O biblista e professor da Universidade Católica Portuguesa, José Carlos Carvalho, foi o orador da Semana Bíblico-litúrgica, que se realizou entre os dias 28 e 30 de novembro no Centro Pastoral Paulo VI, em Darque, Viana do Castelo. Em entrevista ao Notícias de Viana, fala do renovado interesse editorial que a Sagrada Escritura tem tido e da necessidade de um caminho renovado para uma maior abertura à Palavra de Deus.
Notícias de Viana (NdV): Tem havido um interesse editorial ligado ao mundo bíblico. As traduções do professor Frederico Lourenço têm grande visibilidade mediática e a Conferência Episcopal Portuguesa (CEP) tem investido numa nova tradução da Escritura. Como olha para estes fenómenos? Serão eles já consequentes?
José Carlos Carvalho (JCC): Esse autor tem uma máquina editorial e boa imprensa por várias razões. Do ponto de vista académico, o seu trabalho tem fragilidades como, grande parte dele, ser feito por assistentes, e a CEP, em boa hora com D. Anacleto Oliveira, conseguiu reunir pessoas e meios para traduzir a Escritura para todo o país. Era uma coisa necessária porque as traduções que existiam, algumas foram feitas à pressa depois do Concílio. Como disse ontem, as que hoje temos são uma manta de retalhos, porque abrimos um missal, um lecionário ou um manual de catequese ou de Educação Moral e Religiosa Católica, e os textos são todos diferentes. Não houve a preocupação de traduzir de raiz. Neste sentido, a CEP reuniu uma equipa, da qual me deu o privilégio de fazer parte. Sou parte interessada no processo que, obviamente, não tem a máquina industrial e publicitária de marketing que têm outras editoras. Todavia, estes fenómenos vieram pôr as pessoas a ler a Sagrada Escritura e, nesse sentido, é positivo. Mesmo a edição que se fez «ad experimentum», gostaríamos que tivesse havido muito mais ecos. Agora, está a ser disponibilizado, mês a mês, um novo livro e gostaríamos que tivessem existido muitos mais ecos na participação do Povo de Deus. Chegámos a alguns que nos estão a dar trabalho. Temos que os avaliar e incluir, algum que achamos pertinente. Até, ouvido assim, são propostas interessantes. Outros não têm qualquer fundamento, mas gostaríamos que tivesse muito mais eco.
(NdV): Ainda assim, acha que as comunidades estão despertas para a importância da Palavra de Deus? Que caminho há ainda a fazer?
(JCC): Infelizmente, tenho que responder que não. Agora, na auscultação sinodal, isso ficou patente, porque há uma tradição que já vem de longe e que tem séculos na Igreja, com uma insistência na vida sacramental e, de algum modo, ficou na penumbra o lugar e o papel da Escritura, porque é mais fácil e visível a parte ritual da fé com toda a simbologia que ela traz. Felizmente, a Igreja, por várias razões, está-se a voltar outra vez para o Evangelho, e não só para os textos do Evangelho. Pelo menos no Porto, de onde venho, uma das notas registadas, e que depois passou para a fase continental e para as conferências, foi de a Igreja caminhar mais ao ritmo da Palavra de Deus e, só depois, virão os sinais visíveis da fé. Há e houve uma tradição de séculos… Os meus pais quando iam à Missa não percebiam nada do que ouviam e isso foi uma perda. Agora, para nos habituarmos e ganharmos gosto e normalidade em ouvir a Palavra de Deus, nas várias celebrações, isso vai demorar tempo. Quando Deus quiser, há-de fazer o seu percurso.
(NdV): O que tem dificultado uma atitude que dê mais relevo à Escritura?
(JCC): Eu acho que a culpa não é da Palavra de Deus nem das traduções, porque há boas traduções disponíveis em várias línguas, mas há uma ambiência cultural. Tudo o que são textos nas novas gerações, que são viciadas na imagem, é mais difícil. Depois, nem sempre os textos foram bem tratados. Isto é, quando foram ou são implementados, muitas vezes, não se partilha a riqueza deles e faz-se, muitas vezes, uma leitura moralista. Claro que a Palavra de Deus tem uma dimensão ética e uma repercussão para a vida, mas nem sempre são só esses a única dimensão e o único sentido da Escritura e, por isso, não só culturalmente, há alguma dificuldade. E depois, muitos cristãos dizem que já ouviram isso porque, de três em três anos, regressamos no ciclo litúrgico. Ou seja, asseguram que conhecem o episódio. É preciso todo um caminho de maturidade, abertura de coração e exigência para, de cada vez, se expor à Palavra de Deus. Isso exige um trabalho de humildade.
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