São Tiago de Nogueira (c. Vila Nova de Cerveira), da qual foram subtraídas cinco imagens – designadamente, a de São Sebastião, São João Baptista, São Francisco, Santo António e Nossa Senhora das Dores.
Por causa dos furtos de arte sacra, o vigário geral da Diocese, o cónego Carlos Pinheiro, chegou a receber, em 24 de Outubro de 1979, uma equipa de jornalistas do telejornal da RTP do Porto para dar nota das ocorrências.
Como medida de salvaguarda do património diocesano, a Comissão de Arte e Cultura propôs-se, desde que foi empossada, a proceder à inventariação de todos os bens móveis e imóveis com interesse cultural e artístico, tarefa aliás apontada por D. Júlio no decreto da sua erecção.
Para o efeito, enviou-se um inquérito às paróquias e demais entidades religiosas, acompanhado por uma mensagem do Vigário Geral, com data de 6 de Fevereiro de 1980, em que considerava o trabalho de inventariação «de largo alcance e de grande urgência», dependente, contudo, «da colaboração e interesse dos párocos e demais pessoas responsáveis na guarda e conservação de todos esses bens».
Em primeiro lugar, era urgente avançar com o procedimento porque «o inventário facilita, no futuro, o reconhecimento e apreensão dos objectos, em caso de furto, e melhor se podem calcular os danos e prejuízos».
Para tornar fácil o reconhecimento dos objectos em caso de furto, a Cúria Diocesana de Viana do Castelo propôs a criação de «um ficheiro de todas as imagens (ou outros objectos de valor artístico, cultural ou monetário, de igrejas e capelas)» e solicitou aos párocos o envio da fotografia dos objectos em duplicado e a respectiva descrição («nome da imagem, século, altura, cor predominante, respectiva legenda, bem como outras características consideradas úteis»).
Mais do que constituir «uma fonte de conhecimento e investigação para os estudiosos», o inquérito enviado às paróquias para efeitos de inventariação dos bens móveis e imóveis permitiria sobretudo que a Diocese de Viana do Castelo ficasse «a saber qual é o seu património artístico-cultural-religioso, adquirindo deste modo consciência do seu valor, especialmente, enquanto herança dos antepassados, que deverá ser conservado e apreciado, até como património da humanidade».
Apesar de «extensa e pormenorizada», acreditava-se que a «ficha-inquérito» seria de «fácil» preenchimento, «dado que os sacerdotes possuem conhecimentos de Arqueologia desde o Seminário». No entanto, o ideal seria «que, em cada Arciprestado, um sacerdote ou leigo mais experiente nestes assuntos desse a sua colaboração no preenchimento das fichas».
A iniciativa recebeu estímulos de entidades civis, como foi o caso do Governo Civil do Distrito, da Fundação Calouste Gulbenkian, da Direcção-Geral do Património Cultural e do Instituto Português do Património Cultural.
Outro inquérito seria remetido às paróquias «para o levantamento do acervo documental e literatura religiosa dos arquivos paroquiais da Diocese de Viana do Castelo», elaborada pelo padre Manuel Gonçalves do Vale, membro da primeira Comissão de Arte e Cultura e director do Arquivo Distrital de Viana do Castelo a partir de 1984. Licenciado em História pela Faculdade de Letras do Porto da Universidade do Porto, era diplomado pela Universidade de Coimbra com o curso de bibliotecário-arquivista e documentista, para além de ter sido pároco de Freixieiro de Soutelo, professor na Escola Secundária de Santa Maria Maior e sócio-fundador do Centro de Estudos Regionais (CER).
Ambos os inquéritos foram publicados na revista «Caminiana» (1987) pelo padre Lourenço Alves em apêndice ao estudo intitulado «O Património Cultural do Alto Minho (Civil e Eclesiástico) – sua defesa e protecção», onde o autor faz o balanço da actividade da Comissão de Arte e Cultura até o ano de 1985.
(continua na próxima edição)
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