O “começo” da Diocese

“Não querem um Almanaque das Missões?”. A pergunta abrandou o passo apressado em direção à sacristia. “Não querem ajudar as missões? É um euro e vinte. Não querem o Calendário também?”. Perguntámos se o preço era o mesmo. “É igual. Um euro e vinte cada um”. Pedimos os dois. Enquanto no-los entregava, a senhora perguntou: “De onde sois?”. “Somos do Seminário”. “Aí sois vós que vindes cá, do Seminário. Obrigado por ajudarem as missões. Rezo muito por vocês”. A hora da Missa começava a aproximar-se. Seguimos até à porta.

Notícias de Viana
4 Nov. 2022 3 mins
O “começo” da Diocese

Cristóval fica a 112 km da Sé de Viana do Castelo. É o “começo” da Diocese. O lugar mais setentrional, não só do distrito de Viana do Castelo, como de Portugal inteiro, e uma das comunidades por onde os seminaristas passaram, numa visita ao Arciprestado de Melgaço durante o último fim de semana, que coincidia com o começo da Semana da Diocese e o começo da Semana de Oração pelos Seminários.

Quando entrámos, com o Almanaque e o Calendário na mão, perguntaram: “Já conheceram a D. Rufina?”. Ficámos a olhar uns para os outros. “Temos que, um dia, pedir à UNESCO para a classificar como património imaterial”, disse alguém, entre o riso e a veneração, deixando antever o reconhecimento de um lugar de anciã da Paróquia, para aquela senhora com quem nos tínhamos cruzado e, de quem, só agora sabíamos o nome. Leitora, zeladora, cantora. É infindável o conjunto de modos através dos quais serviu e continua a servir a comunidade.

A celebração começou, e ela lá estava com um pequeno livro na mão, do lado esquerdo, a começar os cânticos. No compasso de espera antes do início da Eucaristia, tinha vindo de novo ter connosco. Quis saber os nossos nomes. Queria contar a sua história. Dar um último recado do “Sr. Padre” antes de se esgueirar apressadamente para o seu lugar.

“Cristo Jesus, Tu me chamaste”. “Aceita Senhor a nossa oferta”. “Vinde comer do Meu pão”. “Povo Teu somos, ó Senhor”. De música em música, passado algum tempo, regressámos à sacristia. A desparamentação era apressada. Ainda era preciso regressar a Viana, para no dia seguinte, bem cedo, refazer o caminho. 

“Sabem: rezo muito por vocês e pelos sacerdotes”. Era a D. Rufina que reentrava na sacristia. “Todos os dias rezo a oração que vem numa pagela que tenho em casa. “Jesus, Mestre divino, que chamastes os Apóstolos para Vos seguirem. Continuai a passar…” As palavras tornavam-se mais confusas. “Desculpem. Eu rezo todos os dias esta oração, mas estou tão emocionada de vos ver aqui. Como é que é o resto?”. Intercaladamente, ajudámos a oração a chegar ao fim. 

Havia algo de profundamente enternecedor naquele momento. A D. Rufina via, talvez pela primeira vez, os seminaristas irem até com ela, à sua Paróquia; via, talvez pela primeira vez, o rosto daqueles por quem há tanto tempo rezava, sem saber nomes, idades ou origens; via, pela primeira vez, aqueles para quem pedia “coragem” e “força”, “para o bem do Povo de Deus e de toda a Humanidade”.

Para nós, que guardámos as pagelas que contêm esta oração num armário, à espera dos dias em que percorremos as Paróquias, percebíamos, ao vivo, como ela ganhava todos os dias uma nova vida, talvez inesperada, através do coração daquela que via a visita dos seminaristas como a visita de alguém a quem se quer muito, mas por quem se espera durante muito tempo.

O pequeno trajeto até ao carro fez-me pensar numa frase, em estilo de fragmento, que o orientador do retiro para o Diácono soltou durante uma meditação: “Convenço-me que o Mundo só se sustém pela oração de uma eremita anónima e desconhecida”. Talvez, também, a nossa Diocese!

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